A Cadeira de Fechar
Este anúncio da IKEA é uma delícia! Pela ideia. E pela ternura com que arrasta essa ideia durante dois longos minutos. A ausência inesperada de assento no banco da rotina despoleta no protagonista, “una persona mayor”, um sobressalto de mudança. Um chamamento para a vida que lhe dá asas, aproximando o paraíso da terra. Depois de ver este anúncio estival com espírito natalício, também vou arranjar uma cadeira de fechar. Leve! Leve como o tempo. Este não é um anúncio de consciencialização, mas bem podia ser! Tem sensibilidade e vocação mais do que suficientes para se adaptar a esse fim.
Marca: IKEA. Título: Empieza algo nuevo. Agência: Scpf. Direção: Pep Bosch. Espanha, Agosto 2013.
A Publicidade e a Música
Na comemoração dos 110 anos, a Harley-Davidson lança uma nova linha com a etiqueta Project Rushmore. A campanha abre com o anúncio Our Night (vídeo 1), que aposta na sucessão de fragmentos (da máquina e dos motards), bem como na música (a HD abriu expressamente um concurso, tendo sido seleccionados os irlandeses The Strypes com um cover de Come Together, dos Beatles (vídeo 2). O resultado é brilhante. É verdade que a aposta em fragmentos (detalhes e pormenores) e em música original e impactante vem de longe. Lembro, por exemplo, o anúncio See How It Feels (2007), da BMW, com um cover da 9ª Sinfonia de Beethoven pelos germânicos UNKLE (vídeo 3).
Marca: Harley-Davidson. Título: Our Night. Agência: VSA Partners, Chicago. Direção: Alexander Paul. EUA, Agosto 2013. Música: The Strypes.
The Strypes. Come Together. 2013.
Algumas bandas adquiriram fama graças a este tipo de publicidade. Por exemplo, os suecos Oh Laura, com o anúncio Release Me (2007), da SAAB (vídeo 4). A publicidade e a música, aproximam-se numa parceria aparentemente virtuosa. Na verdade, o grosso da publicidade repousa em canais, como a televisão, que tendem a funcionar cada vez mais de um modo ambiental. Já não beneficiam nem da exclusividade da atenção nem do essencial do interesse dos públicos. Neste quadro, importa estimular todos os sentidos. A audição sobressai como um dos mais decisivos.
Anunciante: BMW. Título: See How It Feels. Agência: WCRS, London. Direção: Warren Du Preez & Nick Thornton Jones. Reino Unido, Fevereiro de 2007. Música: UNKLE.
Sobre a figura do fragmento na publicidade, publiquei, em 2009, um artigo “dobras e fragmentos: a turbulência dos sentidos na publicidade de automóveis”, retomado no livro Vertigens. Para uma sociologia da perversidade, Coimbra, Grácio Editor, 2009, pp. 47-63. Pode descarregar o texto sem as imagens aqui: Dobras e Fragmentos. Enfim, tenho um carinho muito especial pela Harley-Davidson, uma vez que colocámos uma destas máquinas de culto entre dois enormes anjos tocheiros na exposição Vertigens do Barroco, no Mosteiro de Tibães. O efeito foi fantástico.
Anunciante: Saab. Título: Release Me. Agência: Lowe Brindfors, Sweden. Suécia Junho 2007. Música: Oh Laura.
Peso nos ombros
Este vídeo, com a canção “Decades” (1980), dos Joy Division, não é oficial. Foi publicado décadas depois do suicídio do vocalista, Ian Curtis, e consequente desagregação do grupo (1980). Não deixa de ser um trabalho interessante. Insiste na alusão à história, convocando espaços, momentos e figuras marcantes. Uma história que não fizemos, mas que tão pouco impedimos: “Where have they been?” Várias passagens remetem para a arte. O vídeo termina com um morphing de quadros célebres. A inserção das fotografias de Eadweard Muybrdge (a quem já dedicámos um artigo: http://tendimag.com/2013/03/25/fotografar-o-movimento-do-corpo/) é uma opção de mestre. O autor do vídeo assina anemic silence.
Joy Division. Decades (Closer, 1980). Direção: Anemic Silence. 2008.
Maçã de Outono
Não é qualquer marca que se permite um anúncio como este. Minimalista, sem narrativa e não figurativo. Ele é a história, ele é a figura. A lembrar os filmes de James Bond, a música, essa sim, enche qualquer espaço deixado vazio. Há anúncios assim, que se fazem esperar. Saem primeiro no cinema; a demais publicidade pode aguardar. E basta-lhes sugerir levemente, dizer quase nada, para o anúncio ser um sucesso. Por um lado, a Apple conjuga design e performance. Por outro lado, o que importa, o que realmente interessa, o que está em jogo, é uma simples frase: “Mac Pro – Fall 2013”. Este é, de facto, um anúncio: Mac Pro, o futuro do computador, “universo, fogo e visão”, está a chegar. Tanto quanto baste para criar suspense e frisson.
Marca: Apple. Título: Apple Mac Pro. Agência: TBWA. EUA, Agosto 2013.
Banco Mum & Dad em crise
Este anúncio da Shelter é uma obra-prima. Parodia a comunicação social e parodia o mundo financeiro. Enquanto que os governos adquirem e consolidam bancos, o Mum & Dad afunda-se. É, não obstante, o único a quem compete financiar o combate ao défice. “Breaking news: the Bank of Mum and Dad, which lends £2billion a year to help children with housing costs, has run out of funds and looks likely to close”. A Shelter chama assim, com humor e inteligência, a atenção para duas realidades preocupantes: a pressão crescente e insustentável que se abate sobre as famílias e o aumento das necessidades em termos de habitação.
Anunciante: Shelter. Título: Breaking News – Bank of Mum & Dad in crisis. Agência: Leagas Delaney London. Direção: Mark Denton. Reino Unido, Agosto 2013.
Sem pestanejar
Há anúncios assim. Comparativamente longos, optam por se atardar em torno de um assunto lateral. O produto propriamente dito é abordado na parte final. O corpo e a conclusão do anúncio requerem, no entanto, algum tipo de ligação. É frequente a ligação entre o tema e o produto convocar as figuras do excesso e da excepção. Por excesso, a mulher, ofuscada pelo Honda, não conseguiria parar de pestanejar. O anúncio aposta, porém, na excepção: seduzida pelo automóvel, a mulher, contra a natureza humana, deixa de pestanejar. De qualquer modo, seja por excesso, seja por excepção, o produto, o automóvel, respira diferença e distinção, num piscar de olhos feito de luz e visão.
Existe um anúncio argentino, enternecedor, que também incide sobre o ato de pestanejar (para aceder: http://tendimag.com/2012/06/24/teus-olhos-risonhos-sao-mundos-sao-sonhos-alves-coelho/).
Marca: Honda. Título: Papadeos. Agência: DraftFCB, Puerto Rico. Direção: Alvaro Aponte Centeno, Porto Rico, Agosto 2013.
Palavras do tamanho do mundo
Este anúncio das Nações Unidas centra-se na palavra. É certo que “no mundo há muitas palavras e poucos ecos” (Goethe), e, contrariando Sólon, “a palavra [não] é o espelho da acção”; a palavra pode, inclusivamente, ser o seu disfarce. O anúncio convoca 19 palavras para expressar aquilo que “o mundo mais necessita”. Palavra puxa palavra, e outras ocorrem. Por exemplo, a verdade. Realidade complicada, pela qual muitos seres humanos deram a vida. Uma palavra que caberia em mais três segundos de anúncio. Sem ela, as demais palavras arriscam-se a ser levadas pelo vento. Um vento, porventura, tóxico.
Anunciante: ONU, World Humanitarian Day 2013. Título: The World Needs More. Agência: Leo Burnett, New York. EUA, Agosto 2013.
Fotografias
A fotografia regressa em força, como proclama a caricatura do anúncio da Microsoft. Graças ao digital, à internet e aos novos comportamentos. A fotografia é arte, passatempo, predação visual e memória. Memória deslocada, episódica, certificada, instantânea. Uma fotografia é capaz de captar um monte galego como nunca mais (figura 1). Quem vai à Bienal de Vila Nova de Cerveira arrisca-se a perder o imperdível, mas as fotografias não perdoam: há empreendedores criativos, herdeiros avançados do artesanato tradicional popular (figuras 2 a 5). Deve ser isso a indústria criativa empreendedora. Em suma, às vezes, até parece que as fotografias são as bengalas da nossa cegueira.
Marca: Microsoft. Título: The Recital. Agência: Crispin Porter + Bogusky. EUA, Agosto 2013.
- Figura 2. Empreendedorismo criativo 1. Cerveira. Fotografia: João Domingues
- Figura 3. Empreendedorismo criativo 2. Cerveira. Fotografia: João Domingues
- Figura 4. Empreendedorismo criativo 3. Cerveira. Fotografia: João Domingues
- Figura 5. Empreendedorismo criativo 4. Cerveira. Fotografia: João Domingues
Imagens de Salvação

Um artigo com este perfil, só em férias, por vaidade e com vontade. Ano após ano, reuni centenas de imagens de livros de oração medievais. Constituem um dos principais repositórios fantásticos da humanidade. Não foi fácil seleccioná-las. Quanto às músicas, ainda foi mais complicado: destacaram-se duas cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o Sábio, interpretadas pelo Clemencic Consort. A meu ver, a música é a parte mais preciosa do vídeo. Sobram músicas prodigiosas por todo o mundo e em todas as épocas. Com a devida vénia à pós-modernidade, a “conquista do presente” e o umbigo globalizado têm alguma propensão para nos focar o olhar e nos empobrecer. Este vídeo não propõe nada de especial, a não ser que se veja ao espelho com outra cara.
Ao iniciar o vídeo, carregue, por favor, em HD, no canto superior direito. A qualidade compensa.
Albertino Gonçalves. Imagens de Salvação. Agosto 2012.