Archive | Setembro 2022

Albert Bartholomé, o escultor da dor sensual

01. Albert Bartholomé. Baigneuse recroquevillée. Bronze dourado.

Somos pequeninos. E tanto amamos e sofremos.

Estou a reescrever o capítulo “Mortos Interativos, para o livro A Morte na Arte, e a preparar uma conversa (“Coisas do outro mundo: esculturas tumulares e visões noturnas”) para o dia 21 de outubro, na Casa da Cultura, em Melgaço, no âmbito do programa da Noite dos Medos que culmina no sábado, 29 de outubro. Nas minhas viagens internáuticas deparei-me em vários cemitérios com obras de um mesmo escultor: Albert Bartholomé. O que me permite retomar uma prática que tenho descuidado nos últimos tempos: a apresentação de obras e autores menos conhecidos que estimo dignos de apreço e reconhecimento por parte dos amigos do Tendências do Imaginário. Assim sucedeu com artistas mais antigos, tais como Jamnitzer, Stoer, Braccelli, Bronzino, Desprez, Callot ou Corradini, e mais recentes, tais como Nussbaum, Portinari, Vigeland, Folon ou António Pedro.

Albert Bartholomé (1848-1928), francês, foi pintor até aos 39 anos (figuras 3 a 8). A morte prematura da esposa, a aristocrata Prospérie de Fleury, grávida, em 1877, altera a sua vida. Abandona a pintura, mas, a conselho de Edgar Degas, converte-se à escultura, sobretudo funerária. Numa das primeiras obras, o túmulo da esposa (figuras 9 e 10), debruça-se sobre o corpo feminino num último adeus, um instante eterno que firma uma ligação e um compromisso sofridos [contraiu um segundo matrimónio em 1901 (figura 40)].

09. Albert Bartholomé. Por Charles Giron. 1901.

Escultor conceituado, Albert Bartholomé obteve o grande prémio de escultura da Exposição Universal de 1900. Boa parte das suas esculturas são imagens de dor, nuas, de uma nudez pura e sensível, senão sensual. De certa forma, um Degas da escultura, mas com as pregas vaporosas do bailado da vida a serem substituídas pelas curvas lisas do recolhimento e do silêncio da morte.

Figuras 9 e 10. Escultura do túmulo da esposa, frente à igreja de Bouillant, perto de Crépy-en-Vallois. França.

O Monumento aos Mortos no Cemitério do Père Lachaise, inaugurado em 1899, é a sua obra mais monumental. Apelidava-a de Porta do Além. Curvados mas inconformados em vida, os seres humanos acabam por se erguer à entrada da “porta da noite eterna”. Na parte inferior, um casal jaz, inseparável, sob o olhar do “espírito da vida e da luz” (figuras 11 a 16).

Figuras 11 a 16: Albert Bartholomé. Momumento aos Mortos. Cemitério do Père Lachaise.

Notáveis são também as carpideiras (pleureuses, mournings), designadamente a Douleur do cemitério de Montmartre. Inconsoláveis e reservadas, com o corpo parcialmente coberto por um manto e a cara tapada pelas mãos, resultam alheadas e mergulhadas numa espécie de limbo. Distinguem-se, não obstante, das carpideiras habituais, vultos fechados, focados no luto e na lamentação, quase incorpóreos, que lembram “fantasmas de vivos” (figuras 17 a 21).

Figuras 17 a 21. Exemplos de carpideiras.

Todas estas esculturas parecem inscrever-se num limiar, mas as de Bertholomé situam-se menos entre dois mundos, dos vivos e dos mortos, e mais num e noutro mundos, associadas e expostas a ambos (figuras 22 a 25).

Figuras 22 a 25. Albert Bartholomé. Esculturas seminuas de lamento e dor.

Particularmente impressionantes e inspiradoras manifestam-se as esculturas com nus integrais. Mulheres com rosto oculto por véus, pelas mãos ou pela posição, maioritariamente dobradas e encolhidas, em posição de autoproteção mas vulneráveis, aproximam-se de uma posição fetal. Convocam Eros e Thanatos, numa implosão de dor (figuras 26 a 35).

Figuras 26 a 36. Albert Bartholomé. Esculturas de nus femininos.

Despojadas e expostas, contrastam com as carpideiras ocultas por mantos e véus. A escultura O Sonho (figuras 35 e 36) deita-se como um caso à parte: nua, estendida, a mulher jaz sobre uma lápide, serena, como que entregue ao destino, num despojamento e abandono absolutos e sublimes (o pormenor do colar de pérolas concorre para acentuar a nudez).

Figuras 37 a 40. Outras esculturas de Albert Bartholomé.

As esculturas de Albert Bartholomé insinuam-se como fonte de inspiração para artistas e obras posteriores. Oferecem-se como sementes que germinam em cemitérios dispersos por todo o mundo (e.g. figuras 41 a 45).

Figuras 41 a 45. Esculturas tumulares semelhantes às de Albert Bortholomé.

Este artigo proporcionou-se demasiado extenso. Menos pelo texto e mais pelas imagens. Mesmo assim, não queria terminar sem acrescentar uma música a condizer. Claude Debussy e Maurice Ravel prestam-se. Por exemplo, Clair de Lune, de Debussy. Mas para atenuar a melancolia, em vez do original, opto pela versão jazz de Kamasi Washington.

Kamasi Washington. Clair de Lune. Compositor: Claude Debussy. The Epic. 2015.

Ecoturismo: Lazer e desporto equestre em Melgaço

À minha irmã, apaixonada por cavalos

A amplitude das oportunidades de turismo, lazer e desporto do concelho de Melgaço resulta surpreendente. A paisagem natural e humana, particularmente em Castro Laboreiro, presta-se a vários tipos de percursos e passeios, incluindo equestres (consultar oferta da Ecotura em: http://www.ecotura.com/ProgramasEquestres.htm). Agradeço o conhecimento deste vídeo à página Fãs de Melgaço (https://www.facebook.com/search/top?q=f%C3%A3s%20de%20melga%C3%A7o).

Para aceder ao vídeo, carregar na imagem seguinte (ligar o som).

Passeios equestres. Castro Laboreiro. Fonte tripadvisor.pt

Happy Meal casamenteiro

Quando se proporciona, apraz-me relevar o sentido de oportunidade de algumas campanhas publicitárias. Estimo que, nas mais diversas iniciativas, o sentido de oportunidade representa um dos fatores de sucesso mais decisivos.

Muitos casamentos foram adiados devido à covid-19. Uma vez aliviada a pandemia, o congestionamento não surpreendeu. Neste quadro, a McDonald’s torna-se casamenteira: facilita o matrimónio a 60 casais, anunciando o evento e os resultados.

Num sábado de agosto, um McDonald’s em Nacka abriu seu drive-thru, ao estilo de Las Vegas. Casou 60 casais oferecendo-lhes um menu personalizado que incluía um Happy (Ever After) Meal. / O conceito da Nord DDB para o McDrive Thru Wedding ressuma amor. Havia decorações, balões, um carro clássico, um fotógrafo de casamento, um cenário de arco de volta para posts nas redes sociais e ramos de flores com a marca McDonalds. Com um timbre pessoal: a certidão de assumiu a forma de um recibo do McDonald’s (…) / O vídeo compila os destaques do evento, evidenciando que alguns casais se casaram depois de muitos anos juntos e um renovou após 60 anos de separação. A noiva contou com humor que o seu marido se ajoelhou e a pediu em casamento, mas “depois tive que ajudá-lo a levantar-se” (The Times, ” 60 Couples Got Married at a McDonald’s Drive-Thru in Sweden & More Latest News Here”: https://www.thetimes.com.ng/2022/09/60-couples-got-married-at-a-mcdonalds-drive-thru-in-sweden-more-latest-news-here/; consultado em 27.09.2022).

Mas o que me impressiona neste anúncio não é tanto o sentido de oportunidade como o efeito de realidade ou naturalidade. Aparentemente, dispensa modelos e efeitos especiais.

Marca: McDonald’s. Título: McDrive Thru Wedding. Agência: Nord DDB. Suécia, setembro 2022.

Humoresco

Antonin Dvorak

Em regime mais solar do que lunar, com o social a sobrepor-se cada vez mais ao digital, partilho uma música bem disposta, um humoresco, “curta peça de humor e humor”. Dvorak, com Yo-Yo Ma, no violoncelo, e Itzhak Perlman, no violino.

Yo-Yo Ma & Itzhak Perlman. Humoresque No. 7 in G-flat Major, Op. 101, de Antonin Dvorak. Com a Boston Symphony Orchestra, dirigida por Seiji Ozawa.

“Japanese conductor, American orchestra, Chinese cellist, Israeli violinist, Czech composer”.

Primeiro os amigos

Jacques Brel, Léo Ferré e Georges Brassens

Existem mundos onde predominam as encostas. Os seus membros encostam-se uns aos outros formando montículos dispostos em redes de dependência pessoal. Quem não se encosta nem é encosto candidata-se ao papel de mosquito numa teia de aranha. A autonomia definha como uma quimera, um gesto raro e caro. Seguem quatro canções francesas sobre a parceria (os comparsas) e a diferença (os marginais).

George Brassens. Les copains d’abord. Les copains d’abord. 1964.
Georges Brassens. La mauvaise réputation. La mauvaise réputation. 1954.
Georges Moustaki. Le métèque. Le métèque. 1969.
Isabelle Mayereau. Difference. Isabelle Mayereau. 1978.

Pobreza: A importância das palavras

Junto o artigo “Pobreza: A importância das palavras”, publicado no jornal Diário do Minho (terça-feira, 20 de setembro de 2022, pág. 8) de que sou autor. Para escutar enquanto lê, a canção Ces gens-là, de Jacques Brel.

Jacques Brel. Ces gens-là. Ces gens-là. 1966.

Virar páginas. Bob Seger

Tantas páginas viramos contra o vento e não lhe tomamos o jeito. Amarrotamo-las e o livro nunca permanece o mesmo. Com esta seca, ou sede, de comunicação, as palavras não brotam, evaporam-se. Torna-se conveniente pedi-las emprestadas.

Bob Seger & The Silver Bullet Band. Turn The Page. Back in ’72. 1973. Bob Seger & The Silver Bullet Band, live At Cobo Hall, Detroit, 1975.
Bob Seger. Against the wind. Against the Wind. 1980. Bob Seger & The Silver Bullet Band. Live remasterized 1980.
Bob Seger. Still the same. Stranger in Town. 1978. Bob Seger & The Silver Bullet Band. Live From San Diego, ca. 1978.

Sementeira

Acabou de sair um artigo meu num jornal. Uma página inteira. De reflexão, original, algo crítico e bastante pessoal. Não é mencionado o autor. Tenho um Best of dos Barclay James Harvest de 1991. Proporciona-se. Comecemos com o Hymn, prossigamos com o Poor Man’s Moody Blues, para concluir com a canção mais antiga: Mockingbird. Já publicámos o Child of the Universe (https://tendimag.com/2021/03/22/a-crianca-e-o-mundo/).

Barclay James Harvest. Hymn. Gone to Earth. 1977. Filmed in East Berlin 1987
Barclay James Harvest. Poor Man’s Moody Blues. Gone to Earth. 1977. Music video 1978.
Barclay James Harvest. Mockingbird. Once Again. 1971.Town & Country Club, 1992

Anúncios de bolso

Com poucas imagens se ilustra muito. Publicidade vintage.

Anunciante: Bancos de alimento. Título: Palomas. Agência: McCann Erickson. Direção: Mario Garcia. Espanha 1999.

Para aceder ao segundo anúncio, carregar na imagem seguinte.

Anunciante: Journée Mondiale du Refus de la Misère. Título: Donnons la parlole aus pauvres. Agência: TBWA. França, 1998.

Estigma capilar

Fotografia de Robert Capa. Chartres, 18 de agosto de 1944. Logo após a libertação da cidade, raparam o cabelo a uma mulher francesa que teve um filho com um soldado alemão como sinal de humilhação

Proveniente da Alemanha, país que tendemos a associar alguma contenção e ponderação, o anúncio “Hans”, da empresa de cabeleireiros Headhunter, excede-se. Propõe uma paródia ousada, senão atrevida, de uma realidade sensível: as campanhas de consciencialização para a inclusão de crianças com deficiência. Num aspeto o anúncio não deixa de estar certo: os cabelos podem funcionar como estigma, contagiando e desvalorizando a pessoa no seu todo. Recorde-se que, no final da Segunda Grande Guerra, nos dias imediatos à libertação da França, a população rapou o cabelo aos “colaboracionistas” com o regime nazi, expondo-os em cortejos degradantes (ver Violência e Humilhação: https://tendimag.com/2016/01/14/violencia-e-humilhacao/).

Marca: Headhunter. Título: Hans. Agência: Philipp & keuntje. Direção: Laszlo Kadar. Alemanha, 2000.