Desorientação
Os contrapoderes andam agitados, incisivos e imaginativos. Das pulgas fazem elefantes. Com a arte da comichão e do coçar.
Distinguem-se várias propensões, umas, por exemplo, apostadas na correção e no resgate, outras na transgressão e na renovação. Para onde oscilamos? Coexistindo, algumas tendência podem dominar as demais. A dominação torna-se hegemónica quando os dominados adotam a linguagem dos dominantes. Em que estado estamos? Enfim, poderão os contrapoderes aspirar à hegemonia?

Convido, a despropósito, ao confronto de algumas músicas de duas bandas britânicas com registos divergentes: energia, senão entusiasmo, dos Orchestral Manoeuvres In The Dark, dos anos 1980, e apelo, senão súplica, dos London Grammar, dos anos 2010.
Imagem: René Magritte. Reprodução proíbida. 1937
A Arte do Ruído na Viragem do Milénio
Para ensinar algo às pessoas, convém misturar o que elas conhecem com o que elas ignoram (Pablo Picasso)
Qualquer ruído escutado durante muito tempo torna-se uma voz (Victor Hugo)
A procura da primeira música matinal encalhou no álbum The seduction of Claude Debussy (1999), o quinto e último dos Art of Noise. Música eletrónica com declamação e ópera à mistura. Por que não? Aspiração e inspiração à solta. Trata-se de um álbum com uma sonoridade diferente dos precedentes Who’s Afraid of the Art of Noise? (1984), In Visible Silence (1986), In No Sense? Nonsense! (1987) e Below the Waste (1989). Conceptual, mistura trechos do compositor impressionista francês com bateria, baixo, ópera, hip hop, jazz, récitas, ruídos digitalizados e a voz da alta mezzo-soprano Sally Bradshaw.
Vanguardistas, os Art of Noise constituíram um grupo britânico de synth-pop que foi fundado em 1983 pelo engenheiro/produtor Gary Langan e pelo programador JJ Jeczalik, acompanhados pela teclista/arranjadora Anne Dudley, pelo produtor Trevor Horn e pelo jornalista de música Paulo Morley. Foram pioneiros no uso intensivo e criativo do Fairlight, instrumento musical eletrónico de origem australiana que permite o processamento computadorizado e a interpretação de amostras de sons através de um teclado semelhante ao de um piano (o vídeo com a canção Born On A Sunday ilustra, de algum modo, este procedimento). “Beat Box”, “Moments in Love”, “It’s All About Me”, “Close (to the Edit)” e os covers “Video Killed the Radio Star”, “Peter Gunn” e “Kiss” conquistaram os primeiros lugares nas tabelas de vendas. Várias composições integram filmes tais como O Diário de Bridget Jones, Os Anjos de Charlie: Potência Máxima ou A Minha Madrasta É Um Extraterrestre.
Reincidências

Tenho hesitado em colocar algumas músicas do álbum homónimo dos Deep Purple (1969). Menos célebre que os seguintes Deep Purple in Rock (1970) ou Machine Head (1972), não desmerece. Com trejeitos de rock sinfónico, aproxima-se da sonoridade, então corrente, de bandas como os Moody Blues ou os Pink Floyd. Algumas faixas surpreendem.
Os Deep Purple marcaram os anos setenta. Como não me movem as circunstâncias, nem encaro a idade ou a história como aperfeiçoamento, os anos setenta não possuem, à partida, nem menos nem mais valor que os 2020. Uma vez embarcado na máquina do tempo, tanto me seduzem progressos como regressos. Não me importo, portanto, de reincidir. Hoje, proporcionou-se começar o dia com a canção “Lalena” dos Deep Purple (um cover do original de Donovan).
Tempo para tudo

Ter todo o tempo do mundo pode ser bom!
Ter tempo para tudo talvez não seja pior! Até para tentar tempos alheios. Se os Slow Show lembram Roger Waters, os Elbow lembram Peter Gabriel.
Rendimentos marginais. The Slow Show

A virtude da errância, de errar perdidamente, reside em poder acertar no imprevisto, acrescentar, por ventura, um pouco de prazer ao prazer. Os Slow Show lembram-me, com ou sem razão, Roger Waters.
Grupo Etnográfico da Casa do Povo de Melgaço (início da homenagem)
Vários amigos não puderam assistir à homenagem no 29 de Novembro. Gostariam de ter uma ideia. Colocaremos, sucessivamente, alguns momentos. Por agora, seguem dois vídeos com o Grupo Etnográfico da Casa do Povo de Melgaço. O primeiro com as danças do início e o segundo, impressionante pela resistência e leveza, da segunda parte, a final. Melgaço é um território envelhecido que veio perdendo população. Não obstante é um território vivo onde as diferentes gerações se empenham em dar o braço. Melgaço tem muitos embaixadores. O Grupo Etnográfico da Casa do Povo de Melgaço destaca-se como um deles.
Carregar na imagem seguinte para aceder ao vídeo.

Cinco Zero 7

Após uma semana complicada muito fica por fazer. Mas apetece-me ouvir música: muita, sedosa, original e rara. A exposição Vertigens do Barroco, no mosteiro de Tibães, em 2007, incluía dois ecrãs: um grande, com anúncios, na “sala das emoções confortáveis”, e outro, maior, com vídeos musicais, um dos quais pertencia aos Zero 7 (Futures, 2006). Se não conhece este grupo britânico, invejo-lhe o prazer da descoberta..
Um Milhão de Máscaras de Deus

Cause I can feel your pain
In my bones, in my bones
And I can feel your pain
Deep in my bones, deep in my bonesAnd hallelujah to the one in our bones
And hallelujah to the one that we love(Manchester Orchestra, I’m Like a Virgin Loosing a Child, 2006)
Depois do “olhar estrábico de Cristo”, “um milhão de máscaras de Deus”! Após o sucesso de “Silence” (https://tendimag.com/2021/03/11/o-tendencias-do-imaginario-face-ao-confinamento/), a música dos Manchester Orchestra frisará o “inaudível”?
Ligações insuspeitas

Agraciado com vários prémios, o anúncio dinamarquês All That We Share – Connected, da TV 2, tem um cariz sentimental, eventualmente patético. O simulacro proposto tem, no entanto, a virtude de apontar para uma realidade: a probabilidade de ocorrência de conexões ou laços sociais improváveis. Perante uma pessoa estranha, que tudo parece separar, não é despropositado apostar que algo nos pode unir. O Tendências do Imaginário já contempla um anúncio congénere, de 2017, da TV 2 que incide, nesse caso, sobre as afinidades improváveis (ver A passerelle Electrónica: https://wordpress.com/post/tendimag.com/41377).