Virtualidades pouco virtuosas

Cada vez se torna mais complicado distinguir a realidade do imaginário. Por vezes, somos mais estimulados pela cópia do que pelo original. Tomamos, inclusivamente, como reais realidades que nunca existiram. Jean Baudrillard fala em hiper-realidade. Estes três anúncios da Fotoprix são duplamente dúbios: pela ilusão e pela mensagem. Virtualidades pouco virtuosas.
Inteligência Artificial, Machine Learning e composição musical

Pedro Costa, doutorado em Sociologia, investigador do CECS – Centro de Estudos Comunicação e Sociedade, acaba de publicar o artigo A Inteligência Artificial e Seus Herdeiros no blogue Margens (https://tendimag.com/?p=55533). Um ensaio sobre a Inteligência Artificial, o Machine Learning e o futuro da criatividade, designadamente no que respeita à música. Pertinente, oportuno, bem escrito, fundamentado e criteriosamente ilustrado, trata-se de um texto raro, subtil e ousado. Aproveito para acrescentar quatro vídeos excelentes relativos a outras tantas músicas emblemáticas da relação entre o homem, a máquina e as emoções: The Robots (1978), dos Kraftwerk; Wellcome To The Machine (1975), dos Pink Floyd; All Is Full Of Love (1997), da Bjork; e How Does It Make You Feel (2001), dos Air.
Franz Ferdinand e o anime Cyberpunk

Os admiradores de anime revelam-se um público interativo. Reagem! No mesmo dia em que foi colocado o artigo “David Sylvian, Japan e os anime”, recebi o vídeo de abertura dos créditos do anime Cyberpunk: Edgerunners, estreado em setembro no canal Netflix. Lembra vagamente a Pop art e as viagens psicadélicas. O lettering é notável. A música, This Fire, é dos Franz Ferdinand. Além do referido vídeo dos créditos do anime Cyberpunk, acrescento dos vídeos musicais deveras criativos dos Franz Ferdinand: Love Illumination; e Take Me Out.
David Sylvian, Japan e os anime

Orientalização do Ocidente? A questão já se colocava, há meio século, a Fernando Namora (ver https://tendimag.com/2022/01/23/estamos-no-vento/). O entusiasmo pelos manga e pelos anime constitui um dos sinais. Continuo, no entanto, desde os anos setenta, a estranhá-los. Estou em crer que, no meu caso, a orientalização do ocidente tenha revertido numa oxidação da razão com a respetiva camada de ferrugem. Mas admito que a explicação mais plausível remete para a falta de exposição: quem não prova, não entranha.
Constato, contudo, que os anime, dignos de culto, evidenciam qualidade, criatividade e recursos. E aproveitaram a pausa da pandemia. A nova temporada do anime Golden Kamuy oferece-se como exemplo.
David Sylvian, e o grupo Japan (1974-1982), tornaram-se, ajudados pelo nome, particularmente populares no Japão. Adotadas pelos anime, algumas das suas músicas viram a audiência disparar. É o caso da canção For The Love Of Life, tema final do anime Monster. Acrescento Ghosts; condiz com a conversa que vou dedicar às “coisas do outro mundo” (Melgaço, 21 de outubro).
Diga-o com robots!

Parece-me que estou a ficar senil, mas não resisto a repetir: manifesta-se impressionante como o ser humano tem de recorrer à mediação do não-humano (animais, animações, objetos) para expressar, significar, o humano.
Singaporean charity TOUCH Community Services has released a heart-warming film about the power of the human touch, produced by BBH Singapore. / The ‘touching’ film is set in the future and tells the story of Alfie, a robot assistant, who learns about the human touch from the family and community it interacts with. / Accompanied by an acoustic arrangement of the classic hit, Human, written by The Killers, the campaign film embodies TOUCH’s commitment to inspire hope and transform lives through the power of human connection, both in the present and the future (Ads of the World, The Human Touch: https://www.adsoftheworld.com/campaigns/the-human-touch, acedido em 11.10.2022).
O contágio do estigma

“Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original e, ao mesmo tempo, a imputar ao interessado alguns atributos desejáveis mas não desejados, frequentemente de aspecto sobrenatural, tais como “sexto sentido” ou “percepção”:

“Alguns podem hesitar em tocar ou guiar o cego, enquanto que outros generalizam a deficiência de visão sob a forma de uma gestalt de incapacidade, de tal modo que o indivíduo grita com o cego como se ele fosse surdo ou tenta erguê-lo como se ele fosse aleijado. Aqueles que estão diante de um cego podem ter uma gama enorme de crenças ligadas ao estereótipo. Por exemplo, podem pensar que estão sujeitos a um tipo único de avaliação, supondo ou o indivíduo cego recorre a canais específicos de informação não disponíveis para os outros.”” (Erving Goffman, Estigma, 1ª edição 1963).
Confirmo. Durante o período em que estive sem mobilidade até os mais parvos se estimavam mais inteligentes. Preso à cadeira de rodas, observava, nada surpreendido e um pouco resignado, a caravana a passar. Personagens como o detetive Robert T. Ironside, protagonista paralisado numa cadeira de rodas da série norte-americana Ironside (Têmpera de Aço, NBC de 1967 a 1975) representam uma exceção excessiva que confirma a regra.
Mas não sobrevem apenas um efeito de contágio. Quando o estigma desaparece, pode ocorrer, também, um efeito de prolongamento. A atitude mantem-se para além das condições que a justificaram. Em casos como este, Pierre Bourdieu fala em “histerese do habitus”. Arrumada a cadeira de rodas, a ilusão continua. A comodidade e a condescendência insistem em subestimar a inteligência e, como é costume nestas situações, a dignidade do “resgatado vulnerável”. Entretanto, sinto que estou a perder a paciência.
Avalanche de imagens

Estou a ver A Roda do Tempo. Queixo-me ao meu rapaz: tudo passa muito depressa. Estás desfasado. Agora não é como dantes! Parodia, em câmara lenta, as cenas do Tarkovsky, do Bergman, do Fellini, do Kurosawa, do Oliveira… Mas condescende: o primeiro episódio é o mais concentrado, inicialmente estava previsto ser desdobrado em dois. Resisto: o Senhor dos Anéis é lento! Repara, o conjunto dos livros da trilogia dos Senhores dos Anéis tem cerca de 1 230 páginas e os três filmes duram 12 horas; os 14 volumes da Roda do Tempo têm mais de 11 000 páginas e a primeira temporada dura pouco mais de 7 horas. Parece um cocktail [um shot?] de economia e estética. A juventude hoje sabe tudo!
Sinto-me ultrapassado. Estranho estas avalanches de imagens aceleradas, densas, acentuadas e cortadas. Opto por me refugiar na publicidade. Estava longe de suspeitar o que me aguardava. Nem me apetece comentar.
“For the launch of their new horror series Resident Evil this week, global streaming platform Netflix installed a terrifying live installation on the streets of Santa Monica. Created by US creative agency, Founders, part of By The Network, the activation takes place on one of Santa Monica’s busiest streets. Played out by an actor, a man infected with the T-Virus (the virus from the series) is imprisoned in a huge glass cage and over the space of four hours turns into a Zero (the frightening infected creatures from the series) before breaking free from the cage and chasing into the crowd, thirsty for blood. The TikTok film has already attracted over 15 million views, and counting” (https://www.adsofbrands.net/en/ads/netflix-resident-evil/14451).
Mudo para uma base de dados francesa. Espera-me uma declaração de amor pátrio precipitada num carrossel de imagens fugidias e músicas sincopadas. Tamanha velocidade ultrapassa-me!
O naufrágio da modernidade

Nada como uma boa ideia, de preferência simples e com impacto. Muito impacto. Mesmo que seja num ventre mole. Muito mole. A iniciativa Bihar, uma escultura hiper-realista de uma menina a afundar-se na ria de Bilbao, promovida pela instituição financeira BBK (Bilbao Bizkaia Kutxa), conseguiu uma gigantesca notoriedade gratuita no horário nobre da comunicação social ao nível planetário. Antecipando o futuro, em particular a ameaça das alterações climáticas, a campanha nos media, Leão de Prata em Cannes, desdobra-se num anúncio (2:15) e numa curta-metragem (17:01).
Einstein superstar

Por que será que Albert Einstein adquiriu tamanha popularidade assumindo-se como um expoente de celebridade do século XX? Se refletirmos um pouco, talvez “não houvesse necessidade”! Proponho esta questão como desafio.
Carregar na imagem seguinte para aceder ao vídeo do anúncio Einstein’s Bath em alta resolução.

Comentário do anúncio Einstein’s Bath
“Brief: To re-create Einstein in photoreal CG as a part of Smart Energy’s campaign to encourage consumers to ‘join the energy revolution’by switching to eco-friendly smart meters.
Approach: After an extensive period of research and development sourcing a vast amount of archival material to help build Einstein, The Mill teamed up with DI4D to capture the actor John Guerrasio’s performance and scan a library of facial expressions. This library was then used as a base to recreate John’s performance before every expression was further elevated into a truly lifelike representation of Einstein, with painstaking detail going into making sure every shot was perfect. After 12 months of R&D, modeling, texturing, grooming, lighting, animation, comping and tweaking we were able to deliver the final photorealistic digital Einstein in all its glory.
Impact: A detailed photoreal digital version of Albert Einstein showcased in a 30-second long mind-blowing commercial. Total engagements: 7.3 million. An uptick in online mentions of Smart Energy by 647% compared to the previous quarter. Twitter impressions: 247K.
We always knew Albert Einstein was smart. So it’s no surprise to find him explaining why smart meters help to keep Britain green in the new Smart Energy campaign. We just didn’t expect him to be doing it from his own bathtub while scrolling through Instagram…
The Mill were tasked by AMV and Smart Energy with the hugely ambitious task of creating a digital version of Einstein. We crafted a unique and groundbreaking visual effects pipeline in order to create an avatar that was truly convincing. Our visual effects team, including facial shape experts, spent months researching and developing a robust toolset so we could convincingly portray the nuances of Einstein’s personality. We used cutting-edge 4D volumetric capture technology to capture the performance of an actor. This was then used to re-create subtle facial performances and intricate details in CGI.
“This was definitely a first for The Mill. Although we have tackled digital human creation in the past, it would be fair to say it hasn’t been done at this level before. This project presented us with so many technical and artistic challenges which would have been difficult in normal circumstances let alone doing it all remotely during a pandemic! We’ve been lucky to have some of the world’s most incredible talent working on this project – amongst the best in their field. We’ve loved every minute of it!” (Alex Hammond, A Photoreal CG Einstein for Smart Energy: https://www.themill.com/work/case-study/creating-a-photoreal-cg-human-for-smart-energys-einstein-knows-best/. Consultado em 29/04/2022.
The Making of