O Homem sem Qualidades e a Banalidade do Mal
O primeiro de abril também é dia de persistir na aproximação da verdade.

“O problema com um criminoso nazista como Eichmann é que ele insistia em renunciar a qualquer traço pessoal. Como se não tivesse sobrado ninguém para ser punido ou perdoado. Repetidas vezes ele protestava rebatendo as questões da promotoria dizendo que não tinha feito nada por iniciativa própria. Que jamais fizera algo premeditadamente para o bem ou para o mal. Apenas cumprira ordens. Esta desculpa típica dos nazistas torna claro que o maior mal do mundo é o mal perpetrado por ninguém. Males cometidos por homens sem qualquer motivo, sem convicção, sem razão maligna ou intenções demoníacas. Mas seres humanos que se recusam a ser pessoas. E é este fenómeno que eu chamei a ‘banalidade do mal’ (Hannah Arendt).
Os sinos da consciência
O nu desapareceu praticamente da publicidade. O grotesco resiste. Os anúncios de consciencialização e sensibilização social proliferam. Oferecem-se como uma marca distintiva da nossa era. Visam interpelar e mobilizar os cidadãos, pelo pensamento, pelo sentimento e pela imagem, para problemas, causas e movimento de uma extrema diversidade quanto às origens, modalidades e finalidades. Segue uma mistura de exemplos recentes.
A Origem de Tudo

O anúncio brasileiro A Origem de Tudo, para a exposição Show Rural Coopavel, ilustra à saciedade um provérbio elementar: “Tudo vem da terra e a ela retorna” [eventualmente, intragável].
Aconselho o artigo Atribulações das Almas: https://margens.blog/2023/01/15/atribulacoes-das-almas-em-transito/
Amor de filho

Dispõe de seis minutos para comover o coração e expor a consciência? Promovida por uma cadeia de distribuição tailandesa, C.P. Group, esta curta metragem sobre o cuidado dedicado a uma mãe vítima de Alzheimer talvez configure uma boa oportunidade.
Anúncio quase perfeito

De qualquer ângulo, o anúncio “She/Abuelo”, da J&B Spain, é quase perfeito. Só não é perfeito porque a perfeição não existe.
Magia: A Fisioterapia e a Vida

O anúncio “Caring Makes Magic”, do Centro Médico Montefiore, de Nova Iorque, sensibiliza. Convoca duas histórias, que acabam por se cruzar no final de uma forma desconcertante mas eloquente, com protagonistas que vivem em dois mundos, sem se saber qual o mais real e o mais fantástico.
Physical therapy is often a slow process, but the rewards are powerful. In this year’s holiday spot, Montefiore Einstein shows the recovery of a toy store owner, how it impacts his life and many others – real and imagined.
Dual plotlines depict the sleepless nights and pain that a store owner has to endure, juxtaposed against characters atrophying in a holiday display within the man’s toy shop window. One boy complains: “My skates don’t work.” A vendor says there are “No cookies. No nothing.” Without the store owner, they are lost.
After pushing himself to recover and bonding with his physical therapist, we see our hero running up the stairs and, soon, back at his store. There, he brings the village back to life. Soon skates and sleds work. The fire at the roasted chestnuts stand ignites. Even the chestnut vendor’s hair grows back (…)
We see the store owner happily driving the train through his toy village and find the boy who had lived in the display suddenly outside the store window. Sound confusing? It kind of is, but it certainly gives us something to think about and a reason to watch again.
In the end, the key message – that “caring makes magic” – is driven home quite poetically (Kenneth Hein. Nearly three minutes of holiday delight offer dual story lines and one important message. The Drum: https://www.thedrum.com/news/2022/12/05/us-ad-the-day-montefiore-einstein-shows-the-power-healing-and-the-holidays).
Falar com imagens

Quer-me parecer que os orientais possuem o dom da argumentação com imagens. E não com quaisquer imagens! Com imagens fantásticas e delirantes. Convocam imaginários absurdos e logram um efeito mais consequente e convincente do que a própria realidade do real. As campanhas de sensibilização da Thai Health Promotion Foundation são um bom exemplo.
Ligações insuspeitas

Agraciado com vários prémios, o anúncio dinamarquês All That We Share – Connected, da TV 2, tem um cariz sentimental, eventualmente patético. O simulacro proposto tem, no entanto, a virtude de apontar para uma realidade: a probabilidade de ocorrência de conexões ou laços sociais improváveis. Perante uma pessoa estranha, que tudo parece separar, não é despropositado apostar que algo nos pode unir. O Tendências do Imaginário já contempla um anúncio congénere, de 2017, da TV 2 que incide, nesse caso, sobre as afinidades improváveis (ver A passerelle Electrónica: https://wordpress.com/post/tendimag.com/41377).