Archive | Maio 2022

Importância do diagnóstico da doença de Alzheimer

René Magritte. Mémoire. 1948.

Repetir a mesma pergunta, uma e outra vez. Não se chama envelhecer, chama-se ficar doente. Se você ou um ente querido estiver com perda de memória, pode ser um sinal de demência. Pesquisas recentes mostram que o equívoco de que sintomas como a perda de memória são sinal de envelhecimento normal representa a maior barreira a que as pessoas procurem um diagnóstico de demência. Com as taxas de diagnóstico no nível mais baixo em cinco anos, dezenas de milhares de pessoas vivem agora com demência não diagnosticada. Isso significa que não têm acesso aos cuidados vitais e ao apoio que um diagnóstico pode comportar. Fazer um diagnóstico pode ser assustador, mas acreditamos que é melhor saber. E o mesmo acontece com 91% das pessoas afetadas pela demência. Mais de 9 em cada 10 pessoas afetadas pela demência dizem que ter realizado um diagnóstico as beneficiou. Permite-lhe receber conselhos práticos e apoio, planear o futuro, e pode até oferece uma sensação de alívio saber o que está a acontecer (Alzheimer’s Society. It’s Not Called Getting Old. 2022.

Anunciante: Alzheimer’s Society. Título: it’s Not Called Getting Old. Agência: New Commercial Arts, UK. Direção: Billy Boyd Cape. UK, maio 2022.

Pequeno almoço

Paul Cézanne. Nature morte. Pots, bouteille, tasse et fruits. Alte Nationalgalerie, Berlin.

De mansinho, com uma música a querer conduzir a algum lugar.

Robert Schumann. Kinderszenen, Op. 15: No. 7, Träumerei (Arr. T. Frost for Orchestra) · Eugene Ormandy · The Philadelphia Orchestra. Originally released 1966.

Sem agenda

René Magritte. La Condition Humaine. 1935.

Comme l’on ne sait pas ce que la vie nous donne
Il se peut qu’à mon tour je ne sois plus personne
S’il me reste un ami qui vraiment me comprenne
J’oublierai à la fois mes larmes et mes peines
Alors, peut-être je viendrai chez toi
Chauffer mon cœur à ton bois

(Françoise Hardy. L’Amitié. 1965).

Quando se esteve afastado das pessoas, desaparece-se da sua agenda.

Françoise Hardy. L’Amitié. L’Amitié. 1965.

Paroles de la chanson L’amitié par Françoise Hardy
Beaucoup de mes amis sont venus des nuages
Avec soleil et pluie comme simples bagages
Ils ont fait la saison des amitiés sincères
La plus belle saison des quatre de la terre

Ils ont cette douceur des plus beaux paysages
Et la fidélité des oiseaux de passage
Dans leur cœurs est gravée une infinie tendresse
Mais parfois dans leurs yeux se glisse la tristesse
Alors, ils viennent se chauffer chez moi
Et toi aussi tu viendras

Tu pourras repartir au fin fond des nuages
Et de nouveau sourire à bien d’autres visages
Donner autour de toi un peu de ta tendresse
Lorsqu’un autre voudra te cacher sa tristesse

Comme l’on ne sait pas ce que la vie nous donne
Il se peut qu’à mon tour je ne sois plus personne
S’il me reste un ami qui vraiment me comprenne
J’oublierai à la fois mes larmes et mes peines
Alors, peut-être je viendrai chez toi
Chauffer mon cœur à ton bois

Pensamento de rodapé

Imagem ilustrativa de semáforos – Pixabay

Semáforo humano:

– as pessoas verdes abrem uma porta depois de fechar a outra;

– as pessoas amarelas abrem uma porta deixando a outra aberta;

– as pessoas vermelhas fecham uma porta e não abrem outra.

Os primeiros são os progressivos, os segundos os divididos e os terceiros os encurralados.

Segue a música Transparente World, por Zafer Coşar.

Zafer Coşar. Transparent world. Single Touch 3. 2021.

Até amanhã!

Georges de La Tour. Rapaz a apagar uma lâmpada. Cerca de 1649.

Curado o corpo, falta a alma. Como a aranha tece a teia. Com tranquilidade reflexiva. Coxo, sem asas e sem convívio, visionar, ouvir música, escrever e fumar é uma forma de vida. Hoje é um novo dia. Até amanhã!

Vangelis. La petite fille de la mer. L’Apocalypse des animaux. 1973. 2003 Re-master.
Don McLean. Till Tomorrow. American Pie. 1971.

Semáforo

Adão e Eva após comer a maçã. Manuscrito Royal MS 14 E III folio 128r. 1315-1325.

Acabei de escrever um capítulo para um livro coletivo. Chama-se “A ave, o casal e a lápide: O conjunto escultórico da igreja de S. João Batista em Lamas de Mouro”. Tem uma vintena de páginas e ainda mais imagens. Com três semanas para o escrever, despachei-o apenas em uma. Mas não fiz outra coisa. Nem sequer visitei o blogue. Quando escrevo, namoro o delírio; desta vez, apaixonei-me. Saiu um mostrengo meio sociologia do imaginário meio semiótica da imagem. Antes de mais, um jogo divertido de imaginação aplicada. A reforma permite-o. Gostava de o partilhar, mas não devo! Guardo-o em segredo até ao lançamento do livro em agosto. Quando sair, já me esqueci dele.

Regresso ao Tendências do Imaginário com música. Sempre igual, sempre diferente, como um piscar de olhos, alternativo como um semáforo. Cabe a sorte a Anouk. Seguem as canções Only a Mother e The Rules, ambas do álbum Sad Singalong Songs, de 2013.

Anouk. Only a mother. Sad Singalong Songs. 2013.
Anouk. The Rules. Sad Singalong Songs. 2013.

Saúde e Pobreza – Seminário dia 28 de maio

Segue o convite, com a respetiva apresentação, para o seminário organizado pela EAPN dedicado ao tema “O binómio saúde e pobreza: uma análise de causalidade “, previsto para o próximo dia 28 de maio, no auditório Zulmira Simões da Escola de Medicina da Universidade do Minho.

Aproveito para acrescentar uma notícia do Diário Minho, do dia 17 de maio, a apresentar o recentemente criado Fórum de Cidadania pela Erradicação da Pobreza, parceiro da EAPN.

Press Release

CONGRESSO NACIONAL – DIÁLOGOS SOBRE POBREZA

Desta vez, em Braga, debate-se “O binómio saúde e pobreza”

“O binómio Saúde e pobreza: uma análise de causalidade” é o tema do terceiro seminário organizado pela EAPN Portugal, promotora do Congresso Nacional – Diálogos sobre Pobreza que já abordou “A Luta contra a pobreza em Portugal: desafios e oportunidades” e “Pobreza, Trabalho e Desigualdades”.

 Desta vez Braga é a cidade escolhida para o encontro que reúne alguns especialistas, dia 28 de maio, no auditório Zulmira Simões da Escola de Medicina da Universidade do Minho. Este congresso nacional – Diálogos sobre Pobreza – composto por 4 seminários realizados em 4 cidades (Porto, Aveiro, Braga, Lisboa) visa comemorar o 30º aniversário da EAPN Portugal, celebrado no passado mês de dezembro, cujas iniciativas se estendem ao corrente ano, contando com o Alto Patrocínio do Senhor Presidente da República.

O direito a um nível de vida adequado para assegurar a saúde e bem-estar de cada pessoa e da sua família, constitui um dos direitos fundamentais inscritos no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948.

A saúde possibilita o desenvolvimento social, económico e pessoal das pessoas, sendo por isso um componente essencial para a qualidade de vida de cada indivíduo. Não obstante, as desigualdades sociais e económicas contribuem frequentemente para diminuir a acessibilidade das pessoas em situação de maior vulnerabilidade a cuidados de saúde que lhes permitam a manutenção de um nível de saúde adequado.

A saúde individual de cada pessoa é, por isso, determinada por um conjunto de fatores políticos, socioeconómicos, culturais, biológicos e comportamentais que podem tanto favorecer como prejudicá-la.

Num país fortemente marcado por desigualdades, o Sistema Nacional de Saúde (SNS) tem sido um poderoso instrumento de coesão social. A criação do SNS em 1979 veio assegurar o acesso universal, geral e tendencialmente gratuito de todos os cidadãos de Portugal a cuidados de saúde. Volvidos mais de 40 anos desde a sua criação e apesar das conquistas alcançadas pelo SNS – desde as melhorias ao nível da saúde materno-infantil à cobertura e alcance dos cuidados médicos hospitalares em todo o território -,existem ainda diversas lacunas que carecem de solução e que, à luz da atual crise despoletada pela pandemia da COVID-19, foram intensificadas.

Segundo os últimos dados do INE[1], em 2021, 50.2% da população autoavaliou o seu estado de saúde como bom ou muito bom (uma descida de 1.1 p.p. face ao ano anterior). Essa autoavaliação positiva foi mais elevada entre os homens (54.2%) por comparação às mulheres (46.6%); entre a população empregada (65.2%) por comparação à desempregada (50.5%) e entre as pessoas com ensino superior (74.1%) e ensino secundário e pós-secundário (66.2%) por comparação às que detêm apenas o ensino básico (34.1%). Em todos estes grupos verificou-se uma descida relativamente ao ano 2020.

Os dados do INE indicam ainda que se verificou em 2021 um aumento na percentagem de pessoas com 16 ou mais anos que tinham necessidade de consultas médicas não satisfeitas (5.7%), sendo a disponibilidade financeira o principal motivo apresentado para 30% das pessoas que referiram estar nessa situação. Ainda segundo este inquérito, 60% das pessoas inquiridas apontaram “outras razões” como motivo para as necessidades de consulta médica não satisfeitas, com destaque para os motivos relacionados com a crise pandémica COVID-19.

Viver em situação de pobreza tem claramente um impacto na saúde das pessoas. A autoavaliação que as pessoas que vivem numa situação de pobreza fazem da sua saúde é claramente menos positiva quando comparada com a população que não está nessa situação. Em 2021, 50.2% da população total avaliava o seu estado de saúde como muito bom ou bom. Já quando se considerava a população em risco de pobreza, este valor descia para 37,2%. No caso das avaliações do estado de saúde como razoável estas são superiores na população em situação de pobreza (41.4%) quando comparado com a população total (36.6%). O mesmo se verifica quando existem limitações na realização de atividades devido a problemas de saúde prolongados: em 2021, 44.5% da população em situação de pobreza referia ter limitações na realização de atividades devido a problemas de saúde e 14.1% apontavam limitações severas.

A saúde mental é outra dimensão central à vida das pessoas. Segundo os dados apontados pelo Inquérito Europeu da Saúde (EHIS) de 2014 do Eurostat, cerca de 31% da população admitia ter necessidades de cuidados médicos não-satisfeitas ao nível da saúde mental por motivos financeiros. Mais recentemente, o relatório da OCDE “A New Benchmark for Mental Health Systems” estimava que cerca de 64% da população em idade laboral em Portugal apresentava[2] necessidades de cuidados médicos não-satisfeitas ao nível da saúde mental por motivos de transporte, financeiros e de tempo de espera[3]. Estes dados não surpreendem e são um claro reflexo do sub-investimento que existe ao nível dos cuidados de saúde mental no SNS e que se manifestam sobretudo numa carência de recursos humanos especializados.

Se tivermos em conta o impacto da COVID-19 na saúde mental verificamos que, em 2021, 26.6% da população com 16 ou mais anos referiu o efeito negativo da pandemia na sua saúde mental. Um efeito mais gravoso para as mulheres (30.2%) do que para os homens (22.4%); com pouca diferença entre a população com idades entre os 16 e os 64 anos (26.8%) por comparação à população com 65+anos (25.9%); um impacto significativamente elevado para a população em situação de desemprego (33.7%) por comparação à empregada (25.5%).

Também nesta dimensão viver em situação de pobreza é um fator de maior vulnerabilidade: só em 2021, devido à pandemia, 29,6% da população com 16 anos ou mais em risco de pobreza referiram um impacto negativo da pandemia de COVID-19 na sua saúde mental, menos 3 p.p. quando comparado com a população total (26,6%)[4].

A acessibilidade à saúde é afetada também pelas desigualdades geográficas em termos de cobertura dos serviços. Existem um conjunto de assimetrias regionais em termos de cobertura da rede hospitalar e especialidades médicas que impactam o acesso à saúde da população, em particular a mais vulnerável.

Se as fragilidades apontadas no acesso e cobertura do SNS nas diferentes dimensões analisadas eram um facto incontornável pré-pandemia, à luz da atual crise despoletada pela paralisação do SNS causada pela pandemia da COVID-19 e a intensificação de patologias do foro mental, é de prever que estas fragilidades se acentuem e tragam efeitos na saúde dos portugueses ainda difíceis de quantificar. É, igualmente, previsível que estas fragilidades continuem a afetar de forma desproporcional as pessoas em situação de maior vulnerabilidade económica e social. É, por isso, imprescindível colocar a dimensão da saúde e da saúde mental na agenda de discussão do combate à pobreza.

O documento que servirá de ponto de partida para o debate apontará algumas recomendações para o futuro.

No sítio dedicado à iniciativa em https://congresso2022.eapn.pt encontrará o programa do evento, com todos os intervenientes e temas a abordar.

+ info:

EAPN Portugal

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4200-218 Porto

e-mail: comunicacao@eapn.pt

Tel: 225420800/ 96 6698549

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Twitter: https://twitter.com/eapn_pt


[1] INE, Estado de Saúde, Rendimento e Condições de Vida 2021, 25 de fevereiro de 2022. Disponível em : https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=544264379&DESTAQUESmodo=2

[2] Os dados apresentados pela OCDE neste relatório, publicados em 2021, são relativos ao período entre 2012 e 2016, não sendo possível discriminar com precisão a que ano os mesmos se referem.

[3] OECD. A New Benchmark for Mental Health Systems. (2021). https://doi.org/https://doi.org/10.1787/4ed890f6-en

[4] INE, Estado de Saúde, Rendimento e Condições de Vida 2021, 25 de fevereiro de 2022. Disponível em : https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=544264379&DESTAQUESmodo=2

Abrenúncio

Skeleton Smoking Poster, by Microgen Images/science Photo Library

“Sucessivas subidas de impostos sem influência nos fumadores. Estado com receitas de 1,4 mil milhões. Vendas cresceram quase 20% até abril. Fotos chocantes nos maços aprovadas há seis anos. / Os portugueses estão a fumar mais este ano do que fumaram no arranque do ano passado. As sucessivas subidas do imposto sobre o tabaco (IT) não parecem dissuadir os consumidores, tendo-se registado um aumento de 19,59% de cigarros consumidos entre janeiro e abril de 2022 face a igual período de 2021. O Governo prevê que, em 2022, face ao aumento de 1%, o IT renda 1433 milhões de euros, mais 20 milhões do que em 2021. O JN falou com dois especialistas em doenças pulmonares no dia em que se cumprem seis anos desde que foram introduzidas as imagens explícitas nos maços de tabaco. Ambos consideram que o recurso às fotografias não chega, por si só, para reduzir o consumo. E, em linha com o que defende a DGS, referem que a chave é continuar a fazer subir os preços” (João de Vasconcelos e Sousa e João f. Sousa, Nem o aumento do tabaco trava o consumo: Jornal de Notícias, sexta-feira, 20.5.2022.

Anunciante: Breathe-free Foundation. Título: Suicide. Agência: Y&R Singapore. Direção: Royston Tan. Singapura, setembro 2006.

Ano após ano, aguarda-nos, ao dobrar da esquina, a mesma lamúria e a mesma panaceia. Décadas a fio, durante quase meio século, ressurge, lamentada, a surpresa: na melhor das hipóteses, o consumo de tabaco praticamente não desce, antes pelo contrário, sobe, por vezes muito, como ano transato (19,59% em Portugal). Afinal, as medidas, extraordinárias não lograram os resultados esperado. Nem nos anos oitenta, com a proibição da publicidade ao tabaco, nem nos anos noventa, com a proibição de fumar nos recintos fechados, nem agora, com as fotografias alarmantes. Uma série de medidas decisivas ao nível da ecologia do tabaco, dos seus usos sociais, mas, aparentemente, sem resultados de vulto no que respeita à evolução dos valores de consumo. Como balanço, assume-se, algo paradoxalmente, que o recurso ao aumento do preço do tabaco, graças ao aumento o imposto sobre o consumo de tabaco (IT) é o grande recurso, senão único, pelo menos indispensável. Ano após ano, não para de aumentar, “extraordinária”, a tributação sobre o consumo de tabaco. Com resultados insuficientes, como nos anos precedentes. Pelos vistos, nem influencia, nem modera.

As medidas antitabaco e o aumento da carga fiscal resultam, portanto, inócuos? Nem por isso. Proporcionam uma receita adicional gigantesca para os cofres do Estado. Aumentam, sem mais, a carga fiscal de uma categoria específica de contribuintes. Em termos de redistribuição, a consequência é a transferência excecional, mas constante, de uma parte do rendimento de uma parte dos cidadãos para outros (para o conjunto). Esta política fiscal “antitabaco” é responsável pelo empobrecimento absoluto e relativo de uma categoria social: os consumidores de tabaco. Aberração por aberração, esta sobrecarga fiscal inscreve-se como um contrassenso no âmbito de um Estado Social: configura um imposto de algum modo “regressivo” cuja incidência aumenta à medida que os rendimentos diminuem; são os mais pobres quem mais fuma.

Em suma, o efeito do aumento do imposto sobre o tabaco manifesta-se perverso: irrelevante no que respeita ao objetivo que o justifica, o consumo do tabaco, assevera-se apreciável como derivação instrumental, o aumento da receita fiscal. Alguns diriam um discurso “encapotado”, outros farisaico, sem desprimor para os fariseus. Trata-se de uma política de foro fiscal, discriminatória, iníqua e avessa ao princípio da progressividade dos impostos. ” A Constituição estabelece no n.º 1 do artigo 104.º que “O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”.

As políticas antitabaco produzem, para além do aumento discriminatório e regressivo da carga fiscal, outros efeitos, por exemplo, ao nível dos direitos e deveres dos cidadãos em domínios tais como a comunicação, a circulação, a autoestima, a privacidade, a intimidade…  Algumas são legítimas e positivas: a proibição da publicidade de uma mercadoria nociva ou a salvaguarda do direito a um espaço saudável e com qualidade de vida. Convence-me menos a publicidade antitabaco, que tende a resvalar para uma espécie de cruzada centrada na figura do próprio fumador, por vezes reduzido a um bárbaro, um poluidor, um irresponsável e um suicida sem hora marcada, que urge converter sem regatear meios. As fotografias chocantes retomam a inspiração dos espelhos da morte medievais:  o fumador vê-se confrontado com o seu provável futuro macabro. Em qualquer lugar, a qualquer hora, incluindo na vida privada e na sua intimidade. Com o panótico, os prisioneiros sentem-se sempre vigiados, com as embalagens atuais de cigarros, o fumador está condenado a não aliviar o olhar, como o protagonista do filme Laranja Mecânica. Trata-se de um excesso de ameaça e assédio, ubíquo e constante. De momento quero convencer-me de que a espontaneidade de um testemunho, franco e satisfeito, de um colega ou amigo contribui mais para a diminuição do consumo de tabaco do que resmas de embalagens de cigarros. As imagens perturbadoras com alertas sobre os riscos do tabaco surgiram pela primeira vez no Canadá, em 2001. Desde então, inúmeros países, com as mais diversas culturas, adotaram, replicando, esta iniciativa. Aplicaram-na com que criatividade, reflexividade e adaptação? Grau zero? Copy and paste?

Se este atropelo à dignidade humana não surte os resultados desejados, não acerta no alvo, por que se insiste em alargá-lo e repeti-lo? Será completamente descabida a crença do senso comum de que um viciado acossado tende a ser mais difícil de converter? Será que subsistem casos em que a transgressão persuade mais do que dissuade? Por que investir em perversidades com escassos benefícios e elevados custos pessoais e sociais? Para que serve e a quem serve esta (des)orientação, este impasse já dura há meio século! Não há modo de ousar uma pausa para reconsiderar o desperdício?

Acontece interrogar-me se quem concebe e executa estas políticas e campanhas conhece os públicos alvo e os fenómenos em causa. Importa inverter esta tendência. Paul Lazarsfeld sustentava que a promoção de um político não é de natureza diversa da publicidade de um sabonete: convém conhecer o produto, os consumidores potenciais e o modo de os persuadir. Por que não se incentiva nem se aprofunda o estudo dos fumadores? Os seus perfis biopsicossociais, a sua condição, as suas experiências, trajetórias, culturas, valores e expetativas? Por que, em vez de atacar, não se ensaia compreender? Por que, em vez de enxovalhar o outro, não ajudamos o próximo? Em vez de o estigmatizar com palavras e imagens terroristas não o cativamos a fazer seu o nosso discurso? Por que não traduzir em vez de impor? Menos paranoia e mais empatia. Às vezes, invade-me um sentimento de frustração, a vertigem de uma aparatosa mensagem mobilizadora de destinatários fantasmas. A consciencialização social é um propósito demasiado complexo. Não costuma prestar-se a panaceias nem à insensibilidade.

Os fumadores e os não fumadores merecem outra criatividade, uma mudança de rumo, de leme e de espírito. Afinal, o assunto não é para menos: um em cada quatro portugueses, ou europeus, fuma! E não integra nenhum bestiário. Pelos vistos, o defeito não está no esforço convocado, remonta, talvez, à inspiração inicial.

A ave e os nus

Ando muito entretido a tentar interpretar duas esculturas estranhas que acolhem os crentes no portal da fachada principal da igreja de São João Baptista em Lamas de Mouro, Melgaço. Quando tal acontece, nada mais existe!

A abertura do documentário de Ricardo Costa dedicado a Castro Laboreiro, publicado pela RTP em 1979, (https://tendimag.com/2022/05/12/castro-laboreiro-o-fantasma-de-tarkovsky/) teve a arte de me lembrar um dos meus discos de eleição, e menos conhecido, do Vangelis, Heaven and Hell, lançado em 1975. Segue a parte I (lado A: 22:06). A parte II, minha preferida, já a coloquei mais do que uma vez (ver https://tendimag.com/2019/05/31/divertimento/). Não desistam a meio que não merece!

Vangelis. Heaven and Hell. Parte I. 1975.

Ricardo Costa: Castro Laboreiro – Episódio 3

Ricardo Costa

Segue o terceiro e último episódio do documentário dedicado a Castro Laboreiro publicado pela RTP em 1979. Volvidos mais de quarenta anos, o realizador Ricardo Costa abraça o projeto de regressar a Castro Laboreiro e retomar caminho com as pessoas que participaram no documentário. Encetou, neste sentido, em 2021, contatos. A morte, no entanto, antecipou-se. Faleceu no dia 8 julho de 2021, aos 81 anos.

Em 2018, o festival internacional de cinema documental de Melgaço, então designado Filmes do Homem, projetou na sessão de encerramento o documentário Castro Laboreiro, de Ricardo Costa.

” Professor, ensaísta e editor, foi um dos fundadores da cooperativa cinematográfica Grupo Zero e um dos colaboradores do filme colectivo «As Armas e o Povo», de 1975.

Tendo feito depois disso diversas docuficções, curtas-metragens e séries televisivas, é a sua faceta de cineasta de uma revolução em curso que mais se instalou no nosso imaginário, de modo que muitas das imagens de 1974 que todos conhecemos, tão anónimas como o povo anónimo, tinham na verdade um autor, que por isso, e não apenas por isso, deve ser recordado.” (Marcelo Rebelo de Sousa – Presidente da República lamenta a morte do produtor e realizador Ricardo Costa: https://www.presidencia.pt/atualidade/toda-a-atualidade/2021/07/presidente-da-republica-lamenta-a-morte-do-produtor-e-realizador-ricardo-costa/.

Homem Montanhês / Castro Laboreiro. Terceiro episódio: Brandas. Uma coprodução Diafilme com a RTP, com realização e montagem de Ricardo Costa. 1979.