A roseira dos cravos
Concluído cerca de 1410, de autor anónimo, posteriormente conhecido por Mestre do Alto Reno, este Jardim do Paraíso, pintado sobre madeira, com uma dimensão de 26 por 33 cm, irradia uma beleza apaziguadora.
Que enxerga neste pequeno quadro um leigo do terceiro milénio?
Um ambiente de harmonia e sossego. As personagens dedicam-se à leitura, à música, à conversa e à natureza. A mulher que mais atrai o olhar lê, outra segura um psaltério tocado por um menino, uma terceira colhe cerejas e a quarta mergulha uma colher na água. Um anjo conversa com dois homens. Também se bebe e também se come. Sobre a mesa, um copo e cascas de fruta. Neste pequeno jardim do Paraíso abundam as plantas e os pássaros: 27 variedades de plantas e 12 espécies de pássaros.
Um olhar mais atento fica, contudo, perturbado com alguns pormenores. À esquerda, a meia altura, uma roseira parece dar cravos. No canto inferior direito, surge um animal esquisito, que mais parece um pato com quatro patas depenado. Lembra os monstros alienígenas pintados, em pleno século XX, por HR Giger (ver em baixo). Por último, não longe do “pato depenado”, aos pés do anjo, um demónio escuro! Ora, segundo a catequese, o Paraíso não é sítio destinado a demónios. Perplexidades de um ignorante em hagiografia medieval.
No pequeno mas aconchegado Jardim do Paraíso, a Virgem Maria lê um livro, Santa Doroteia colhe cerejas, Santa Bárbara retira água com uma colher e Santa Cecília segura um instrumento musical, um psaltério, que é tocado pelo Menino Jesus. Em amena conversa, encontram-se São Jorge, com o dragão (o tal pato de quatro patas), o Arcanjo São Miguel, com o demónio, subjugado aos pés (faz parte da imagem do arcanjo) e Santo Osvaldo. Sobra o pormenor da roseira que dá cravos, que se resolve facilmente com um par de óculos ou, melhor ainda, contemplando-a, como advoga o Principezinho, com o coração.
O milagre da queda

Simone Martini. The Miracle of the child falling from the balcony. Church of St. Augustine Novello, Siena, Italy. ca 1328.
Hoje, deu-me, por razão insuspeita, para me fixar no tema da queda. Num quadro do séc. XIV, Simone Martini celebra o milagre em que Santo Agostinho salva uma criança da queda de uma varanda. À esquerda, o santo em levitação, ao centro, a criança em queda e, à direita, a criança salva, de pé, rodeada por testemunhas estupefactas. Este milagre tem mais de mil anos. Mudam-se os tempos, mudam-se os milagres. Há comunidades em queda prolongada e não há quem que lhes deite a mão! Só sermões. O miraculoso assume novas artes. A quem cai, tira-se-lhe o chão. Cai sem acabar de cair. A levitação é substituída pela palavra, de preferência, bendita pelos media. No tempo de Simone Martini, a queda era aos infernos; agora, é ao infinito, com coro fininho.
Prolongamento
Este anúncio, de raro impacto, associa o som de um relato de futebol à imagem de uma mulher atemorizada. Os casos de violência doméstica aumentam quando a Inglaterra joga num Campeonato do Mundo. Sobretudo quando perde, mas também quando ganha. Vários estudos corroboram estas tendências.
Anunciante: National Centre for Domestic Violence. Título: England Match Final Minutes. Agência: Jwt London. UK, Junho 2014.
Police are issuing personal warnings to men and women with a record of domestic violence in the runup to England’s first World Cup game, acting on evidence that abuse against wives, girlfriends and partners spikes dramatically in the aftermath of matches – whether the team wins or loses.
The most detailed research into the links between the football World Cup and domestic abuse rates has revealed that in one force area in England and Wales, violent incidents increased by 38% when England lost – but also rose by 26% when they won.
The research, by Lancaster University criminologist Dr Stuart Kirby, a former police officer, monitored police reports of domestic violence during the last three World Cups in 2002, 2006 and 2010.
While domestic violence rose after each England game, incidents also increased in frequency at each new tournament, raising fears that the forthcoming competition in Brazil – where England’s first game is against Italy on Saturday 14 June – could see the highest ever World Cup-related rises in domestic violence across the UK.
Separate national research examining the 2010 World Cup echoed the Kirby findings – with domestic abuse reports up 27.7% when the England team won a game, and 31.5% when they lost.
(The Guardian, de 8 de Junho: http://www.theguardian.com/society/2014/jun/08/police-fear-rise-domestic-violence-world-cup).
A Marca da Consagração
Enquanto o Mundial de Futebol seca a publicidade, vale a pena revisitar as relíquias. Este anúncio da Pepsi Cola é genial: exotismo, Oriente, monges, kung fu, “solidariedade mecânica”, humor e, por último, a MARCAção do escolhido. Não parece, mas é um anúncio francês.
Marca: Pepsi Cola. Título: Kung Fu. Agência: CLM BBDO. Direcção: TARSEM. França, 2002.
A mais bela caixa de cds
Se fossemos como os japoneses!… Teríamos mais produção de retaguarda e outro sentido de humor.
Marca: Warner Music. Título: Where is the cd…. Agência: Asatsu-dk. Direcção: GUGI AKIYAMA. Japão, 2008.
O pneu, a pornografia e a liberdade
A 7 Up encontrou uma alternativa às pin ups dos calendários Pirelli: os camionistas. Uma paródia. Em 2002, a desinibição respirava outros ares. Menos filtrados. Comprova-se a onda neste e noutros anúncios. Entretanto, parece ter-se instalado uma nuvem de puritanismo pós-moderno. Pergunto-me se, para além das contas públicas, não está a aumentar o défice da liberdade quotidiana. De directiva em directiva, de rectificação em rectificação, de salvaguarda em salvaguarda, acabamos mais dirigidos e mais correctos. Acabamos tolhidos. Tolhidos…
Marca: 7 Up. Título: Calendar. Agência: Young & Rubican. USA, 2002.
A Cor dos Caras Pálidas
Os caras pálidas são uns troca-tintas. Mudam de cor como quem muda de pele. Não são unos. Nem puros. Nada são em permanência. E depois? É preciso ser claramente coisa alguma? Ser-se, como se diz, igual a si próprio? Arriscado é combater o racismo com os argumentos do racismo. Este anúncio faz sentido com sentido de humor. Eventualmente, como paródia de si mesmo.
Anunciante: Anti Racism. Título: Dear White fella: Colours of racism. Agência: M&C Saatchi. Direcção: Chris Palmer. UK, 2001.
Um furo no céu
O céu deve ter um buraco. Caem estrelas na terra. Em plena febre futebolística, continua a brilhar um anúncio do tempo do mundial da África do Sul. A criança não resiste ao sono. As jornadas são assim: à chegada, o repouso, o repouso do guerreiro. Soberbo!
Marca: Orange. Título: Being there. Agência: Marcel (Paris). Direcção: Drake Doremus. França, 2013.
Um traço de giz
Há muitos patinhos feios. E poucos cisnes. O inferno mora em todo o lado. “São os outros”, diria Jean-Paul Sartre. Em casa, na escola, na rua… Mas há um traço de giz que pode marcar a diferença. Pode desenhar a ilha que nos habita. A ilha da excepção. A ilha do tesouro. A ilha da vocação. A todos o inferno, a cada um o seu pedaço de giz.
JuBaFilms. With a piece of chalk. Alemanha. 2012.
A Donzela e o Unicórnio
Nem sempre é fácil encontrar uma imagem que condiga com uma música. Nessas circunstâncias, nada como esquecer a música e optar por uma imagem que nos agrade, se possível com um grão de exotismo. A música “In The Beginning Was The Word”, de Lisa Gerrard e Marcello de Francisci (Departum, 2010), segue, desta sorte, rodeada por unicórnios medievais: uma iluminura do Livro de Horas de Nassau (ca. 1470-1490) e uma galeria com as seis tapeçarias de La Dame à la Licorne, uma para cada sentido, mais a que sobra para o desejo (finais do séc. XV: Museu de Cluny, Paris).
Lisa Gerrard e Marcello De Francisci. In the beginning was the word. Departum. 2010.
- 01. Dame à la licorne. Le goût. Cluny. Paris. Fim séc. XV.
- 02. Dame à la licorne. L’ouie. Cluny. Paris. Fim séc. XV.
- 03. La dame à la Licorne. La vue. Cluny. Paris. Fim séc. XV.
- 04. Dame à la licorne. L’odorat. Cluny. Paris. Fim séc. XV.
- 05. Dame à la licorne. Le toucher. Cluny. Paris. Fim séc. XV.
- 06. Dame à la licorne. À mon seul désir. Cluny. Paris. Fim séc. XV,