ADN e relações internacionais

Como sublinhava Claude Lévi-Strauss (L’Identité, 1977), a identidade forja-se face aos outros. Frequentemente, é conflitual (Georges Balandier, Sens et Puissance, 1971). A relação entre o México e os Estados-Unidos tem sido problemática. Os anúncios da AeroMexico comprovam-no. Quando os teus vizinhos são preconceituosos, aproxima-os e dá-lhes um desconto (vídeo1). Quando são uma ameaça, firma posição e denuncia (vídeo 2). Dois anúncios geniais.
Simulacro de pensamento

Durante as férias, passo os dias na varanda, a fumar. Dá para observar os transeuntes. Alguns param, como quem escorrega, em frente à casa do António Pedro. Que fotografam os telemóveis? Uma placa de homenagem. E seguem caminho, entregando-se a um novo ofício: o turismo. A fumar, preparo as aulas. Por exemplo, sobre as noções de extensão do homem, de Marshall McLuhan (Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem, 1964), e de reificação, de Georg Lukács (História e Consciência de Classe, 1923) a Herbert Marcuse (O Homem Unidimensional, 1964). O telemóvel/câmara é uma mediação entre o ser humano e a realidade envolvente. Um terceiro olho junto ao corpo. Capacita-nos para o que nos é impossível. Numa situação limite, quem é, afinal, a extensão e quem é o sujeito, o extenso? Quem influencia quem? A extensão pode adquirir “vida” e efeitos próprios como os objectos de E.T.A. Hoffman (O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos, 1816) ou a mercadoria de Karl Marx (O Capital, Livro I, 1867). É um tópico corrente na ficção científica. O telemóvel/câmara é uma extensão do homem que interfere na sua relação com a realidade. Os postais ilustrados provocaram, no início do século XX, uma “postalização da experiência” (Martins, Moisés de Lemos (dir.), 2017, Os postais ilustrados na vida da comunidade, CECS). As paisagens, as cidades e as pessoas passam a enquadrar-se à luz do formato postal. Nunca, como hoje, a vida se aproximou tanto de um álbum de fotografias. “Mosaicos”! Dia a dia, dose a dose. O Facebook não engana!
Os teóricos da reificação, incluindo os sociólogos da Escola de Francoforte, nomeadamente Theodor W. Adorno (com Max Horkheimer, Dialéctica do Esclarecimento, 1944) e Jurgen Habermas (Técnica e Ciência como “Ideologia”, 1968), não se fariam rogados a falar, neste caso, em fetichismo. O turista tira uma fotografia à placa comemorativa na casa de António Pedro. Uma câmara, uma extensão do homem, capta uma placa comemorativa, uma inscrição do homem. Tudo se passa como se acção se processasse entre objectos que estão à superfície e no exterior do homem. Estamos num mundo de coisas, em que uma coisa, a mediação, a câmara, substitui o sujeito e outra coisa, a placa comemorativa, se sobrepõe ao todo, subsume a casa e o António Pedro. Eis a dança da reificação. A acção do turista resume-se a uma câmara e a uma placa. O resto são suportes.
Imaginemos! A imaginar aprende-se. Passam pessoas a falar ao telemóvel. Algumas gesticulam. Como se estivessem sob o olhar do interlocutor. Por quê? Por histerese do habitus, diria Pierre Bourdieu (Meditações Pascalianas, 1997). Habituadas à comunicação não-verbal na interacção presencial, as pessoas utilizam-na a propósito e a despropósito. O que é a histerese? Na Física, “a histerese é a tendência de um sistema de conservar suas propriedades na ausência de um estímulo que as gerou”. Por exemplo, quando alguém, como a “Maria Papoila” (1937), migra do campo para a cidade. Por um tempo, reage na cidade como se estivesse no campo. Admito que a gesticulação ao telemóvel não é uma histerese canónica. Pierre Bourdieu não a validaria. Mas um exemplo não precisa de ser verdadeiro para ser pedagógico. Imaginado ou não, este exemplo comporta falhas. A gesticulação ao telemóvel pode remeter mais para um automatismo do que para uma incongruência. Fale o que falar, como e com quem, a pessoa entrega-se a uma “coreografia” que lhe é natural. Acresce que a gesticulação pode relevar mais da esfera da emissão do que da esfera da recepção. Os gestos podem ser mais úteis ao emissor, para autogerir, por exemplo, emoções, do que ao destinatário. A linguagem corporal não é um complemento, faz parte da linguagem como um todo. Pierre Bourdieu teria razão, a gesticulação ao telemóvel pode não relevar de uma histerese do habitus. Para coroar este simulacro de pensamento, convenha-se que é raro as pessoas gesticularem enquanto falam ao telemóvel.
De qualquer modo, imaginar é importante. A maioria das descobertas científicas passa por fases decisivas de imaginação. No ranking dos livros de sociologia mais influentes no século XX, A Imaginação Sociológica (1959), de Charles Wright Mills, ocupa o 2º lugar. O livro de Martin Jay sobre a Escola de Francoforte tem o título A Imaginação Dialéctica (1973). A imaginação dialógica (1975) é o título de um livro de Mikhail Bakhtin.
Este texto é intragável. Começa barroco e acaba maneirista. É um desfile de autores. Ou se escreve um texto ou se faz uma vénia. É louvável subir aos ombros de um gigante, já não o é arrastar-se aos seus pés. Este texto é pedante? Não, pedante é quem o escreveu.
01. Marshall McLuhan 02. Georg Lukács 03. Herbert Marcuse 04. E.T.A. Hoffmann 05. Karl Marx 06. Moisés de Lemos Martins 07. Theodor W. Adorno 08. Jurgen Habermas 09. António Pedro 10. Pierre Bourdieu 11. Charles Wright Mills 12. Martin Jay 13. Mikhail Bakhtin
A coca, Amarante e Monção
Amadeo de Souza Cardoso. A procissão do Corpus Christi. 1913. A mascote doméstica. Coca. APPACDM. Monção.
O poder autárquico democrático é filho da Revolução. As autarquias conhecem a importância da cultura e da comunicação. Não me admiraria se, no conjunto, se destacassem como o principal agente cultural do País. Cuidado, iniciativa e perseverança. Por exemplo, na criação e divulgação de vídeos sobre realidades locais. Na Internet, como é natural. Curiosamente, ambos os concelhos, Amarante e Monção, partilham a tradição da coca, um monstro milenário, ambíguo, que desassossega o Corpo de Deus.
Fernando e Albertino
Quando a fotografia é boa
Quando a fotografia e o tema valem a pena, temos um espectáculo a dobrar. Seguem três fotografias de Castro Laboreiro: a primeira, panorâmica, contempla a vila; as restantes incidem sobre a mesma paisagem: as cascatas do rio Laboreiro, com e sem neve. De fazer inveja aos cenários do Senhor dos Anéis.



Telemóveis

No filme Countdown, uma aplicação de telemóvel alerta as pessoas para o tempo que lhes resta de vida (ver trailer). O telemóvel é, deste modo, associado à ameaça e à morte. Não é o único vídeo em que o telemóvel possui uma aura fúnebre. Nos anúncios The Afterlife Bar, da Transport Accident Commission Victoria (2019: https://tendimag.com/2019/08/13/um-bar-do-outro-mundo/) e nos dois anúncios da AT&T, The Face of Distracted Driving (2018: https://tendimag.com/2018/05/28/o-discurso-do-morto/) e The Unseen (2016: https://tendimag.com/2016/09/12/distracao-fatal/), os falecidos contam como encontraram a morte devido ao abuso do telemóvel.
À perdição opõe-se à salvação. Nada de espantar! Como repete Moisés Martins, citando o poeta Holdërlin, “Lá onde está o perigo também cresce o que salva”. Do drama, saltamos para a apologia. O telemóvel Good Vibes app, do anúncio Caring for the Impossible, permite aos cegos, surdos e mudos comunicar. A espanhola Claro consegue, no anúncio Qué le dirías (https://tendimag.com/2014/12/22/telemovel-magico-novo-conto-de-natal/), conectar, graças ao telemóvel, familiares e amigos que não se encontravam há décadas. E, assim, de prodígio em prodígio.
Para além do drama e da apologia, existem outros estilos de anúncios com telemóveis. Por exemplo, a ironia, o humor e a fábula. A série de anúncios Les Dumas, da Bouygues Telecom, aposta no humor e na ironia. Nem drama, nem apologia, mas dentro e fora, com focagem variável e palavras que lembram Prévert. Os anúncios Les Dumas estrearam em 2012. O mesmo humor e a mesma ironia percorrem o anúncio Phone History, da Three (2018: https://tendimag.com/2018/10/21/parada-de-mitos/).
Existem anúncios de telemóveis que são fabulosos. Polissémicos e com várias camadas de leitura. A estetização é cuidada. Imagens de sonho. Acresce a polissemia. Perfila-se uma ambiguidade nos cenários e nos comportamentos, que propicia uma espécie de currículo oculto. Os episódios do anúncio Real people, Real vacations, da Motorola, convoca pessoas absortas ao telemóvel nos locais mais maravilhosos e interessantes do planeta. Pressupõe-se que passam as férias mais atentos aos telemóveis do que aos locais que visitam. Que efeito produz este anúncio no público. As imagens, verdadeiras protagonistas, são esteticamente fantásticas. O alheamento das pessoas constitui uma nota de humor. Beleza e humor geram boa disposição, face a quem? Face à Motorola. Navegamos nas águas da fábula e da ilusão.
Balada marítima. Dormir com as ondas


“Dorme menino
Que aí vem o papão
Comer meninos
Que não dormem, não
(Balada popular, excerto)
No inverno, o mar continua a molhar a areia. Frente à praia, há quem dispense sair do carro. Ajusta-se o assento e toca a dormir. Uma soneca balnear. Junto ao paredão, proliferam os adeptos do sonho ao ar livre. O murmúrio das ondas embala e a humidade do ar descongestiona. Não é mas parece uma nova religião. Perdoem-me, mas vem-me à memória a rumba de Los Payos, Maria Isabel.
Turismo mágico e radical
O anúncio 5 places, do Ministério do Turismo da Argentina, mostra-nos as férias que provavelmente não tivemos. De desejo em desejo, um casal salta de ambiente em ambiente: mar, montanha, estuário, deserto, lagoa. Com paixão, risco, aventura e contacto com a natureza. Este anúncio combina componentes que anúncios congéneres tendem a negligenciar: narrativa, magia, humor, amor e sintonia com o público- alvo (jovens adultos radicais, presume-se). Falha, talvez, a música. Onde está a magnífica música argentina? Pense-se, por exemplo, em Astor Piazzolla ou Mercedes Sosa.
Marca: Argentina Ministry of Tourism. Título: 5 places. Agência: La Comunidad Buenos Aires. Direcção: Luisa Kracht. Argentina, Fevereiro 2017.
Astor Piazzola. Oblivion. 1982.
Mercedes Sosa. Sólo le pido a Dios. Live in Argentinien. 1982.
Inversão de papéis
“Aruba es uno de los destinos más románticos del caribe. #HeSaidYes es una iniciativa de la Isla Feliz que invita a las mujeres a cambiar los roles del amor”.
Trata-se de uma inversão dos papéis de género num gesto densamente simbólico: o pedido de casamento. Um anúncio polémico? Sinais dos tempos? Crítica de clichés? Pequenos passos a caminho de grandes mudanças?
Ressalvando o Mamma Mia, o pedido de casamento é um ritual em vias de esvaziamento social e simbólico. Ainda do meu tempo, a família do futuro noivo deslocava-se a casa da futura noiva para pedir a sua mão. Algumas décadas atrás, negociavam-se os dotes e os contratos de casamento. Há alguns séculos, a comitiva da prometida deslocava-se em coche durante dias e dias para ir ao encontro do prometido. Quanto às novas gerações, vai chegar a altura em que um sms basta (ou talvez não).
Ao visionar o anúncio, insinua-se uma dúvida: quem influencia a escolha dos destinos turísticos? Ele? Ela? Ambos? Os filhos? Pelos vistos, elas são as mais influentes na escolha dos paraísos terrestres, como a ilha Feliz, em Aruba.
Marca: Isla de Aruba. Título: #HeSaidYes. Agência: Mullen Lowe Bogotá. Colômbia, Agosto 2018.
Saudades! Saudades de quê? De pedidos de casamento como o do anúncio Marry Me, da Siemens.
Marca: Siemens. Título: Marry me. 2006.
As férias e a natalidade
O artigo Fecundidade (https://tendimag.com/2018/06/20/fecundidade-2/) aguçou-me a curiosidade para os anúncios dedicados à natalidade. Consultei, com as entradas Natalidade e Fertilidade, duas bases de anúncios: Culturepub e Ads of the world. Resultado: uma meia dúzia de anúncios, alguns de questionável qualidade. Pelos vistos, o assunto não é relevante. Em cada acto sexual, 200 a 500 milhões de espermatozóides procuram o óvulo. Não é por falta de espermatozóides e de óvulos que os bebés não nascem. Estamos a falar de heterossexualidade. Ora, o prefixo hetero não está na moda. Nem nos organismos de governo, nem nas organizações não-governamentais, nem nas empresas altamente responsáveis. Os bebés, antes de nascer, não têm voz, nem votam, nem pertencem a grupos de pressão. É forçoso admitir que, na publicidade, o marcador dos bebés se resume às fraldas. A pesquisa vale o que vale, aponta, no entanto, para uma inexplicável negligência. Entretanto, a agência de viagens Spies Rejser descobriu que as férias são amigas da natalidade.
Marca: Spies Travel. Título: Do it for Denmark. Dinamarca, Março 2014.
Marca: Spies Travel. Título: Do it for Mom. Agência: Robert/Boisen & Like-Minded. Direcção: Niels Norlov. Dinamarca, Setembro 2015.