A Origem de Tudo

O anúncio brasileiro A Origem de Tudo, para a exposição Show Rural Coopavel, ilustra à saciedade um provérbio elementar: “Tudo vem da terra e a ela retorna” [eventualmente, intragável].
Aconselho o artigo Atribulações das Almas: https://margens.blog/2023/01/15/atribulacoes-das-almas-em-transito/
O Olhar de Deus na Cruz. O Cristo Estrábico
Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecesseis (São Paulo, 2 Coríntios 8:9).


Consegui extrair a lição sobre o “Cristo estrábico” (de 29 de novembro) com o som mais nítido. Ao vídeo no YouTube, acrescento a respetiva apresentação (Powerpoint). Fica assim concluído o episódio, grato, da homenagem. Outras atividades esperam: um capítulo, com o Américo Rodrigues, para um livro sobre Castro Laboreiro; a criação, que se arrasta, de um blogue coletivo; e a preparação da aula “Vestir os nus: a destruição e a censura da arte”, prevista para o dia 18 de fevereiro.
Para aceder à apresentação em powerpoint, descarregar a partir do seguinte link:
Chorar veneno

Zeca Baleiro, nascido em 1966, é um compositor e cantor brasileiro. Desde 1997, editou 14 álbuns. O último, Canções d’Além-mar, de 2020, contempla, exclusivamente, músicas de cantores portugueses, de Sérgio Godinho e Pedro Abrunhosa a Jorge Palma e José Cid, passando, por exemplo, por José Afonso, António Variações e Rui Veloso. Seguem quatro canções de Zeca Baleiro: Bandeira; Lenha; Meu amor meu bem me ame; e Tem que acontecer. A primeira do álbum Por Onde Andará Stephen Fry? (1997) e as três restantes do álbum Vô Imbola (1999). Todas interpretadas ao vivo (álbum Líricas Ao Vivo, 2020).
Música mecânica
Existem anúncios em que pelo menos parte da banda sonora “musical” provém dos conteúdos. Seguem dois exemplos da Honda: The Motor Song e The Cog. Este último afirma-se como um marco na história da publicidade.
Escutar Brasil


Quem visita, nem que seja online, o Brasil, regressa encantado com a música.
Cristo estrábico

Continuo perdido na procissão de imagens de Cristo que me tira do meu conforto. Uma autêntica peregrinação que me desvia para os lugares mais desencontrados. Por exemplo, o Brasil, menos pelo Cristo Redentor do Corcovado (figura 2) e mais pelo Cristo zarolho do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, esculpido por António Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho (figura 1).

Trata-se de uma imagem particularmente notável e singular, porque comporta um misto de dois tipos de temas de Cristo: O Cristo Triunfante (Christus Triunfans) e o Cristo resignado (Chistus Patiens). O seu olho esquerdo fita em frente, fixo no infinito, ao jeito do Cristo triunfante, enquanto que o olho direito olha mais para baixo, tendendo a perder-se no solo, ao jeito das primeiras versões do Cristo resignado. Sobre esta combinação, e sobre o olhar de Cristo em geral, recomento o excelente artigo de Alexandre Ragazzi: “De olhos abertos, de olhos fechados: passado e presente da iconografia do Cristo crucificado”. MODOS. Revista de História da Arte. Campinas, v.4, n.2, p. 144-161, mai. 2020. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/mod/article/view/4324).

Asseveram-se raras as figuras ambivalentes de Cristo. Encontra-se uma polivalente em Portugal, no Museu Grão Vasco, em Viseu: um cristo articulado, datado de meados do séc. XII até ao 1.º quartel do séc. XIII (ver figura 3). “Esta escultura de madeira em tamanho natural (…) tem a particularidade de ser articulada no pescoço, braços – ombros, cotovelos e pulsos –, joelhos, quadril esquerdo e dois pés (…) Com esta configuração, a escultura pode ser adaptada tanto a uma configuração estática de um Cristo na Cruz , com os braços e pernas esticados, quanto a cabeça levantada e voltada para a frente ; e da Deposição da Cruz , bem como a Deposição na Tumba,outras iconografias igualmente poderosas no mobiliário litúrgico das igrejas da Península Ibérica, Itália, França e Alemanha, desde o século X, com especial incidência nos séculos XII e XIII, prosseguidas pelos séculos seguintes, até à Contra-Reforma em algumas regiões” (Carla Varela Fernandes: PATHOS – os corpos de Cristo na Cruz. Retórica do Sofrimento na Escultura em Madeira Encontrada em Portugal, Séculos XII-XIV. Alguns exemplos. Revista RIHA 0078 | 28 de novembro de 2013. Disponível em: https://journals.ub.uni-heidelberg.de/index.php/rihajournal/article/view/69842/67265).
Seria muita distração visitar as imagens de Cristo no Brasil e não recordar a canção Jesus Cristo, do Roberto Carlos, editada em 1970.
Por quem dobram os sinos?

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” (John Donne. “Meditação XVII”, 1623), do livro Devotions Upon Emergent Occasions. 1624).
Para os amigos do Brasil, duas obras de autores/artistas portugueses.
Procissão
Vou lhes dizer
Procissão
Festa na aldeia
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja
Vai passando a procissão
Mesmo na frente, marchando a compasso
De fardas novas, vem o solidó
Quando o regente lhe acena com o braço
Logo o trombone faz popopó, popó, popó
Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole
Trazem ao ombro brilhantes machados
E os capacetes rebrilham ao sol
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja!
Vai passando a procissão
Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!
Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos
E o mais pequeno perdeu uma asa!
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja!
Vai passando a procissão
Pelas janelas, as mães e as filhas
As colchas ricas, formando troféu
E os lindos rostos, por trás das mantilhas
Parecem anjos que vieram do céu!
Com o calor, o Prior vai aflito
E o povo ajoelha ao passar o andor
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de nosso senhor!
Tocam os sinos na torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia, que Deus a proteja!
Já passou a procissão
Fonte: Musixmatch
Compositores: Varios Artistas / António Lopes Ribeiro
Sentidos Pêsames
Ele há gente que vive de si
Ele há vícios de que a gente se ri
Todos me falam, nunca os conheci
Assisto ao seu enterro metam-nos pr’aí
Os meus sentidos pêsames
Que pena não viveres mais aqui
Ele há músicos que eu nunca ouvi
Ele há estilistas que eu nunca vesti
Ele há críticas que eu nunca percebi
E até managers de quem nada recebi
Os meus sentidos pêsames
Sinceros parabéns por desistires de vencer
Os meus sentidos pêsames
Saudades de quem não se sabe vender aqui
Onde eu já vivi, sem saber como nem quando, onde eu já dormi
Condolências p’ra quem continua sem saber o que faz aqui
E como eu só vivi, também já acordei um dia sozinho
E no entanto, no entanto lembrei-me de ti
Aceita as condolências, deixa-te morrer, não fazes falta aqui
Quando te fores haverá sempre elogios
E alguém que se riu de ti
Onde eu já vivi
Fonte: MusixmatchCompositores: Rui Reininho / Alexandre Soares / Gnr
Super-homens paralímpicos

Na véspera da abertura dos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 (de 24 de agosto a 5 de setembro de 2021), estreou o anúncio We the 15, promovido pela International Paralympic Committee (IPC) e pela International Disability Alliance (IDA).
WeThe15 is sport’s biggest ever human rights movement to end discrimination. We aim to transform the lives of the world’s 1.2 billion persons with disabilities who represent 15% of the global population. Launching at the Tokyo 2020 Paralympic Games, We The15 plans to initiate change over the next decade by bringing together the biggest coalition ever of international organisations from the world of sport, human rights, policy, communications, business, arts and entertainment (We the 15: https://www.wethe15.org/).
O anúncio consiste numa série de sequências com performances de desportistas com deficiência. Acrescento os trailers Super. Human, divulgado um mês antes, e We’re The Superhumans, destinado aos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiros de 2016, ambos publicados pelo Channel 4, no mês de julho de 2021 e 2016, respetivamente. Partilhando, aproximadamente, o mesmo formato, os três vídeos são impressionantes. Relevo, em particular, o último, do Rio de Janeiro, pela aceleração vertiginosa das imagens.
Transcrevo, e recomendo, um excerto do livro Estigma, de Erving Goffman, editado em 1963, que propõe uma tipologia das estratégias, atitudes e comportamentos sociológicos e psicológicos dos estigmatizados, entre os quais os deficientes, face aos outros e a si próprios, que distingue este género de iniciativas, incluindo os presentes trailers. Erving Goffman consta entre os meus dez sociólogos preferidos.
Erving Goffman. Estigma, 1963; excerto do capítulo 1. Estigma e Identidade Social.
“A característica central da situação de vida, do indivíduo estigmatizado pode, agora, ser explicada. É uma questão do que é com freqüência, embora vagamente, chamado de “aceitação”. Aqueles que têm relações com ele não conseguem lhe dar o respeito e a consideração que os aspectos não contaminados de sua identidade social os haviam levado a prever e que ele havia previsto receber; ele faz eco a essa negativa descobrindo que alguns de seus atributos a garantem. Como a pessoa estigmatizada responde a tal situação? Em alguns casos lhe seria possível tentar corrigir diretamente o que considera a base objetiva de seu defeito, tal como quando uma pessoa fisicamente deformada se submete a uma cirurgia plástica, uma pessoa cega a um tratamento ocular, um analfabeto corrige sua educação e um homossexual faz psicoterapia. (Onde tal conserto é possível, o que freqüentemente ocorre não é a aquisição de um- status completamente normal, mas uma transformação do ego: alguém que tinha um defeito particular se transforma em alguém que tem provas de tê-lo corrigido.) Aqui, deve-se mencionar a predisposição à “vitimização” como um resultado da exposição da pessoa estigmatizada a servidores que vendem meios para corrigir a fala, para clarear a cor da pele, para esticar o corpo, para restaurar a juventude (como no rejuvenescimento através do tratamento com gema de ovo fertilizada), curas pela fé e meios para se obter fluência na conversação. Quer se trate de uma técnica prática ou de fraude, a pesquisa, freqüentemente secreta, dela resultante, revela, de maneira específica, os extremos a que os estigmatizados estão dispostos a chegar e, portanto, a angústia da situação que os leva a tais extremos. Pode-se citar um exemplo: “Mias Peck (uma assistente social de Nova York, pioneira de trabalhos em beneficio de pessoas com dificuldades auditivas) disse que outrora eram muitos os curandeiros e charlatães que, desejosos de enriquecer rapidamente, viam na Liga (para os que tinham dificuldades de audição) um frutífero campo de caça, ideal para promoção de gorros magnéticos, vibradores miraculosos, tímpanos artificiais, sopradores, inaladores, massageadores, óleos mágicos, 11 bálsamos e outros remédios que curam tudo, garantidos, positivos, à prova. de incêndio, e permanentes para a surdez incurável. Anúncios de tais artifícios (até a década de 20, quando a Associação Médica Americana decidiu promover uma campanha de investigação) atacavam os que tinham dificuldades de audição, pelas páginas da imprensa diária, inclusive revistas bem conceituadas.” O indivíduo estigmatizado pode, também, tentar corrigir a sua condição de maneira indireta, dedicando um grande esforço individual ao domínio de áreas de atividade consideradas, geralmente, como fechadas, por motivos físicos e circunstanciais, a pessoas com o seu defeito. Isso é ilustrado pelo aleijado que aprende ou reaprende a nadar, montar, jogar tênis ou pilotar aviões, ou pelo cego que se torna perito em esquiar ou em escalar montanhas. O aprendizado torturado pode estar associado, é claro, com o mau desempenho do que se aprendeu, como quando um indivíduo, confinado a uma cadeira de rodas, consegue levar uma jovem ao salão, numa espécie de arremedo de dança. Finalmente, a pessoa com um atributo diferencial vergonhoso pode romper com aquilo que é chamado de realidade, e tentar obstinadamente empregar uma interpretação não convencional do caráter de sua identidade social. A criatura estigmatizada usará, provavelmente, o seu estigma para “ganhos secundários”, como desculpa pelo fracasso a que chegou por outras razões: “Durante anos, a cicatriz, o lábio leporino ou o nariz disforme foram considerados como uma desvantagem, e sua importância nos ajustamentos social e emocional inconscientemente abarcava tudo. Essa desvantagem era o “cabide” no qual o paciente pendurava todas as insuficiências, todas as insatisfações, todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social, e do qual veio a depender não somente como forma de libertação racional da competição mas ainda como forma de proteção contra a responsabilidade social. “Quando esse fator é removido por cirurgia, o paciente perde a proteção emocional mais ou menos aceitável que ele oferecia e logo descobre, para sua surpresa e inquietação, que a vida não é fácil de ser levada, mesmo pelas pessoas que têm rostos “comuns”, sem máculas. Ele está despreparado para lidar com essa situação sem o apoio de uma “desvantagem”, e pode-se voltar para a proteção menos simples, mas semelhante, de padrões de comportamento de neurastenia, conversão histérica, hipocondria ou estados de ansiedade 12 aguda.” O estigmatizado pode, também, ver as privações que sofreu como uma bênção secreta, especialmente devido à crença de que o sofrimento muito pode ensinar a uma pessoa sobre a vida e sobre as outras pessoas: “Mas agora, distante da experiência do hospital, posso avaliar o que aprendi. (Escreve uma mãe permanentemente inválida devido à poliomielite.) Porque aquilo não foi somente sofrimento: foi também um aprendizado através dele. Sei que a minha consciência das pessoas aumentou e se aprofundou, que todos os que estão perto de mim podem contar com minha mente, meu coração e minha atenção para os seus problemas. Eu não poderia ter descoberto isso correndo numa quadra de tênis.” De maneira semelhante, ele pode vir a reafirmar as limitações dos normais, como sugere um esclerático múltiplo: “Tanto as mentes quanto os corpos saudáveis podem estar aleijados. O fato de que pessoas “normais” possam andar, ver e ouvir não significa que elas estejam realmente vendo ou ouvindo. Elas podem estar completamente cegas para as coisas que estragam sua felicidade, totalmente surdas aos apelos de bondade de outras pessoas; quando penso nelas não me sinto mais aleijado ou incapacitado do que elas. Talvez, num certo sentido, eu possa ser um meio de abrir os seus olhos para as belezas que estão à nossa volta: coisas como um aperto de mão afetuoso, uma voz que está ansiosa por conforto, uma brisa de primavera, certa música, uma saudação amistosa. Essas pessoas são importantes para mim e eu gosto de sentir que posso ajudá-las.” E um cego escreve: “Isso levaria imediatamente a se pensar que há muitos acontecimentos que podem diminuir a satisfação de viver de maneira muito mais efetiva do que a cegueira. Esse pensamento é inteiramente saudável. Desse ponto de vista, podemos perceber, por exemplo, que um defeito como a incapacidade de aceitar amor humano, que pode diminuir o prazer de viver até quase esgotá-lo, é muito mais trágico do que a cegueira. Mas é pouco comum que o homem com tal doença chegue a aperceber[1]se dela e, portanto, a ter pena de si mesmo.” Escreve um aleijado: “À proporção que a vida continuava, eu soube de muitos, muitos tipos diferentes de desvantagens, não apenas físicas, e comecei a perceber que as palavras da garota aleijada no 13 excerto acima (palavras de amargura) bem poderiam ter sido pronunciadas por jovens mulheres que se sentiam inferiores e diferentes por sua feiúra, incapacidade de ter filhos, impossibilidade de relacionamento com outras pessoas, ou muitas outras razões.”
Erving Goffman, Estigma, 1963; excerto do capítulo 1. Estigma e Identidade Social. Tradução de Mathias Lambert. Versão brasileira. Sem espaços entre parágrafos).
Outros beijos

Outros beijos, outros géneros. Beijos com história, beijos com arte, numa chuva de beijos emblemáticos. Outros beijos, outros géneros, beijos humanos. Belas imagens, boa música.