Dominar pela palavra: as relações de género
Uma série de artigos dedicados por este blogue à identidade nacional e às relações de género é de pasmar! Se calhar, bebi água benta. São, contudo, temas que batem cada vez mais à porta da publicidade. Este anúncio filipino é um excelente exemplo. Multiplicam-se as empresas que associam a responsabilidade social ao empenhamento em causas sociais, com benefícios claros em termos de marketing. Este anúncio, #WhipIt, Labels Against Women, da Pantene, assume que as lutas de poder também são lutas linguísticas. Não é novidade, mas, assim estampado num anúncio, adquire outra aura. O alvo é composto por palavras e frases feitas, rótulos e chavões, que contribuem para a (re)produção quotidiana da dominação e da discriminação. Dizer o mundo é fazê-lo. Muito cuidada, a nota de apresentação do anúncio perfaz uma iniciativa bem gizada. A marca, Pantene, diz respeito a produtos de cuidado do cabelo. “Es sencillo pero no es fatal”. Um dia será a vez das marcas de whiskey e de cerveja. Sinais não faltam.
Marca: Pantene. Título: #WhipIt, Labels Against Women Agência: BBDO Guerrero, Phillipines. Filipinas, Novembro 2013.
“Does gender bias still exist? If the answer is no, then why is it that women who take charge tend to be called bossy, whereas men who do the same is just doing his job as a boss? Or why is it that when mothers are passionate about their career, they tend to be seen as selfish, while working dads are dedicated? It is also quite startling that a recent study said 70% of men feel that women need to downplay their personality in order to be accepted.
According to the 2013 Global Gender Gap Report, the Philippines ranks number 5 in gender equality. But a survey by the social news network, Rappler, revealed that gender bias is still very much prevalent. One thought-provoking statistic showed that 77% of males and 66% of females believe that men deserve employment more than women — clearly reinforcing that bias exists in the workplace. Research findings show that both genders have prejudices and are prejudiced against.
Pantene, a brand that stands for empowering women to shine boldly, highlighted the issue of double standards and the culture of inequality that people have come to accept as the norm. Although initially approached from a local standpoint, the campaign resonated to the global market, recognizing an idea that was inspired by a hard-hitting reality that every woman faces.
Thus, #WhipIt was created. Urging women to leave labels behind, and be strong and shine.
Learn more about the movement and join the conversation here:http://www.rappler.com/brandrap/whipit“
A Paixão das Mulheres
Às mulheres, dava jeito um par de mãos suplementar. Vale-lhes o Alto Palermo, um shopping em Buenos Aires. A maioria dos anúncios argentinos destaca-se pela expressividade. Mesmo quando enveredam pela oralidade, os anúncios tendem a sobrepor a ilustração à forma e à retórica. A chave do anúncio é ciosamente adiada para os últimos segundos. Entramos antes de abrir a porta; só com a porta aberta, sabemos onde entrámos.
Marca: Alto Palermo. Título: HandMa. Agência: Young & Rubicam. Argentina, Dezembro 2013.
Para alívio das mulheres, os homens são descartáveis. Uma libertação! A vocação dos homens consiste em ser ex. Por acréscimo, são fáceis de substituir. Abundam, com garantia de qualidade, em locais como o Alto Palermo, “pasión de mujeres”. Um número crescente de marcas prefigura novos tempos em que os homens se convertem em Adónis a tempo parcial, “galateios” à medida e gigolos baratos.
Marca: Alto Palermo. Título: Ex. Agência: Young & Rubicam. Direção: Brian & Nico. Argentina, Dezembro 2013.
Cavalos cansados
De vez em quando, um álbum antigo de Bob Dylan insiste em me dar um sorriso: Self Portrait (1970), um vinil duplo de edição holandesa. É disco estranho. Começa com um coro, All the tired horses, e quase acaba (penúltima faixa) com outro coro (Wigwam). No primeiro, Bob Dylan não canta e nota-se a diferença. Mas o que surpreende é a voz: na maioria das faixas, não parece ele a cantar. Quando saiu, este álbum foi duramente criticado. Fora do habitual, com demasiados covers e sonoridades incomuns, não correspondeu às expectativas.
Regressar à adolescência é, se calhar, um reflexo estúpido. Bob Dylan não faz anos. É certo que este álbum acaba de ser reeditado em caixa, com mais qualidade, novas versões e demais acessórios. Mas há memórias que são objectos e teimam em permanecer vivas. O Self Portrait do Bob Dylan foi um bom companheiro, num tempo em que pequenos nadas como este podiam significar opções de vida.
Bob Dylan. All the tired horses. Self Portrait. 1. 1970.
Bob Dylan. Wigwam. Self Portrait. 23. 1970
À Portuguesa
O anúncio canadiano (http://tendimag.com/2013/12/28/a-canadiana/) e, em particular, o anúncio irlandês (http://tendimag.com/2013/12/27/a-irlandesa/) tocam num tema que me é caro: como é retratada a identidade nacional na publicidade portuguesa? Proliferam as marcas e os produtos: energia, cerveja, queijo, massa, vinho, azeite, operadores de telemóveis, superfícies comerciais… Sobressaem, de imediato, os anúncios do azeite Gallo (um mafarrico queirosiano segreda-me: o “Tou xim, é pra mim”, da Telecel”: vídeo 1).
Telecel. Tou xim, é pra mim, 1995
Os anúncios do azeite Gallo distinguem-se quer pela focagem na identidade nacional, quer pela longevidade do padrão (vídeo 2 a 6). Ressalvando o anúncio mais antigo (1989), todos os outros convocam o fiel amigo, o bacalhau, epíteto, por sinal, dos portugueses em França. “O que é nacional é bom”. E se for bacalhau regado com azeite?… Este é um dos nossos pares emblemáticos: bacalhau com azeite! A especialista da casa em identidade nacional não quer comentar? Algum destes anúncios do azeite Gallo conjuga tradição e modernidade? E o “Tou xim, é pra mim”? Valem caricaturas? Os primeiros anúncios da Gallo inspiram-se nas incontornáveis construções da figura do português desenhadas pelos “descobridores do povo” na segunda metade do século XIX, construções que viriam a ser estilizadas, divulgadas e inculcadas pelo Estado Novo. A identidade nacional como um baú onde mal cabem tantas e tamanhas vitalidades arcaicas. Este baú tinha as suas raízes no campo. O anúncio mais recente desta série, de 2006, rompe com esta ancoragem tradicional. As personagens principais são citadinas, tal como os respectivos estilos de vida. Alguns motivos mantêm-se populares, a postura e os gostos nem por isso. Terá este anúncio conseguido o tal cruzamento, íntimo e natural, entre tradição e modernidade? Talvez sim. Representa uma tentativa de conjugar tradição e modernidade, mas continua refém dos conteúdos, pouco ou nada avança em termos de forma. Talvez não… Uma identidade nacional não é um baú a abarrotar de particularismos mais ou menos arcaicos, nem tão pouco um desfile de símbolos mais ou menos notórios, a modos como uma montra descomunal pejada de postais ilustrados. A suposta identidade nacional é uma arte de (con)viver com o próximo e com o outro, uma forma, uma forma relativa de ser, de estar e de sentir, de preferência, em conjunto.
Azeite Gallo, 1989
Azeite Gallo, 1991
Azeite Gallo, 1993
Azeite Gallo, 1995
Azeite Gallo, 2006.
À Canadiana
Depois do anúncio apresentado no artigo anterior (“à irlandesa”), nada como resgatar um discurso borbulhante de exaltação nacional (“à canadiana”). Este tipo de anúncio podia ser português? Poder, podia, mas não me parece haver propensão do auto-conceito nacional para semelhantes rebentos de euforia comparada, a não ser que uma bola de futebol se introduza de permeio, como esfera armilar da navegação actual e metonímia do mundo. Mais próximo, estaria o anúncio irlandês, “se a tanto nos ajudasse o engenho e arte”. Há anúncios portugueses que se avizinham, mas sem o cruzamento, íntimo e natural, entre a tradição e a modernidade conseguido pelo anúncio irlandês.
Marca: Molson Canadian. Título: I am a Canadian. The Rant. Agência: Bensimon Byrne D’Arcy. Canadá, 2000.
À Irlandesa
Este anúncio é um caso à parte: 150 segundos de extrema qualidade. Sente-se a Irlanda, húmida, verde e cinzenta. Respira-se cultura. Amizade e separação, fé e morte, audácia e melancolia. A noiva, o muro, o whiskey e a passagem… A Parting Glass, canção tradicional, dá o tom, o compasso, a voz e a letra ao filme. Quem fez este anúncio, irlandês ou não, apaixonou-se por ele. Para aceder ao anúncio, carregar na imagem.
Marca: Tullamore Dew Irish Whiskey. Título: The Other Wall. Agência: Opperman Weiss. Direcção: Laurence Dunmore. Irlanda, 2013.
Espantalhos
Um espantalho, operário de uma empresa alimentar que maltrata os animais e o ambiente, decide mudar para uma quinta e investir na produção de comida saudável. Este é o tema de um anúncio, The Scarecrow, que, em menos de uma semana, obteve mais de cinco milhões de visualizações. Um dos sucessos do ano 2013. A canção é uma versão de Pure Imagination, do filme Willy Wonka and the Chocolate Factory (1971), interpretada por Fiona Apple.
Marca: Chipotle. Título: The Scarecrow. Agência: CAA Marketing. USA, Setembro 2013.
Este anúncio da mexicana Chipoyle lembra-me, sem motivo aparente, os Pink Floyd. Detetam-se, aqui e além, algumas obsessões dos Pink Floyd. Por acréscimo, existe uma canção dos Pink Floyd, do tempo do Syd Barrett, com o mesmo título: The Scarecrow (1967). Para ver o vídeo, carregar na imagem.
Pink Floyd. The Scarecrow. The Piper at the Gates of Dawn. 1967.
Memórias com asas
Vivemos tempos em que a gravidade nos puxa para baixo. Ousemos levitar! Levitemos com os pés no ar, os braços abertos e o coração na cabeça.
A música é do francês Michel Colombier (Emmanuel, Wings, 1971) e as aguarelas do belga Jean-Michel Folon. Este blogue já lhes dedicou dois artigos: Chove na liberdade (http://tendimag.com/2012/12/13/chove-na-liberdade/) e Jean-Michel Folon (http://tendimag.com/2012/12/14/jean-michel-folon/). Repito-me. Deve ser da idade. Há quem fale em sabedoria ou em depuração. Neste caso, a equação é simples: mais esquecimento e menos criatividade.
Corpos comunicantes. A educação pelos sentidos no Mosteiro de Tibães – I
Em parceria com o Paulo Oliveira, estou a escrever um texto dedicado à educação pelos sentidos no Mosteiro de Tibães. Maior que uma crónica e sem aparato de artigo, vai ter uma primeira publicação por partes no ComUM online. Como dizem os pintores, trata-se de uma primeira mão. Em bruto, sem referências completas, nem análises finas da semiótica dos espaços, nem imagens. Para já, é um nada académico. Precisa de outra compostura e, pelos vistos, de algum marketing. Como cada um dá o que tem, esta é a minha prendinha de Natal, aquela que ninguém pediu nem necessita (carregar na imagem ou no seguinte endereço: http://www.comumonline.com/?p=978)