Uma tristeza!

Um é o número mais solitário
Que você poderá conhecer
Muito muito pior que dois
Um é um número divisível por dois
(Magnolia. One. 1998).
Quem divaga sempre acaba por encontrar. A dedilhar os CD, cruzei-me com a banda sonora do filme Magnólia (1999), quase toda interpretada por Aimee Mann; e a folhear o Público, cruzei-me com o artigo de opinião, “Sinto-me triste”, de Eduardo Marçal Grilo, com o qual me identifico, salvo esquecer-se de enfatizar o enorme contributo para o alívio da tristeza nacional que poderia dar a justiça e o aparelho jurídico. Enfim, Tristezas. Partilho três músicas do filme Magnólia, bem como o início do artigo de Malçal Grilo.
https://www.publico.pt/2023/01/31/opiniao/opiniao/sintome-triste-2036953
Eduardo Marçal Grilo. Sinto-me Triste. Público. 31 de Janeiro de 2023, 0:27
Inteligência Artificial, Machine Learning e composição musical

Pedro Costa, doutorado em Sociologia, investigador do CECS – Centro de Estudos Comunicação e Sociedade, acaba de publicar o artigo A Inteligência Artificial e Seus Herdeiros no blogue Margens (https://tendimag.com/?p=55533). Um ensaio sobre a Inteligência Artificial, o Machine Learning e o futuro da criatividade, designadamente no que respeita à música. Pertinente, oportuno, bem escrito, fundamentado e criteriosamente ilustrado, trata-se de um texto raro, subtil e ousado. Aproveito para acrescentar quatro vídeos excelentes relativos a outras tantas músicas emblemáticas da relação entre o homem, a máquina e as emoções: The Robots (1978), dos Kraftwerk; Wellcome To The Machine (1975), dos Pink Floyd; All Is Full Of Love (1997), da Bjork; e How Does It Make You Feel (2001), dos Air.
A lupa e o telescópio. O tango das escalas

“Lorsqu’on change d’échelle les phénomènes changent non seulement de grandeur mais aussi de nature / Quando se muda de escala os fenómenos mudam não só de dimensão mas também de natureza” (Olivier Dollfus, L’espace géographique, Paris, P.U.F., 1970, p. 22)
Importa cruzar escalas: observar de perto, para sentir, senão partilhar, o que as pessoas fazem; e com algum recuo, para saber, senão estranhar, o que se está a fazer.
Procissão, de Jean Villaret, e Amsterdam, de Jacques Brell, possuem a virtude de oscilar entre o pormenor e o conjunto, o ato e o resultado, os participantes e uma realidade coletiva, a procissão, os marinheiros e a cidade, Amsterdão. São, certamente, diferentes, mas a diferença não constitui, necessariamente, um problema.
Amor e lamentação

“1 | Jesus, porém, foi para o monte das Oliveiras.
2 | Ao amanhecer ele apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reuniu ao seu redor, e ele se assentou para ensiná-lo.
3 | Os mestres da lei e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério. Fizeram-na ficar em pé diante de todos
4 | e disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério.
5 | Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? “
6 | Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo. Mas Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo.
7 | Visto que continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”.
8 | Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão.
9 | Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando com os mais velhos. Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele.
10 | Então Jesus pôs-se de pé e perguntou-lhe: “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou? “
11 | “Ninguém, Senhor”, disse ela. Declarou Jesus: “Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado”. (Versículos do Capítulo 8 do Livro João; João 8:1-11)
Entre os megafones da acidez recorrente e as canções de amor e lamentação, hoje, prefiro ouvir as últimas. Proporcionam-me mais sossego e esperança.
Clara-Jumi Kang. Violinista sul-coreana
Não convém confundir popularidade com populismo, nem populismo com totalitarismo, embora, por vezes, se deem as mãos. Atravessamos momentos em que o que pode ser é. E o que parece, também. Este atalho no entendimento não deixa de comportar riscos no que respeita à justeza dos comportamentos e dos pensamentos.

Este é um artigo com rabo na boca. Com origem e destino em casa. A violinista Clara-Jumi Kang, figura célebre da Coreia do Sul, interpreta Meditation, da ópera Thais (1894), de Jules Massenet, e Primavera, das Quatro Estações de Buenos Aires (1969), de Astor Piazzolla. É acompanhada, respetivamente, pela Orquestra Filarmónica de Seul e pela orquestra de câmara Sejong Soloists, ambas sul-coreanas. Um lote à feição do Fernando, apreciador de culturas orientais, e da Conceição, incondicional do Astor Piazzolla.
Nevão

A neve brilha em todos os ecrãs. Também pode brilhar no Tendências do Imaginário. A reportagem da Altominho.tv dedicada ao “primeiro nevão do ano” nas freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro de tão bela merece um pequeno recanto.
Há dias aludi à música “fresca” do trompetista norueguês Nils Petter Molvaer, pioneiro na fusão de Jazz com música electrónica. Algo estranha, parece-me condizer com o vídeo da Altominho.tv.
A Caverna dos Fantasmas de Estimação. The Cinematic Orchestra
Numa poltrona ampla, perto de uma lareira abençoada, pode-se viajar, no inverno, até ao infinito (Hippolyte Laroche)
Há anos que não me expunha assim, tão fora de casa e tão fora de mim. Deixei o mundo penetrar até aos ossos e a expressão soltar-se. Como desfecho, sinto-me massajado, amassado e moído. Surpreendo-me, por drástica que tenha sido a vacina, a desejar o torpor cálido da caverna. Com a visita desta frente nórdica, frio apenas tolero o da música, compassada, suave, minimalista… Etérea!

Por exemplo, a trompete do norueguês Nils Petter Molvær. Ao procurar nos discos, tropecei nos The Cinematic Orchestra. Afins, também servem. Talvez não sejam do agrado de todos, mas não me inibo em partilhar coisas que colidem com o gosto alheio, apenas não partilho aquelas de que não gosto. Acontece colocar música a pensar numa única pessoa, que, porventura, não vejo há uma eternidade e decerto não voltarei a ver. O suficiente. Fantasmas de estimação!
Momentos mui raros


Raros o forno, o pão e a gargalhada. Em boa companhia e sabedoria. Depois da tenda com chouriço, do pão com chocolate e da sopa de batata, só faltou queimar as calorias com uma dança ao jeito, por exemplo, do Grupo Etnográfico da Casa do Povo de Melgaço ou com uma música da Brigada Victor Jara.
Contraste

Iggy Pop acaba de editar, no dia 6 de janeiro, com 75 anos, um novo álbum: Every Loser. Coloco duas canções: “Morning Show” e “Strung Out Johnny”. Uma recaída do fascínio pelos septuagenários do rock? Neste caso, talvez não. Na verdade, tenho há algum tempo em reserva a Canção à Lua, da ópera Rusalka (1900), de Antonin Dvorak. Falho de inspiração, não encontrei melhor solução do que a introduzir por contraste: o “Padrinho do Punk” Iggy Pop a preceder a “Diva”, também septuagenária, Frederica Von Stade. Um sacrilégio?
O Príncipe e a Fábula das Abelhas

“Pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao bem-estar” (Maquiavel. O Príncipe. 1532. Capítulo XV).

Acordei virado do avesso, os pés no lugar da cabeça, e uma insólita tentação de revisitar O Príncipe (1532), de Nicolau Maquiavel, e A Fábula das Abelhas (1714), de Bernard Mandeville. Atordoa-me um turbilhão de dúvidas e perplexidades.
O maquiavelismo é a forma mais maléfica de equacionar a política? E a missão do político ganha em ser aproximada da santidade?

Assediam-me fantasmas, pouco católicos, que subjugam as más consequências às boas intenções. Por exemplo: a perversidade apologética da honestidade; o cortejo de sentenças espetaculares antecedentes a investigações e julgamentos arrastados; o coro mediático como júri e a massa como patíbulo; os magistérios e os ministérios como mistérios previsíveis; a legislação do nojo político como nojo da legislação política; a realidade refém da aparência, a suspeição erigida em regra e a confiança em exceção; a vigilância das marionetas e a invisibilidade dos cordéis; a desgraça da política e a glória do oportunismo; a desvalorização dos cargos visando a excelência dos ocupantes; a navegação sem norte aspirando abarcar, assim, o mundo; o homem sem qualidades à espera do salvador iluminado; o povo a marinar no lume brando do populismo: e mais uma orgia de aporias e paradoxos gastos e recorrentes. Em suma, um simulacro transgénico que coteja contrários: puritanismo e irresponsabilidade, soberba e miopia, com inestimável incidência no destino da sociedade. Segue o poema A Fábula das Abelhas, de Bernard Mandeville, merecedor de atual e redobrada consideração.