Destino é uma curta-metragem animada da Disney estreada em 2003. Foi, no entanto, concebida por Walt Disney e Salvador Dalí. Vídeo fabuloso de inspiração surrealista, a sua projeção abriu a conversa Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo. Estando em curso a montagem do vídeo da conferência, a sua incorporação no Tendências do Imaginário resulta oportuna. Fica, de algum modo, arquivada.
Destino. Curta-metragem. Estúdios Walt Disney. 2003. Animação concebida por Walt Disney e Salvador Dalí em 1945
Os peregrinos acodem à Galiza e da Galiza chovem canções. E memórias. Num dia em que me abandonei ao calor do computador.
Os peregrinos lembram-me os romeiros; e os romeiros, os Luar Na Lubre.
Luar Na Lubre – Romeiro Ao Lonxe (Con Diana Navarro). Versão galega de “Scarborough Fair”, canção inglesa do século XII.
Os Luar Na Lubre lembram-me a Sés, e a Sés os Encontros Minho-Galiza, designadamente o III, no auditório de Goián, em Tomiño, com a participação, precisamente, da Sés e do Pedro Abrunhosa (“Até o bom pode ser efémero”: https://tendimag.com/2017/04/03/ate-o-bom-pode-ser-efemero/).
Luar Na Lubre – Os tafenos da gaurra. Con Maria Xosé Silvar (Sés) e a Coral de Ruada. Ao vivo: Teatro Principal de Ourense, junho de 2018
Os Encontros Minho-Galiza lembram-me o Francisco Abrunhosa e o Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura, responsável, em parceria com o Centro de Estudos Galegos e o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, pela organização.
Sés e Pedro Abrunhosa durante o III Encontro Minho-Galiza. Fotografia de Francisco Abrunhosa
O Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura lembra-me tempos em que acreditava em inovar e criar institucionalmente. Recorda-me, também, a Escola da Primavera, uma espécie de estágio anual fora do campus, uma iniciativa que resultou original, oportuna e emblemática.
A Escola da Primavera lembra-me Melgaço, seu destino de eleição, berço que não me canso de embalar. E apetece-me embarcar na “Nau” dos Luar na Lubre, acrescentando apenas à “xente de Galicia” a “gente do Minho”:
Nau de vento, nau dos homes que vogan na inmensidade somos xente de Galicia onde a terra bica o mar-e. Ai la la, ai la la… Nau de soños, nau de espranzas nau de infinda veleidade o que esquece as suas raices perde a súa identidade Ai la la, ai la la… (Luar Na Lubre, Nau, 1999)
Luar na Lubre. Nau. Cabo do Mundo. 1999. Ao vivo em 2000
E, assim, aportado em Moledo, refresca-me esta brisa circular de memórias. E deixo-me, com o outono a anunciar-se, estar junto ao computador como se de uma lareira se tratasse.
Nunca aprendemos, já passamos por isso / Por que estamos sempre cercados e fugindo / Das balas? Das balas?
Signo of Times, de Harry Styles, oferece-se como uma canção premonitória? Proeza algo relativa. Humanamente falando, canções como esta são sempre premonitórias. Aproveito para recolocar um anúncio admirável de 2007: Stop the bullet Kill the gun, da Choice FM.
Harry Styles. Sign of Times. Harry Styles. 2017. Na BBC em 2017
Marca: Choice FM. Título: Stop the bullet Kill the gun. Agência: Amv BBDO London. Direção: Malcolm Venville, Sean de Sparengo. UK, 2007.
“De la mano de tu voz He encontrado mi camino He sentido la pasión y el dolor Al mismo tiempo De la mano de tu voz Se hace eterno lo efímero.”
Imagem: Salvador Sobral e Silvana Estrada
Junto ao Minho, até as canções atravessam as línguas. Da outra margem, pela mão de uma amiga, chega-me esta relíquia, transfronteiriça, do Salvador Sobral (com Silvana Estrada). Segue o videoclip oficial.
Salvador Sobral (com Silvana Estrada). De la mano de tu voz. 2023. Gravado em 2022.
Na vida existem muitas contingências pouco contingentes. Para conforto, o melhor é não relevar. É mais avisado respirar, sobretudo aspirar, eventualmente com máscara.
Agradeço a uma amiga a partilha desta canção da argentina Natalia Doco.
Giuseppe Arcimboldo. Uma alegoria do ar. Sem data (séc. XVI).
Este pôr-do-sol teve o condão de interromper um pensamento que me anda a perturbar. Como pode ser cativante o prelúdio da escuridão! Retomo a cogitação. Por paradoxal e estranha que se apresente a noção de democracia totalitária poderá tornar-se cada vez menos descabida e mais oportuna.
Há setenta anos, Jacob L. Talmon já cunhava a expressão no livro The Origins of Totalitarian Democracy (London: Secker & Warburg, vol. 1: 1952). Pouco antes, Bertrand de Jouvenel sustentava que a democracia encerra os germes do totalitarismo (Du pouvoir, Histoire naturelle de sa croissance, Paris, Hachette, 1972; 1ª ed. 1945). Propensão que Alexis de Tocqueville não tenha vislumbrado em meados do século XIX (L’Ancien et la Révolution, 1ª ed. 1856). Contentar-se, portanto, em aludir apenas à tentação “populista” talvez não seja suficiente.
Imagine! “Pergunto-me se consegue imaginá-lo” (John Lennon). Estou em crer que esta canção não pertence a este tempo. Receio que estejamos em vias de mergulhar suavemente numa forma de sociedade que os nossos bisavôs sofreram e contra a qual tanto lutaram. Segue a canção Imagine, de John Lennon, “o single mais vendido de sua carreira solo”.
John Lennon. Imagine. 1971. Remixed from the original multitracks in Stereo, 5.1 and Dolby Atmos. 2020.
Nas pinturas que Jacopo [Pontormo] tinha até então executado na capela, quase parecia ter regressado ao seu estilo inicial, mas não o fez na pintura do retábulo, que, a pensar em novas ideias, concluiu sem sombras e com uma coloração tão clara e harmoniosa que dificilmente se consegue distinguir a luz do que está parcialmente sombreado e o que está parcialmente sombreado das sombras. Esta pintura em painel contém um Cristo Morto deposto da cruz para ser conduzido para o túmulo; no quadro, Nossa Senhora desfalece, na presença das duas Marias, que são concebidas de uma forma tão diferente das primeiras que pintou que se vê claramente como este génio sempre investigou novos conceitos e formas extravagantes de trabalhar, nunca ficando satisfeito com nenhum. Em suma, a composição deste painel é completamente diferente das figuras da abóbada, e também a coloração (…) Na parede com a janela, estão duas figuras em afresco, ou seja, de um lado a Virgem e do outro o anjo que faz a anunciação, mas ambas estão torcidas ao jeito (…) da fantasia bizarra deste génio que nunca se contentava com nada suscetível de ser reconhecido. E para conseguir fazer as coisas à sua maneira, sem ser incomodado, nunca aceitou que ninguém, nem o próprio patrono, visse a obra enquanto a estava a pintar. E tendo-a, assim, pintado à sua maneira, sem que nenhum dos seus amigos lhe pudesse apontar nada, foi finalmente exposta e vista com espanto por toda Florença (Giorgio Vasari. “Jacopo da Pontormo”, The Lives of the Artists (1ª ed. 1550). New York. Oxford University Press. 1991. pp. 408-409).
O maneirismo, menosprezado durante séculos, resulta pouco conhecido. Trata-se, porém, de um dos estilos mais inovadores e ousados da história da arte. Sendo raras as publicações que lhe são consagradas, o vídeo Maniera – A Arte do Artista, uma amostra anotada de obras, representa um contributo, contanto modesto. O fundo musical é composto por folias, tipo de dança de origem portuguesa em voga no século XVI).
Acompanham o vídeo um apontamento, para contextualização, e uma galeria com uma seleção de imagens, para melhor visualização e eventual descarga.
Maniera: A Arte do Artista, por Albertino Gonçalves, julho de 2023
Faltou à conversa “Os Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo” (Braga, 27 de maio de 2023) uma apresentação genérica dedicada ao maneirismo, correspondente à que foi projetada para o surrealismo. Segue uma espécie de justificação autocrítica escrita no dia seguinte.
Ontem teve lugar a conversa “Antepassados do Surrealismo: o maneirismo”. Estavam previstos 60 minutos, durou 2 horas. Mais do que riqueza, este prolongamento revelou impreparação. Se tivesse ensaiado antes, teria cortado algumas partes e abreviado outras. A justeza, a fluidez e a naturalidade constroem-se, treinam-se e testam-se.
O que aconteceu? Uma notícia intempestiva corroeu a motivação: os jogos do F.C. Porto e do S.L. Benfica, em que se decidia o campeonato, foram remarcados coincidindo com a conversa. Manifesta-se difícil imaginar maior desvio de público. Este percalço irritou-me. É certo que a vida é feita de acidentes de percurso. Faltavam cinco dias e a divulgação já estava em curso. Sensível a contrariedades imponderadas, embirrei e bloqueei. Uma conversa não se justifica se não partilhar algo de original. Não é óbvio partilhar sem público. Acresce o combustível do prazer. Estavam em causa a partilha e o prazer.
Capaz de me entregar sem reservas a um desafio, também me desligo ao mínimo estorvo ou desagrado. A conversa ganhava naturalmente com uma seleção de imagens dedicada ao maneirismo em geral. Tarefa que pouco estimulante, releguei-a para o fim. Com o contratempo do futebol, se pouco me entusiasmava, deixou de o fazer. Amuei e passei a dispensar. Como pitada de indulgência, convenha-se que, atendendo à diversidade, complexidade e dificuldade de descodificação das obras maneiristas, uma mera projeção abreviada de uma dúzia de imagens arriscava revelar-se incipiente e, porventura, mais confusa do que esclarecedora. Quando o público acusou a falta dessa apresentação, a resposta foi imediata, desconcertante e honesta: talvez houvesse interesse, mas não vontade.
Em suma, procedi mal! Tanto a conversa como o público mereciam algumas horas de dedicação adicional. Nem sempre sou racional. Acontece-me ser improcedente, inconstante, caprichoso e casmurro. O público merecia, de facto, melhor. Apesar das circunstâncias adversas, marcou presença, resistindo à sereia da bola. Repito, merecia melhor, sobretudo menos quantidade e mais qualidade. Mas, pelos vistos, ainda queria mais!
Há males que vêm por bem! Atendendo à urgência, a apresentação a devido tempo sobre o maneirismo seria breve, pouco original e de pouco alcance, à semelhança, aliás, da dedicada ao surrealismo. Com um sentimento de culpa, acabei por encará-la como uma penitência; e o que era para despachar em cinco dias demorou quase quinze semanas. Creio que valeu a pena. Adiar pode compensar!
O toque de Midas dos novos media visa o mergulho experiencial noutros mundos, mais ou menos irreais, estampados eventualessmente em ecrãs. Entre as novas “varinhas mágicas” constam a realidade virtual, as exposições imersivas, como a Living Van Gogh na Alfândega do Porto (2023), e os videojogos FPS (First Person Shooter) como o Half Life (1998). Somos convidados a participar em universos audiovisuais ou multissensoriais (com alterações e estímulos olfativos, táteis, térmicos), de um modo estático (sentados face a um ecrã fixo) ou dinâmico, como nos simuladores do Pavilhão da Realidade Virtual durante a Expo 98, porventura em interação, com o crescente e cada vez mais sofisticado auxílio de interfaces, luvas digitais, óculos estereoscópicos e capacetes de imersão. Em todos os casos, aventuramo-nos a sentir, experienciar, como reais situações ou ações irreais.
Projeção (foto de Álvaro Domingues)Absorção (foto de Álvaro Domingues)
O mergulho na irrealidade pode processar-se segundo dois movimentos aparentemente inversos: a projeção e o envolvimento. Por um lado, sintonizamo-nos ou identificamo-nos com elementos do universo proposto: pessoas, humanóides, animais, animações ou objetos. Quanto maior for a semelhança mais fácil a identificação? Nem sempre. O contraste pode favorecer a “simpatia”. Atente-se em figuras como o E.T., o Shrek ou o WALL-E. Por outro lado, o universo proposto interpela-nos, cativa-nos e envolve-nos. No primeiro caso, na projeção, ocorre um efeito banheira; no segundo, no envolvimento, um efeito chuveiro. Frequentemente, projeção e absorção conjugam-se num reforço mútuo (o anúncio Cowboy, da Solo Soda, ilustra este entrelaçamento).
Marca: Solo Soda. Título: Cowboy. Agência: DMB&B. Direção: Les Roenberg. Noruega, 1999
Vem este resumo a propósito da campanha publicitária inaugurada esta semana pela empresa da Singapura Prism+. No primeiro anúncio, As close as you can get to the concert, mais próximo do “efeito chuveiro”, uma velhinha é arrebatada por uma estrela rock (releve-se o contraste entre as duas personagens); no segundo, As close as you can get to the cooking, mais próximo do “efeito banheira”, um telespetador identifica-se com um perú em vias de ser cozinhado; por último, no terceiro, As close as you can get to the drama, o mais próximo da interação, do duplo efeito de projeção e envolvimento, um casal participa como vítima numa cena de tortura. Ousadia e criatividade a desafiar os limites!
Marca: Prism+ (Q Series Qe Google TV. Título: As close as you can get to the concert. Agência: MullenLowe Singapore. Direção: Khun ‘Un’. Singapura, agosto 2023
Marca: Prism+ (Q Series Qe Google TV. Título: As close as you can get to the cooking. Agência: MullenLowe Singapore. Direção: Khun ‘Un’. Singapura, agosto 2023
Marca: Prism+ (Q Series Qe Google TV. Título: As close as you can get to the drama. Agência: MullenLowe Singapore. Direção: Khun ‘Un’. Singapura, agosto 2023