Pare, escute e sente-se!

Estou a escrever um texto que não me inspira. Mal começo, as letras rastejam para fora do ecrã. Só um milagre me impede de apertar o pescoço ao pensamento: Nina Hagen, a “rainha do punk”. Voz única, música única, coreografia única, imagem única. Tudo único. Lembra o Klaus Nomi. Estou com saudades de cultura fresca servida num espetáculo estranho, corrosivo e pujante. Nina Hagen interpreta o African Reggae no programa de Michel Drucker na Televisão Francesa, em 1980 (?).
Vitalidade
Gosto de filmes de animação com animais. Os esquilos são excelentes actores. No anúncio Écureuil, da Vittel, um esquilo voa para encestar bolotas.
O sorriso dos alimentos

O Tendências do Imaginário está a atravessar um período de abstinência em matéria de anúncios publicitários. Quebra de qualidade ou saturação? Encontrar um bom anúncio está-se a tornar mais difícil do que quebrar o ovo de Colombo. Já não sei procurar? Entrei, há muito tempo, em piloto automático. O fenómeno é estranho. Certo é que, bonitos ou feios, só coloco anúncios de que gosto.
O anúncio checo No Smile Land, da Rohlik.cz, revelou-se difícil de desencantar e transportar. Nas histórias vulgares, as pessoas perdem o riso; nesta, não perdem o que não têm. Mas encontram-no! Sem palhaço nem fada madrinha. Graças à comida! Para quem é leitor do François Rabelais, a ligação entre a comida e o riso é familiar. Por sinal, as partes do corpo mais associadas à comida, a pança e a bunda, são também as mais risíveis.
Existem anúncios que sobressaem pelas atmosferas que criam. O No Smile Land recorda os contos de E.T.A. Hoffmann.
Três feridas

Joan Baez foi companheira de Bob Dylan. A sua carreira está repleta de canções e interpretações notáveis. Por exemplo, Diamonds and Rust e Blowing in the wind. O seu estilo parece ganhar quando canta em espanhol. Tenho um álbum de Joan Baez (Gracias a la vida, 1974) com treze canções em espanhol. Retenho três.
A leste do Rubicão. Bob Dylan

Three miles north of purgatory / One step from the great beyond / I prayed to the cross, I kissed the girls / And I crossed the Rubicon (Bob Dylan, Crossing the Rubicon, 2020).
Deus criou o mundo. Ficou com o Paraíso, o Diabo, com o Inferno. Mais tarde, Deus inventou o Purgatório, para transição das almas em penitência. A gestão da purga e das penitências ficou a cargo de uma agência especializada.
O além começa aqui. Jean-Paul Sartre afirma que o “inferno são os outros”, pode acrescentar-se que “o purgatório somos nós”. Já ninguém se banha no rio Rubicão.
Rachael Yamagata
A sombra derrete ao sol. Uma música mexida transpira. Uma música calma entorpece. E a Rachael Yamagata?
As malhas do género

Três anúncios excelentes,
Tem vindo a crescer o número de anúncios dedicados ao género. Abrangem todas a categorias: transgénero, homossexual, lésbica, heterossexual… A maioria propõe anúncios de promoção. Existem, no entanto, anúncios que, embora centrados no género, não visam a promoção de uma categoria, mas a exposição da sua condição, sem visar uma “vantagem competitiva”. Parece ser o caso do anúncio Womb Stories, da Libresse. “Histórias de úteros”, com dores e prazer, amor e horror, que revelam uma relação contraditória com corpo e a mente. O anúncio é impactante. A combinação de sequências filmadas e de animação funciona magistralmente.
“And yet the same research found that half of women feel society wants them to keep silent about their experiences, while half of women felt staying silent about their issues damaged their mental health. This leads to a damaging silence around a range of difficult and sensitive issues that women face every day. The physical concern may be treated, but the emotional dimension is often left unheard and overlooked” (https://www.lbbonline.com/news/libresse-tells-a-wombstory-no-ad-has-told-before-in-latest-taboo-busting-ad).
O anúncio #ShareTheLoad, da Ariel, adopta um discurso feminista num país, a Índia, patriarcal. Teve um impacto mediático e social considerável. Ganhou vários prémios. Trata-se de um anúncio que promove, assumidamente, a condição feminina.
O anúncio Francesca, da Diesel, é um misto de exposição de uma condição e promoção de uma categoria.
“No mês do orgulho LGBTQI+, a DIESEL apresenta seu novo filme “Francesca”, dirigido por Francois Rousselet e realizado com o Conselho da Diversity, associação italiana comprometida com a promoção da inclusão social.
O filme criado pela Publicis Itália mostra cenas de uma jovem transgênera e sua jornada durante o processo de transição de gênero. Vemos Francesca, que nasceu menino, se transformar em uma linda mulher, enquanto acompanhamos seu cotidiano, as descobertas dos elementos que compõem o universo feminino e sua relação com a fé, que a leva a buscar a vida em um convento” (https://www.youtube.com/watch?v=535_479z-hM).
O outro lado
Vazio de pensamento. Caiu herbicida nos neurónios. Preciso de uma inspiração que me despasme. Que me vire do avesso.
A estranheza da vida

Acabei um artigo, faltam quatro. Uma fordização. Não me queixo. Alguns foram pedidos no ano passado. Sou um compressor compulsivo. Tudo para depois do prazo. Caía bem uma música que erga a vontade mais alto do que uma bandeira. Preciso de um hino. Rock progressivo envelhecido. Pode ser Isn’t Life Strange, dos The Moody Blues? Nada como experimentar.