Suave e aveludado
Os últimos dias foram de concentração. Entreguei-me à construção de materiais audiovisuais para o próximo encontro dedicado aos antepassados do surrealismo, em particular aos maneiristas da segunda metade do séc. XVI, programado para o dia 27 de maio, sábado, às 17:00, no Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Consistirá mais numa ilustração do que numa oratória. Esbocei ontem uma espécie de antestreia na disciplina de Sociologia da Arte, do curso de mestrado em Comunicação, Arte e Cultura. Um excelente teste com um mês de antecedência.
Vim descontrair para a beira-mar. Apetece-me partilhar um post que propicie uma atmosfera de repouso e indolência. Acodem-me os anúncios recentes da Velveeta, uma marca, como o nome sugere, de queijo “cremoso, suave e aveludado”. Um deleite minimalista com a ressonância, a ação, o compasso e o colorido certos para cativar a atenção, aguçar o desejo e distinguir a marca. Original e feliz! A que mais poderia aspirar uma publicidade?
Pescoços de borracha. A curiosa arte de espreitar

Hoje, vi apenas dois anúncios. Convergem num mesmo trejeito ou propensão: da Tailândia ao Perú, o que está a dar é espreitar, espreitar aquilo que os outros possuem, fazem e sentem (vídeos 1 e 2). A privacidade e a intimidade resumem-se, quando muito, a nomes de perfumes que desmaiam no ar do tempo. A continuar deste jeito o ser humano conhecerá uma nova alteração darwiniana: pescoços de borracha (Rubberneckers, “curiosos”; vídeo 3).
Rubbernecker (Murray Head)
He is a rubbernecker
A human double-decker
Another trouble-checkerHanging around the scene of the crime
He’s got nothing to say tho’ he’ll get in the way
Cos that’s how he likes to spend his time
RubberneckerHe is a rubbernecker
A watch in any weather
He gets sadistic pleasure
Knowing he’s O.K., and free of blame
He saw it all happen, but he don’t know why
He’s glad he was there all the same.
RubberneckerOh god it’s hard to see ourselves when we’re to blame
For watching someone else do what we cannot do
For shame, for fear or pride, as long as we can hide.
RubberneckerHe is a rubbernecker
A human double-decker
Another trouble-checkerThe ever silent witness on the side
He likes to stand and stare and sniff the atmosphere
Don’t ask him for support he’s a watchman not a guide.
Rubbernecker
Hino à transpiração

Transpirar por todas as partes, em todos os gestos, em qualquer momento e ambiente, num sortido de fisionomias, eis o fado de Adão (e Eva). Em todas as feições, usos e gostos. O anúncio “Sudar es la gloria”, da Gatorade, evidencia a propensão para a universalidade e a diversidade de uma certa tendência da publicidade. Cada espetador é convidado a reconhecer-se em alguma figura. Mas, não nos iludamos, nem sequer as exceções, neste caso os sedentários alérgicos à arte de suar, escapam ao apelo. Entranham o estranho, fazem seu o esforço dos outros, ficam sedentos por projeção.
Inspiração

Eis um anúncio que concebe uma inspiração engarrafada como nunca ninguém sonhou! Um rodopio de imagens e obras de arte numa odisseia vertiginosa. Este “masterpiece” da Coca-Cola estreou esta semana, no dia 6 de março.
Figuras que ganham vida, por exemplo, saem de quadros, é um motivo com antecedentes. É o caso do filme de animação Le roi et l’oiseau, iniciado nos anos cinquenta e terminado em 1980, realizado, em França, por Paul Grimault, ou, se a memória não me engana, dos Contos fantásticos de E.T.A. Hoffmann (1776-1822).
“An ice-cold bottle of Coca‑Cola journeys from canvas to canvas—starting with Andy Warhol’s 1962 Coca‑Cola and continuing to a refreshingly diverse and culturally rich mix of classic and contemporary paintings before ultimately landing in the hands of an art student in need of creative inspiration—in a new global campaign titled “Masterpiece”. / The latest expression of the “Real Magic” brand platform celebrates how Coca-Coca provides uplifting refreshment in moments that matter. The campaign’s creative centerpiece is a short film set in an art museum, where students are sketching select paintings on display. As one student appears uninspired, an arm from a painting reaches across the gallery to grab the Coke bottle from Warhol’s pop-art masterpiece. From there, it’s relayed from works including JMW Turner’s “The Shipwreck”, Munch’s “The Scream” (re-colored lithograph) and Van Gogh’s “Bedroom in Arles” before finally landing with Vermeer’s “Girl with a Pearl Earring”, whose subject opens the bottle for the student in need of inspiration and refreshing upliftment. / In addition to these universally recognized paintings from the past century, the film bridges the worlds of classical and contemporary art by featuring work from emerging creators from Africa, India, the Middle East and Latin America” (Coca-Cola).
Lista de obras de arte contempladas no anúncio:
00:14 Divine Idyll – Aket, 2022
00:24 Large Coca-cola – Andy Warhol, 1962
00:30 The Shipwreck – Joseph Mallord William Turner, 1805
00:38 Falling in Library – Vikram Kushwah, 2012
00:43 The Blow Dryer – Fatma Ramadan, 2021
00:45 Scream – Munch, Edvard, 1895
00:48 You Can’t Curse Me – Wonder Buhle 2022
00:56 The Bedroom (Bedroom in Arles) – V. van Gogh, 1889
01:04 Artemision Bronze – Unknown (Greek), 460BC
01:11 Natural Encounters – Stefania Tejada, 2020
01:22 Drum Bridge and Setting Sun Hill – Hiroshige, 1857
01:29 Girl with a Pearl Earring – Johannes Vermeer, 1665
Os sinos da consciência
O nu desapareceu praticamente da publicidade. O grotesco resiste. Os anúncios de consciencialização e sensibilização social proliferam. Oferecem-se como uma marca distintiva da nossa era. Visam interpelar e mobilizar os cidadãos, pelo pensamento, pelo sentimento e pela imagem, para problemas, causas e movimento de uma extrema diversidade quanto às origens, modalidades e finalidades. Segue uma mistura de exemplos recentes.
A persistência do grotesco

O nu varreu-se praticamente da publicidade. Há mais de uma década. Primeiro, o mais vulgar; logo, o mais artístico (vídeos 3 e 4). O grotesco ainda resiste (vídeos 1 e 2). Confinado, não costuma dar-se mal com regimes de disciplina, controlo e vigilância.
Podia ser pior!

Para uma noite de insónia
Meu avô contava-me a seguinte anedota:
Um minhoto e um galego estavam entusiasmados numa espécie de conversa ao desafio.
- Unha cabra golpeo cos cornos unha muller que pasaba polo camiño.
- Podia ser pior.
- Como podería ser peor?
- Se em vez de uma cabra fosse um rinoceronte.
- Unha procesión pasaba pola liña e un tren chega a toda velocidade…
- Podia ser pior.
- Como podería ser peor?
- Se o comboio, em vez de vir de frente, viesse de lado, atravessado.
- Onte, Francisco estivo con María, chegou o seu marido e apuñalouno por todas partes.
- Podia ser pior.
- Como podería ser peor?
- Se fosse uma hora antes, não teria sido o Francisco, teria sido eu.
Vem esta anedota a propósito do último anúncio da Levi’s em que um homem troca a vaca por umas calças. Segundo as conveniências contemporâneas, podia ser pior.
La vache et le prisonnier (primeira parte): https://gloria.tv/post/wLaTA7bRYzhr4UCiDfgixsame#25
La vache et le prisonnier (segunda parte): https://gloria.tv/post/R8nxZNx9ViJY1f4XLWnx8k3FY#5
La vache et le prisonnier (terceira parte): https://gloria.tv/post/JR4Wyu7Jkmgx4gHAK8uKbEQyu#5
Futurismo: tecnologia e ambiente

De vez em quando, A BMW contempla-nos com anúncios de belo efeito estético. Este Forwardism Comes Home não desmerece. Não é fácil demonstrar que um automóvel é amigo do ambiente. Já é menos difícil no que respeita às novas tecnologias. Em termos de consumo, os carros elétricos têm vantagem em relação aos que recorrem a combustível de origem fóssil. Mas, em contrapartida, a fabricação das baterias concorre em sentido inverso. A BMW propõe-se contornar o problema recorrendo à energia solar.
“In 2022, automotive giant BMW Group has forged a global partnership with Emirates Global Aluminium, the UAE’s largest industrial company outside the oil and gas sector, to be the first customer for its new CelestiAL aluminum. The first of its kind, this aluminum is locally produced using solar power generated at the Mohammed Bin Rashid Al Maktoum Solar Park (…) In an electrified vehicle, CO2 emissions from the use phase are much lower, but producing battery cells or aluminium is extremely energy-intensive. The BMW Group not only wants to stop this trend, but also reverse it – and even lower CO2 emissions per vehicle by 20% from 2019 levels” (https://www.adsoftheworld.com/campaigns/forwardism-comes-home).
Tenros e ternos


Tenros e ternos, eis um anagrama adequado a estes dois anúncios franceses da McDonald’s, o venerável Le Vélo e o recente Les Amis. Uma ternura comercial, sobre rodas e em conserva.
A Origem de Tudo

O anúncio brasileiro A Origem de Tudo, para a exposição Show Rural Coopavel, ilustra à saciedade um provérbio elementar: “Tudo vem da terra e a ela retorna” [eventualmente, intragável].
Aconselho o artigo Atribulações das Almas: https://margens.blog/2023/01/15/atribulacoes-das-almas-em-transito/