OVMI (Objecto Voador Mal Identificado)

À memória de Raphael Pividal

Por estranho que pareça, na Idade Média a sexualidade era mais liberta, menos inibida e menos censurada do que nos nossos dias.

“Entre a maneira de falar sobre relações sexuais representada por Erasmo e a representada aqui por Von Raumer, é visível uma curva de civilização semelhante à mostrada em mais detalhe na manifestação de outros impulsos. No processo civilizador, a sexualidade, também, é cada vez mais transferida para trás de cena da vida social e isolada em um enclave particular, a família nuclear. De maneira idêntica, as relações entre os sexos são segregadas, colocadas atrás de paredes da consciência. Uma aura de embaraço, a manifestação de um medo sociogenético, cerca essa esfera da vida. Mesmo entre adultos é referida apenas com cautela e circunlóquios” (Norbert Elias, O processo civilizador, vol. I, Rio de Janheiro, Zahard Ed., 1994, p. 180).

Decretum Gratiani with the commentary of Bartolomeo da Brescia, Italy 1340-1345.

Decretum Gratiani with the commentary of Bartolomeo da Brescia, Italy 1340-1345.

Os manuscritos e as imagens medievais evidenciam esta “curva civilizacional” ao nível do controlo e da expressão da sexualidade. As aventuras de Panurgo no Pantagruel, de François Rabelais, fornecem uma amostra. Nas iluminuras, multiplicam-se, explícitas, as cenas de sexualidade, ora realistas, ora caricatas: árvores que dão falos, coitos, exibicionismos, sodomia… Não as mostro porque estamos no século XXI e este blogue é para todas as idades. A maioria pertence a cópias do Romance da Rosa (1230-1280).  Subsiste, no entanto, uma imagem que não resisto a partilhar. Considero-a a mais extraordinária. Pintada entre 1340 e 1345, representa um objeto voador mal identificado (OVMI).

Hieronymus Bosch. As Tentações de Sto Antão.  Pormenor. 1495-1500. Lisboa.

Hieronymus Bosch. As Tentações de Sto Antão. Pormenor. 1495-1500. Lisboa.

Será um peixe voador como aqueles que Hieronymus Bosch pintou 150 anos mais tarde no tríptico de Lisboa (As Tentações de Santo Antão, entre 1495 e 1500)? Ambos transportam pessoas, mas ao OVMI, o que falta em barbatanas sobra em orelhas. Ressalve-se a existência de uma associação simbólica entre o peixe e o OVMI, por exemplo, na mitologia maia (Chevalier, Jean & Gheerbrant, Alain, Dictionnaire des Symboles, Paris, Robert Laffont, 1982).

Illustrations depicting Waldensians as witches in Le champion des dames, by Martin Le France, 1451.

Illustrations depicting Waldensians as witches in Le champion des dames, by Martin Le France, 1451.

Será o OVMI uma vassoura montada por uma bruxa? A nudez confere, mas o dispositivo voador pode ter cabo, mas não tem feixe para varrer. Ora, as bruxas eram muito ciosas das suas vassouras… Não varriam e ainda menos voavam em vassouras amputadas.

Será um pão, um cacete, como o “pão catalão” de Salvador Dali (1932)? Um pão voador? Nada de pasmar, há vários registos do fenómeno. Um restaurante em Singapura chama-se The Flying Bread. Tratar-se-ia, neste caso, de um OVMI pasteleiro surrealista.

Salvador Dali. Catalan Bread. 1932.

Salvador Dali. Catalan Bread. 1932.

O peixe, a vassoura e o pão constituem três hipóteses plausíveis. Acrescento uma quarta: o OVMI é o fruto de uma faleira que tem como propriedade levar o homem e a mulher a cavalgar um peixe voador.

Subsistem, contudo, muitas dúvidas e algumas insuficiências metodológicas. Quer-me parecer que tamanho enigma só pode ser resolvido mediante uma investigação sistemática e aprofundada, conduzida por uma equipa interdisciplinar internacional, com acesso a alta tecnologia, apoiada por uma ou várias fundações mecenas, com publicação dos resultados numa revista estrangeira com factor de impacto.

Tags: , , , , , , , , , , , , ,

Leave a Reply

%d bloggers like this: