O vício de viver e o canto do cisne

A distância mais curta entre a moto e o prazer não é a linha reta mas a curva! (Renard Argenté).
O direito e o retorcido, o sedentário e o nómada, o previsível e o errático, as formas que pesam e as formas que voam (Eugenio D’Ors), o conforme e o disforme, a norma e o desvio constituem oposições que alicerçam o nosso imaginário, contrapondo o clássico ao barroco. Inspiram, naturalmente, a publicidade.
Em 2007, fiz uma comunicação sobre o barroco na publicidade de automóveis (capítulo quarto do livro Vertigens. Para uma Sociologia da Perversidade, livro acessível em: https://core.ac.uk/download/pdf/229419944.pdf). Em 2009, complementei com uma comunicação sobre o barroco na publicidade em geral (pdf acessível em https://tendimag.com/wp-content/uploads/2020/03/albertino-gonc3a7alves.-como-nunca-ninguc3a9m-viu.-imagem-e-pensamento-2.pdf). Cada comunicação foi acompanhada por um vídeo, respetivamente, O meu carro é barroco (versão original no fim do artigo) e O origami mágico (https://tendimag.com/2020/03/13/licao-imaterial/). Gosto destes textos. São o meu canto do cisne.
O anúncio brasileiro Dia do Motociclista, da Honda Motos, tem um andar barroco:
“O que se passa na sua cabeça? Você já deve ter ouvido essa pergunta antes. Por quê escolher o vento e não o conforto do ar condicionado? Trocar uma música pelo ronco do motor. Como alguém pode ignorar o GPS e ir pela estrada mais longa? O que se passa na sua cabeça? Na verdade é que não tem como explicar o inexplicável. Faz parte da nossa natureza, de quem a gente é.”
Cavaleiro do asfalto, blouson noir, hell’s angel, a figura do motociclista, isolado ou em tribo, é um alfobre de símbolos. Correm no outro lado da rua. Abundam os anúncios com este discurso barroco. Recordo o anúncio New Road, da Citroen. Um condutor aborrece-se numa estrada plana e recta. Insatisfeito, amarrota um mapa sobre o capot. Por magia, irrompem montanhas e a estrada contorce-se. Adivinham-se quilómetros de curvas e contracurvas a subir e a descer montanhas. O condutor agradece: a emoção vence o tédio.
Leve, levemente

O tempo passa, mas não para
Nos anos sessenta, as baladas italianas apoderavam-se da rádio. Dar o que as pessoas gostam é um reforço. Dar-lhes o que desconhecem, uma promessa, habitualmente perdida. O siciliano Peppino Gagliardi alcançou vários sucessos. Por exemplo, Che vuole questa musica stasera … (1967) e Sempre… Sempre (1971).
Os especialistas do gosto

Quem gosta mais de ti do que tu? Quem gosta mais do que tu gostas? Quem te estuda e prevê? Centros de investigação, empresas de marketing, agências de publicidade, políticos, sociólogos, psicólogos, semiólogos… A missão? Conhecer para seduzir, conhecer para antecipar. Bernard Cathelat e o CCA (institut d’étude des Socio-Styles de Vie)) são um bom exemplo : dedicam-se à cartografia e à infografia dos comportamentos e das tendências sociais. E vendem os resultados (Cathelat, Bernard, Socio-Life Styles Marketing, the new science of identifying, classifying and targeting consumers, Probus Publishing, Chicago, 1994). O livro A Distinção (1979), de Pierre Bourdieu, oferece-se como uma bíblia do estudo dos gostos e dos estilos de vida.
Num catálogo online, os produtos piscam-te o olho, parecem escolhidos a pensar em ti. Numa loja de roupas, há peças que estão à tua espera. Parece bruxedo, uma nova espécie de “feiticismo da mercadoria” (Karl Marx, O Capital, 1867). Jean Baudrillard fala em “estatuto miraculoso do consumo” (A Sociedade de Consumo, 1970). O Youtube sugere alternativas, “expressamente para nós”. Os cookies ajudam. Já dizia a rainha santa Isabel: “são bolachas, Senhor!”. Que conforto haver especialistas capazes de gostar por nós. Nada novo sob o sol da inteligência, trata-se de uma verdade gasta, mais gasta do que as calças de um cowboy. Ferrugem da sociologia litúrgica. Ninguém esconde, ninguém disfarça. O anúncio espanhol ADN, da empresa Adolfo Dominguez, proporciona uma ilustração desinibida. A verdade despida.
“ADN combina dos tipos de inteligencia. Un algoritmo que crea un perfil con tu estilo al completar un test online. Y un equipo de estilistas que saben lo que te queda bien”.
Umbigos flácidos

Dizem que o mundo está líquido, como a lama. Pois, deixá-lo estar. Mas duvido. Continuo a dar cabeçadas. E se está mole, depressa fica vertebrado: atente-se na experiência do confinamento; até aos cemitérios e às urnas chegou o decreto de Estado. Isto anda mole? Se essa é a vossa opinião… Quando brilham os faróis, escurecem os pirilampos. A ser verdade, esta história da moleza tem consequências. Sem verticalidade nem consistência, não há lugar para pessoas firmes e hirtas, “feitas de uma peça só”. Onde vamos pendurar a honra? Neste mundo de plasticina estaladiça e identidades fugidias, hesita-se em firmar compromissos com quem quer que seja, cara de roleta ou pés de barro. Numa sociedade sem honra nem narrativa, assiste-se ao milagre da multiplicação dos umbigos flácidos. Só quebra quem não torce. Kurt Cobain partiu.
Pausa para trabalhar

“Durante muito tempo, pensei que o papel do artista era despertar o público. Hoje, quero oferecer-lhe no palco aquilo que o mundo, cada vez mais duro, deixou de lhe oferecer: momentos de amor puro (Pina Bausch).
A pandemia comprime o tempo e multiplica os surtos de trabalho. Julho revelou-se um pico maior que o Evereste. Ocorre a figura do judeu em terras de faraó a subir a montanha de costas. Nos próximos tempos, prometo empenhar-me em fazer aquilo que não presta, bem como aquilo que não devo. Que prazer poder e não fazer, ouvir as sereias junto à Ilha dos Amores. O Tendências do Imaginário esteve onze dias quedo e mudo. É estranho ter saudades do vício. “O trabalho não liberta”, tal como o resto. “Welcome to the pleasuredome” (https://tendimag.com/2018/06/19/canteiros-do-prazer-pleasuredomes/).
Pina Bausch é a dança. Wim Wenders dedicou-lhe um filme: Pina (2011). O vídeo “Seasons March” é um excerto. A última música é um fado de Coimbra: “Os teus olhos são tão verdes”. Aproveito para recolocar o vídeo “Dead Can Dance – Song of the Stars (Versão Pina Bausch”. Se já viu, é uma ocasião para ver com outros olhos.
O espírito do vento

In 1989, F1 star Ayrton Senna shattered the lap record at Suzuka driving a McLaren-Honda, when the science of onboard racecar telemetry was still fairly new. In this new film short, Honda technicians took the original data files and, using only sound and light to indicate Senna’s position, reconstructed his flying lap around the historic Suzuka track” (http://www.ayrton-senna.net/sound-of-honda-ayrton-senna-1989/).
Ayrton Senna “regressa” ao circuito de Suzuka, numa iniciativa da Honda.
Fantasmas não faltam na música Spirit in the Night, de Bruce Springsteen (1973). O cantor esquece-se da letra durante um concerto em Barcelona (2002).
Os Manfred Mann’s Earth Band retomam a música de Bruce Sprinsteen no álbum Nightingales & Bombers (1975). Uma versão distinta.
Palavra de criança

É considerada uma das peças mais originais do escultor francês Auguste Rodin (1814-1917). O artista usou um busto feminino de terracota como ponto de partida e recriou-o com gesso, argila, pasta de papel, cera e pregos . O cabelo está coberto de vários tipos de cera, que lhe dão diversos tons amarelados. A pele está impregnada de pequenos pregos, dando o efeito de pigmentação.
Esta obra, executada em 1894, de um realismo impressionante, retrata uma jovem em sono profundo, numa pose que sugere ter adormecido numa meditação relaxante, típica das técnicas orientais (O Sono de Auguste Rodin: http://www.isleep.pt/sono-auguste-rodin/).
Em tempo de pandemia, a brasileira Bradesco Saúde produz vários anúncios de homenagem aos profissionais de saúde (ver “Fascinação”: https://tendimag.com/2020/05/22/cuidados-de-saude/). Em “Décadas”, as crianças idolatram uma profissão por década: 1940s, piloto de avião; 1950s, cantor de rock; 1960s, astronauta; 1970s, jogador de futebol; 1980s, piloto de corrida; 1990s, jogador de basquetebol; 2000s, bombeiro; 2010s, atleta; e 2020s, “médico ou enfermeira”. A verdade das crianças é, como se sabe, a mais verdadeira.
“Durante toda a história da humanidade, acho que sempre existiram atividades ou profissões que inspiraram as crianças em determinado momento. E é nítido que, agora, são os médicos e profissionais de saúde que têm cativado e encantado a todos pela coragem, dedicação e importância social. Acho um insight muito bacana que se materializou num lindo filme, com roteiro e execução impecáveis” (Pernil, ECD da AlmapBBDO; https://www.bradescoseguros.com.br/clientes/noticias/noticia/profissionais-de-saude-ganham-mais-uma-homenagem-bradesco-saude).
Entre a mão de Deus e o rabo do Diabo

Estranhas as escadas em que desconhecemos se subimos ou descemos, se nos espera a “mão de Deus” ou o “rabo do Diabo”. Coloco duas versões do I Get Up I Get Down, dos Yes: só com a voz de Jon Anderson e com todo o grupo.