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Filhos do Tempo: O Culto dos Mortos

Le temps passe et la mort vient (provérbio francês)

Hermanos Gutiérrez. Hijos del Sol. 2020

O Dia dos Fiéis Defuntos, dos Finados ou dos Mortos é amanhã, 2 de novembro, mas é hoje, Dia de Todos os Santos, que ocorre a maior afluência aos cemitérios. Provavelmente por virtude do feriado. A celebração é particularmente fervorosa no México, país onde a relação, a “comunhão”, com os familiares e amigos antepassados é experienciada, convivial, ao mesmo tempo, íntima e expressiva.

A origem dos Hermanos Gutiérrez, Alejandro e Estevan, não é mexicana: residentes em Zurique, a mãe é equatoriana e o pai suíço. Não obstante, assumem o México como referência. Uma viagem ao país, em fevereiro de 2020, “fue como ir a casa”. O álbum Hijos del Sol, estreado em setembro de 2020, inspira-se nos lugares e nas memórias do México. Foi precedido por uma curta-metragem de oito minutos realizada por Fernando Guisa… Incluindo quatro músicas, visa “desmitificar lo fatal de la muerte”.

Pelo tema, pela música, pela fotografia e, sobretudo, pela delicadeza, reservei o filme Hijos del Sol para comemorar este Dia no Tendências do Imaginário. Um gesto singelo em jeito de oração.

Hermanos Gutiérres. Hijos des Sol. Vídeo oficial, dirigido por Fernando Guisa. Agosto 2020

Antepassados do surrealismo: o maneirismo (vídeo da conversa)

Após quatro meses de esforços e contratempos, o vídeo com a conversa Os antepassados do surrealismo: os maneiristas está disponível na Internet. Exigiu tanta dedicação que se tornou numa das minhas rosas. Não ouso convidar a assistir às quase duas horas. Quando muito, um breve relance, de preferência a uma das seis apresentações incorporadas. Sei que todos andam ocupados a cuidar de outros jardins.

O vídeo ganha em ser visualizado em alta resolução (1980p).

Antepassados do surrealismo: o maneirismo, por Albertino Gonçalves. Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, em Braga, 27 de maio de 2023.

A universidade sofreu uma viragem no crepúsculo do segundo milénio. Os novos modos e as novas metas dos circuitos académicos não condizem nem com a minha formação nem com a minha vocação. Entre outros aspetos, incomoda-me ter que pedir, senão pagar, a estranhos para publicar. Nesses termos, perdi o interesse em publicar. Continuei a escrever mas relatórios de investigação/ação ou por convite, sem esquecer os apontamentos no blogue Tendências do Imaginário, um monstro híbrido de cultura e lazer, criado em 2011.

Não deixei, contudo, de investigar. Pelo contrário. Gosto de comunicar e ensinar, mas prefiro descobrir e aprender. A vida é um bom mestre. Ensinou-me, entretanto, que sou mortal. Tomei consciência de que boa parte dos conhecimentos que fui amealhando, dispersos em discos digitais, arriscam desparecer comigo. Pequeno ou grande, trata-se de um desperdício.

Capacitei-me da responsabilidade de cuidar da partilha. Optei, quase exclusivamente, por duas vias (alternativas aos blogues Tendências do Imaginário e Margens): a publicação de livros e a comunicação oral. Os livros são obras de Santa Engrácia. As comunicações costumo não as repetir, nem sequer as apresentações de livros. Em suma, grande vontade mas parcos os meios: para cada assunto, uma única comunicação, num dado local e data, perante um público reduzido. A passagem de testemunho reduz-se, portanto, a um momento pouco participado.

Posso não aderir a todas as mudanças, mas não me estimo retrógrado. Procuro aproveitar as novas tecnologias, designadamente, de informação e comunicação, que proporcionam um arremedo de solução para o afunilamento da partilha: filmar as conversas e disponibilizá-las na Internet. Assim sucedeu com  as conversas O Olhar de Deus na Cruz: o Cristo Estrábico (29-11-2022) e Vestir os Nus: Censura e Destruição da Arte (18-02-2023), embora com insuficiente qualidade. Com um pouco mais de profissionalismo, resultou mais cuidado o registo desta última conversa.

Destino

Destino é uma curta-metragem animada da Disney estreada em 2003. Foi, no entanto, concebida por Walt Disney e Salvador Dalí. Vídeo fabuloso de inspiração surrealista, a sua projeção abriu a conversa Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo. Estando em curso a montagem do vídeo da conferência, a sua incorporação no Tendências do Imaginário resulta oportuna. Fica, de algum modo, arquivada.

Destino. Curta-metragem. Estúdios Walt Disney. 2003. Animação concebida por Walt Disney e Salvador Dalí em 1945

Horror de Verão

Ornamento em forma de cabeça de Medusa. Séc. I d.C.

Onde não há imaginação não há horror (Arthur Conan Doyle)

Sorry for scaring you! Eis a escusa, uma cativante maldade, enunciada por alguns anúncios recentes. Encenam paródias de filmes, por sinal com muita conversa. Há poucos anos, a presença da palavra resultava escassa. Apostava-se mais na imagem. A palavra, escrita ou oral, tende a conquistar protagonismo. Fala-se bastante. Qual a razão? Reação pós-Covide? Efeito da facilitação técnica da comunicação interpessoal? Humanização, naturalização ou aproximação aos públicos? Não sei! Porventura outro motivo qualquer. Estes três anúncios proporcionam três tipos de terror: ”Maldição” (papel higiénico que transforma as sanitas em monstros); “Medusa” (telemóvel cuja visão é fatal); “Sobrenatural” (aparição de um avatar da Regan do filme O Exorcista).

Marca: Scott Toilet Paper. Título: The Clogging. Agência: VaynerMedia. Direção: Chioke Nassor. USA, agosto 2023
Marca: Samsung Galaxy. Título: Join the flip side. Season 2. Agência: Wieden + Kennedy, Amsterdam. Direção: Mathias Nordli Eriksen. Países Baixos, julho 2023
Marca: Regal Cinemas. Título: Pool. Agência: Quality Meats. Direção: Andy Richter. USA, agosto 2023

Telegrama

Telegrama para o John, distante no Canadá. Guitarra com guitarra… Obsessed In Search of Lost Time.

Com João Gigante, Álvaro Domingues e Daniel Maciel no lançamento do livro Quem somos os que aqui estamos – Castro Laboreiro e Lamas de Mouro, durante o MDOC (Melgaço International Documentary Film Festival), 31 de julho de 2023

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Jacob Gurevitsch. Obsessed. Lovers in Paris. 2015
Jacob Gurevitsch. In Search of Lost Time. In Search of Lost Time. 2019
Jacob Gurevitsch. Lovers in Paris. Lovers in Paris. 2015

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John Ferreira. Solo da Música Em Todo o Tempo

Sensibilidade

Quando as palavras não sonham, as notícias não prestam, a música não dança, as pessoas não se abraçam, as sombras não se escondem, os minutos não passam e o depois não chega… segue os pássaros ou bebe um anúncio bem cheio, sem gelo, do Bruno Aveillan. Perde-te em Nova Iorque ou descobre AluLa. Sente! Sente os rostos, as mãos, os objetos e o que mais se oferecer.

Marca: Tiffany & Co. Título: Love (in) New York (Fashion Film). Agência: Ogilvy NY. Direção: Bruno Aveillan. 2022
AluLa, The World’s Masterpiece. UNESCO World Heritage Site. Agência: Leo Burnett KSA, Riyadh. Produção: QuadDireção: Bruno Aveillan. Arábia Saudita, 2021

Música lenta

Les sanglots longs des violons de l’automne blessent mon coeur d”une langueur monotone.(Paul Verlaine)

Afinal, no programa “A Voz do Cidadão” de hoje foi só questão das RTP Açores e Madeira. Precipitei-me. Se houver algo aproveitável, passará quando passar. Mais do que a conferência “Vestir os Nus”, esta entrevista à RTP1 teve o condão de entreabrir um postigo mais fechado do que aberto. Algumas músicas de filmes tidos como eróticos tiveram o seu momento de celebridade. Destaca-se Emmanuelle, composta, tal como Bilitis e Love Story, por Francis Lai. Uma outra também se aproximou: a banda sonora do filme de culto do género, Histoire d’O (1975), composta por Pierre Bachelet. Das 14 faixas, retenho 4. Depois do tango, o slow.

Histoire d’O, do filme Histoire d’O. Compositor: Pierre Bachelet. 1975
O’ Et Le Chateau de Roissy, do filme Histoire d’O. Compositor: Pierre Bachelet. 1975
Tout celà est pour toi, do filme Histoire d’O. Compositor: Pierre Bachelet. 1975
O’ Comme Histoire d’O, do filme  Histoire d’O. Compositor: Pierre Bachelet. 1975

Ninfas

“A zona mais erótica é a imaginação” (Vivienne Westwood)

Acabei de ser entrevistado sobre “o nu na sociedade contemporânea”. A ver o que dá! Para quem tiver curiosidade, a transmissão ocorrerá no programa A Voz do Cidadão, da RTP1, sábado às 14 horas. Proporcionou-se uma breve alusão, como exemplo do erotismo pretensamente artístico no cinema dos anos setenta, ao realizador, fotógrafo e escritor David Hamilton. Filmes, tais como Laura, les ombres de l’été (1979) e Bilitis (1977), obtiveram, a seu tempo, um sucesso apreciável, sendo, inclusivamente, estimados obras de culto. A sua lente, “esfumada”, convoca, a raiar a obsessão, mulheres adolescentes, “ninfas”.

Nascido em Londres em 1933, suicidou-se, supostamente, em 2016 em Paris. Até aos últimos anos de vida, foi alvo de várias acusações de abusos sexuais. Filmes, livros e fotografias foram, aliás, proibidos em alguns países.

Autodidacta, iniciou a sua carreira de fotógrafo já depois dos 30 anos, trabalhando para revistas de moda – e vendo o seu trabalho chegar a publicações como a Vogue ou a Photo.

O facto de eleger como “objecto” da sua câmara jovens adolescentes, ninfas virginais que fotografava em poses sensuais e eróticas, sempre com um filtro brumoso e em décors que deviam algo ao imaginário hippie, entre camas e prados floridos, elevaram-no a ícone da fotografia mundial. Passou inclusivamente a falar-se de um “estilo hamiltoniano” para classificar esta estética fotográfica – que Hamilton viria também a explorar no cinema, realizando meia dúzia de filmes entre 1975 e 1983, o mais citado dos quais é Bilitis (1977).

Simultaneamente, houve quem se indignasse e o acusasse de pornografia – e países como a África do Sul, por exemplo, censuraram os seus álbuns. As suas fotografias foram muitas vezes colocadas no centro do debate sobre as fronteiras entre a arte e a pornografia. (Público. Ípsilon. “Morreu David Hamilton, o polémico fotógrafo das “ninfas””,  26 de Novembro de 2016: https://www.publico.pt/2016/11/26/culturaipsilon/noticia/morreu-david-hamilton-o-polemico-fotografo-das-ninfas-1752784)

Recordo ter assistido ao filme Bilitis, em Montparnasse, na companhia de um amigo, por sinal, jesuíta! Provavelmente, poucos terão ouvido falar de David Hamilton e ainda menos visto os seus filmes. Em contrapartida, a música do filme, composta por Francis Lai, creio ser bastante conhecida. Seguem um trailer e a banda sonora do filme Bilitis.

Bilitis (trailer). Realizador: David Hamilton. 1977
Bilitis. Música do filme, de David Hamilton, composta por Francis Lai. 1977

Podia ser pior!

A Vaca e o Prisioneiro (1959)

Para uma noite de insónia

Meu avô contava-me a seguinte anedota:

Um minhoto e um galego estavam entusiasmados numa espécie de conversa ao desafio.

  • Unha cabra golpeo cos cornos unha muller que pasaba polo camiño.
  • Podia ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se em vez de uma cabra fosse um rinoceronte.
  • Unha procesión pasaba pola liña e un tren chega a toda velocidade…
  • Podia ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se o comboio, em vez de vir de frente, viesse de lado, atravessado.
  • Onte, Francisco estivo con María, chegou o seu marido e apuñalouno por todas partes.
  • Podia ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se fosse uma hora antes, não teria sido o Francisco, teria sido eu.

Vem esta anedota a propósito do último anúncio da Levi’s em que um homem troca a vaca por umas calças. Segundo as conveniências contemporâneas, podia ser pior.

  • Como podia ser pior?
  • Se en lugar dunha vaca, era unha muller.
  • Tens razão. Mas podia ainda ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se no lugar de uma vaca, fosse uma criança.

De inconveniência em inconveniência, por aí adiante…

Marca: Levi’s. Título: Fair Exchange. Agência: Droga5, New York. Direção: Martin de Thurah. USA, fevereiro 2023

A caminhada do homem com a vaca trouxe-me à memória um filme bem-disposto de Henri Verneuil: La vache et le prisonnier (1959), com Fernandel. Seguem o trailer, a banda sonora e as ligações para o filme (dividido em três partes).

Trailer do filme La vache et le prisonnier (1959)
Banda sonora do filme La vache et le prisonnier (1959)

La vache et le prisonnier (primeira parte): https://gloria.tv/post/wLaTA7bRYzhr4UCiDfgixsame#25

La vache et le prisonnier (segunda parte): https://gloria.tv/post/R8nxZNx9ViJY1f4XLWnx8k3FY#5

La vache et le prisonnier (terceira parte): https://gloria.tv/post/JR4Wyu7Jkmgx4gHAK8uKbEQyu#5

Queima-santos

Alumiada a São Tomé. Penso. Melgaço. 20.12.2022

Ontem à noite vi o filme Diamantino (2018), de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, que uma colega amiga, a Isabel Macedo, teve a gentileza de me proporcionar. Mais um caso em que o humor e a fantasia se insinuam como via de acesso à realidade! Quase premonitório.

No rescaldo do Mundial de Katar, surpreendi-me a cogitar sobre o poder do pontapé. Um único pontapé é capaz de consagrar ou humilhar, de promover um jogador, ou uma equipa, a herói divino ou reduzi-lo a figurante desgraçado. No Mundial, foram muitos, demasiados, os jogos decididos por desempate por grandes penalidades. Até a final! Manifesta-se assombroso o alcance planetário de um simples pontapé! Pontapé na bola; pontapé no mundo! Resulta resplendor ou apagamento, anjo ou besta. Fenómeno pouco lógico, porventura mágico-religioso. Em verdade vos digo, a sensatez humana não vale um tostão.

Diamantino. Trailer oficial. Direção: Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt. Portugal, 2018

Eutirox é um medicamento incómodo. Tomado de manhã em jejum, convém aguardar meia hora até ao pequeno almoço. No intervalo, acontece recostar-me a ouvir música e voltar a adormecer. Momento propício a sonhos que o acordar costuma recordar.

Diamantino. Excerto. Cannes 2018

Hoje, em sonho, regressei à infância, irritado com a nomeada de queima-santos atribuída aos residentes de Prado (São Lourenço), minha terra natal. Desviado o olhar para o mapa, os limites da freguesia começam a expandir-se até coincidir com o País, Portugal (Santa Maria), agora travestido de “mátria” de queima-santos! Novo salto até à Alumiada a S. Tomé, na freguesia de Penso, em Melgaço. Fachos de palha de centeio incendeiam a noite (ver vídeo 3). Os participantes acabam por se juntar numa fogueira colossal (vídeo). Mas, em vez de São Tomé, aparecem São Cristiano e São Fernando, consumidos pelas chamas como o boneco, também de palha, do “entroido” de Castro Laboreiro. Tomados por uma fé avessa a falhas (pecados? traições?), atentos aos profetas da comunicação social, os queima-santos sentam-se à volta da fogueira, à espera de novas epifanias, novos êxtases e novas santificações.

Acordei envergonhado com o meu subconsciente.

Freguesia de Penso alumia a São Tomé e cumpre tradição antiga | Altominho TV. 21.12.2022

Há vinte anos escrevi um artigo dedicado ao futebol. Desde então muita água correu; o texto permaneceu enxuto. Permito-me recolocá-lo.