Pintar o campesinato: Jean-François Millet.
Na disciplina de Sociologia da Arte, estamos a dar os impressionistas, com recurso a um docudrama da BBC (The Impressionists, 2006). Conjugar o passado no “futuro anterior” é uma tentação. Apostar no que interessa é outra. Ambas constituem uma forma de cegueira. A abertura e a dispersão são mais do que uma distracção. A focagem apaga mais do que ilumina. E, no entanto, cada momento histórico encerra uma riqueza inesgotável.
Para Ernst Bloch, a investigação não se pode cingir ao que existiu, importa convocar também o que poderia ter acontecido, embora não se tivesse concretizado. Se a história está repleta de impossíveis realizados, ainda mais apinhada está de possíveis por realizar. A floresta não tem só caminhos e clareiras. Mas a bússola tende a reter do passado apenas aquilo que desagua no presente, resumindo-o, de preferência, em poucas palavras. E, no entanto, para aprender a humanidade toda a humanidade é pouca. Pelos vistos, acabaram as grandes narrativas… Sobram as grandes palavras: pós-modernidade; hiper modernidade, pós-humanidade, hiper realidade, hiper pós… Uma procissão que teima em não se aventurar por entre as árvores da floresta. Esta pedagogia do caminho batido e do olhar filtrado conforta a ilusão de que o presente é uma espécie de bacia da história da humanidade.
Em França, na segunda metade do século XIX, para além dos academistas e dos impressionistas, houve outros artistas envolvidos na disputa em torno do que devia ser a arte. Dentro e fora da Académie Royale de Peinture et de Sculpture. Fora, abriram caminho, entre outros, o realismo (e.g. Jean-François Millet e Gustave Courbet) e o simbolismo (e.g. Gustave Moreau e Odilon Redon).
Jean-François Millet (1814-1875), francês, filho de camponeses, precursor e referência do realismo, fundador da Escola de Barbizon, frequenta vários cursos de pintura graças a uma sucessão de bolsas. Ao dedicar-se, com estilo próprio, à pintura de camponeses humildes, afasta-se claramente do estilo académico: “Le style académique ne pousse pas tant les artistes à trouver leur propre style qu’à se rapprocher d’un idéal qui repose sur quelques principes; simplicité, grandeur, harmonie et pureté” (http://www.mutinerie.org/les-lieux-de-travail-qui-ont-change-lhistoire-3-les-ateliers-dartistes/#.Uwfb4fl_tih). No quadro As Espigadoras, 1857, retrata as camadas mais baixas da sociedade: três mulheres camponesas rebuscam grãos de trigo após a colheita.
Millet teve influência nos pintores impressionistas, nomeadamente Van Gogh, que retoma algumas cenas. Por outro lado, Salvador Dali não só retoma O Angelus (1857–59), como lhe dedica um livro: Le Mythe Tragique de l’Angélus de Millet, 1ª ed. 1938, Paris, Allia Editions, 2011.
Na sociologia, Pierre Bourdieu faz várias alusões a Millet e Jean-Claude Chamboredon, co-autor de Le Métier de Sociologue, escreveu um artigo sobre Millet: “Peinture des rapports sociaux et l’invention de l’éternel paysan: les deux manières de Jean-François Millet”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº17-18, 1977, pp. 6-29.
- Jean-Françlois Millet. L’église de Gréville (Manche). 1871-74
- Jean-François Millet. A Fiandeira. 1868-69.
- Jean-François Millet. As Respigadoras. 1857.
- Jean-François Millet. Buckwheat Harvest Summer. 1868-74.
- Jean-François Millet. Ceifeiros Descansando. 1853
- Jean-Francois Millet. Dandelions. 1867-68.
- ean-François Millet. Descanço ao meio dia. 1866.
- Van Gogh. A Sesta. 1890
- Jean-François Millet. Duas banhistas. 1848.
- Jean-François Millet. Fisherman. 1869-1870.
- Jean-François Millet. Haystacks-Autumn. 1874.
- Jean-François Millet. Hunting Birds at Night. 1874.
- Jean-Francois Millet. La Mort et le bûcheron. 1859
- Jean-François Millet. Man with a hoe. 1860-62
- Jean-François Millet. Prieuré de Vauville, Normandie. 1873
- Jean-François Millet. Reclining Female Nude. 1844-45
- Jean-François Millet. the gust of wind. 1871-73
- Jean-François Millet. The Temptation of St Anthony. 1846
- Jean-François Millet. The Winnower. 1866-68.
- Jean-François Millet. The Angelus, 1857-1859.
- Salvador Dali.The Angelus. 1935.
- Jean-François Millet. O Semeador. 1850.
- Jean-François Millet. O Semeador. 1850. Pormenor
- O Semeador. Millet. Van Gogh
- Millet. Two Men Turning Over the Soil 1866. Van Gogh. Two Peasants Digging. 1889.
- Jean-François Millet. The Winnower. 1866-68.
Esplêndido estudo comparativo! Gostei, – “bacia da história da humanidade”, e das hiperpalavras, (complexas e indefinidas), hiper!