Archive | História RSS for this section

Vai uma aula? Versão alargada do vídeo Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo

À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
E valentes remadores! …
À barca, à barca segura,
Barca bem guarnecida,
À barca, à barca da vida!
(Gil Vicente)

Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo é o meu vídeo mais extenso e, porventura, predileto. Também é aquele a que mais me entreguei. Cristaliza anos de estudo e investigação. Não está perfeito, mas dou por encerrado o capítulo. Cada novo retoque implica horas de renderização. Esta versão aumentada inclui, no início, a curta-metragem Destino, idealizada por Salvador Dalí e Walt Disney, e, no fim, a apresentação Maniera: A Arte do Artista, entretanto produzida. Trata-se da minha rosa mais recente. Com pétalas, folhas e espinhos. Não é uma mercadoria mas possui o seu valor, e está ao alcance de todos e de ninguém em particular.

Incorporei este vídeo com a qualidade que o WordPress permitiu. Parece-me mais conseguida a visualização disponível no seguinte link da Clipchamp: https://clipchamp.com/watch/DmbfFtHuPz8. A versão reduzida, apenas com a conversa e respetivas apresentações, está acessível em HD no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=1LM9SLzHzIA&t=18s.

Antepassados do surrealismo: o maneirismo (versão alargada). Albertino Gonçalves. Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, Braga. 27 de maio de 2023

Antepassados do surrealismo: o maneirismo (vídeo da conversa)

Após quatro meses de esforços e contratempos, o vídeo com a conversa Os antepassados do surrealismo: os maneiristas está disponível na Internet. Exigiu tanta dedicação que se tornou numa das minhas rosas. Não ouso convidar a assistir às quase duas horas. Quando muito, um breve relance, de preferência a uma das seis apresentações incorporadas. Sei que todos andam ocupados a cuidar de outros jardins.

O vídeo ganha em ser visualizado em alta resolução (1980p).

Antepassados do surrealismo: o maneirismo, por Albertino Gonçalves. Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, em Braga, 27 de maio de 2023.

A universidade sofreu uma viragem no crepúsculo do segundo milénio. Os novos modos e as novas metas dos circuitos académicos não condizem nem com a minha formação nem com a minha vocação. Entre outros aspetos, incomoda-me ter que pedir, senão pagar, a estranhos para publicar. Nesses termos, perdi o interesse em publicar. Continuei a escrever mas relatórios de investigação/ação ou por convite, sem esquecer os apontamentos no blogue Tendências do Imaginário, um monstro híbrido de cultura e lazer, criado em 2011.

Não deixei, contudo, de investigar. Pelo contrário. Gosto de comunicar e ensinar, mas prefiro descobrir e aprender. A vida é um bom mestre. Ensinou-me, entretanto, que sou mortal. Tomei consciência de que boa parte dos conhecimentos que fui amealhando, dispersos em discos digitais, arriscam desparecer comigo. Pequeno ou grande, trata-se de um desperdício.

Capacitei-me da responsabilidade de cuidar da partilha. Optei, quase exclusivamente, por duas vias (alternativas aos blogues Tendências do Imaginário e Margens): a publicação de livros e a comunicação oral. Os livros são obras de Santa Engrácia. As comunicações costumo não as repetir, nem sequer as apresentações de livros. Em suma, grande vontade mas parcos os meios: para cada assunto, uma única comunicação, num dado local e data, perante um público reduzido. A passagem de testemunho reduz-se, portanto, a um momento pouco participado.

Posso não aderir a todas as mudanças, mas não me estimo retrógrado. Procuro aproveitar as novas tecnologias, designadamente, de informação e comunicação, que proporcionam um arremedo de solução para o afunilamento da partilha: filmar as conversas e disponibilizá-las na Internet. Assim sucedeu com  as conversas O Olhar de Deus na Cruz: o Cristo Estrábico (29-11-2022) e Vestir os Nus: Censura e Destruição da Arte (18-02-2023), embora com insuficiente qualidade. Com um pouco mais de profissionalismo, resultou mais cuidado o registo desta última conversa.

Crepúsculo e democracia totalitária

Moledo, 09 de setembro de 2023

Este pôr-do-sol teve o condão de interromper um pensamento que me anda a perturbar. Como pode ser cativante o prelúdio da escuridão! Retomo a cogitação. Por paradoxal e estranha que se apresente a noção de democracia totalitária poderá tornar-se cada vez menos descabida e mais oportuna.

Há setenta anos, Jacob L. Talmon já cunhava a expressão no livro The Origins of Totalitarian Democracy (London: Secker & Warburg, vol. 1: 1952). Pouco antes, Bertrand de Jouvenel sustentava que a democracia encerra os germes do totalitarismo (Du pouvoir, Histoire naturelle de sa croissance, Paris, Hachette, 1972; 1ª ed. 1945). Propensão que Alexis de Tocqueville não tenha vislumbrado em meados do século XIX (L’Ancien et la Révolution, 1ª ed. 1856). Contentar-se, portanto, em aludir apenas à tentação “populista” talvez não seja suficiente.

Maniera: A Arte do Artista

Nas pinturas que Jacopo [Pontormo] tinha até então executado na capela, quase parecia ter regressado ao seu estilo inicial, mas não o fez na pintura do retábulo, que, a pensar em novas ideias, concluiu sem sombras e com uma coloração tão clara e harmoniosa que dificilmente se consegue distinguir a luz do que está parcialmente sombreado e o que está parcialmente sombreado das sombras. Esta pintura em painel contém um Cristo Morto deposto da cruz para ser conduzido para o túmulo; no quadro, Nossa Senhora desfalece, na presença das duas Marias, que são concebidas de uma forma tão diferente das primeiras que pintou que se vê claramente como este génio sempre investigou novos conceitos e formas extravagantes de trabalhar, nunca ficando satisfeito com nenhum. Em suma, a composição deste painel é completamente diferente das figuras da abóbada, e também a coloração (…) Na parede com a janela, estão duas figuras em afresco, ou seja, de um lado a Virgem e do outro o anjo que faz a anunciação, mas ambas estão torcidas ao jeito (…) da fantasia bizarra deste génio que nunca se contentava com nada suscetível de ser reconhecido. E para conseguir fazer as coisas à sua maneira, sem ser incomodado, nunca aceitou que ninguém, nem o próprio patrono, visse a obra enquanto a estava a pintar. E tendo-a, assim, pintado à sua maneira, sem que nenhum dos seus amigos lhe pudesse apontar nada, foi finalmente exposta e vista com espanto por toda Florença (Giorgio Vasari.  “Jacopo da Pontormo”, The Lives of the Artists (1ª ed. 1550). New York. Oxford University Press. 1991. pp. 408-409).

O maneirismo, menosprezado durante séculos, resulta pouco conhecido. Trata-se, porém, de um dos estilos mais inovadores e ousados da história da arte. Sendo raras as publicações que lhe são consagradas, o vídeo Maniera – A Arte do Artista, uma amostra anotada de obras, representa um contributo, contanto modesto. O fundo musical é composto por folias, tipo de dança de origem portuguesa em voga no século XVI). 

Acompanham o vídeo um apontamento, para contextualização, e uma galeria com uma seleção de imagens, para melhor visualização e eventual descarga.

Maniera: A Arte do Artista, por Albertino Gonçalves, julho de 2023

Faltou à conversa “Os Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo” (Braga, 27 de maio de 2023) uma apresentação genérica dedicada ao maneirismo, correspondente à que foi projetada para o surrealismo. Segue uma espécie de justificação autocrítica escrita no dia seguinte.

Ontem teve lugar a conversa “Antepassados do Surrealismo: o maneirismo”. Estavam previstos 60 minutos, durou 2 horas. Mais do que riqueza, este prolongamento revelou impreparação. Se tivesse ensaiado antes, teria cortado algumas partes e abreviado outras. A justeza, a fluidez e a naturalidade constroem-se, treinam-se e testam-se.

O que aconteceu? Uma notícia intempestiva corroeu a motivação: os jogos do F.C. Porto e do S.L. Benfica, em que se decidia o campeonato, foram remarcados coincidindo com a conversa. Manifesta-se difícil imaginar maior desvio de público. Este percalço irritou-me. É certo que a vida é feita de acidentes de percurso. Faltavam cinco dias e a divulgação já estava em curso. Sensível a contrariedades imponderadas, embirrei e bloqueei. Uma conversa não se justifica se não partilhar algo de original. Não é óbvio partilhar sem público. Acresce o combustível do prazer. Estavam em causa a partilha e o prazer.

Capaz de me entregar sem reservas a um desafio, também me desligo ao mínimo estorvo ou desagrado. A conversa ganhava naturalmente com uma seleção de imagens dedicada ao maneirismo em geral. Tarefa que pouco estimulante, releguei-a para o fim. Com o contratempo do futebol, se pouco me entusiasmava, deixou de o fazer. Amuei e passei a dispensar. Como pitada de indulgência, convenha-se que, atendendo à diversidade, complexidade e dificuldade de descodificação das obras maneiristas, uma mera projeção abreviada de uma dúzia de imagens arriscava revelar-se incipiente e, porventura, mais confusa do que esclarecedora. Quando o público acusou a falta dessa apresentação, a resposta foi imediata, desconcertante e honesta: talvez houvesse interesse, mas não vontade.

Em suma, procedi mal! Tanto a conversa como o público mereciam algumas horas de dedicação adicional. Nem sempre sou racional. Acontece-me ser improcedente, inconstante, caprichoso e casmurro. O público merecia, de facto, melhor. Apesar das circunstâncias adversas, marcou presença, resistindo à sereia da bola. Repito, merecia melhor, sobretudo menos quantidade e mais qualidade. Mas, pelos vistos, ainda queria mais!

Há males que vêm por bem! Atendendo à urgência, a apresentação a devido tempo sobre o maneirismo seria breve, pouco original e de pouco alcance, à semelhança, aliás, da dedicada ao surrealismo. Com um sentimento de culpa, acabei por encará-la como uma penitência; e o que era para despachar em cinco dias demorou quase quinze semanas. Creio que valeu a pena. Adiar pode compensar!

Galeria: Seleção de obras maneiristas

Teto fantástico

Que calor! Quase tanto como em Dendera, no Egipto, onde no teto do Templo de Hathor, deusa do céu, da alegria e da fertilidade, proliferam pequenas figuras coloridas. Fabulosas, como fabulosas são as divindades do Egipto Antigo. Pacientemente, fui amealhando numa pasta algumas imagens.

Imagem: Hathor, deusa do céu, filha de Nut, deusa da noite, e de Rá, deus do sol.

Castro Laboreiro – identidade em fuga

Por Álvaro Domingues

Legenda: Da capa do livro

Lançado há duas semanas, no dia 31 de julho, Quem Somos Os Que Aqui Estamos: Castro Laboreiro e Lamas de Mouro é o quinto livro publicado no âmbito do projeto homónimo Quem Somos Os Que Aqui Estamos? associado ao MDOC- Festival Internacional de Documentário de Melgaço, promovido pela Associação Ao Norte e pela Câmara Municipal de Melgaço. Conta com o contributo de vários autores: Álvaro Domingues, Dulcelina Fernandes, Valter Alves, Natália Fernandes, Albertino Gonçalves, Américo Rodrigues, José Domingues, Daniel Maciel e João Gigante.

O Margens compraz-se em partilhar o capítulo “Castro Laboreiro – Identidade em Fuga”, da autoria de Álvaro Domingues. Como complemento acrescenta a Ficha Técnica, o Índice e a Introdução do livro, bem como uma pequena galeria com uma dúzia de fotografias selecionadas de um conjunto que ultrapassa a centena.

Está prevista uma apresentação do livro segunda dia 14 de agosto, às 22:00, no Centro Cívico de Castro Laboreiro, com a presença dos autores.

Capítulo

*****

Ficha Técnica, Índice e Introdução

*****

Galeria de Fotografias

Autocarros diretos entre Melgaço e Paris no início dos anos sessenta

O Valter Alves não se cansa de desencantar documentos raros e preciosos sobre Melgaço nas mais diversas fontes possíveis e imagináveis. Assim vai crescendo, para nossa instrução, o blogue Melgaço, entre o Minho e a Serra, com mais de 5 000 artigos (https://www.facebook.com/hashtag/melga%C3%A7oentreominhoeaserra).Hoje, 20 de julho de 2023, publicou uma cópia de um anúncio no jornal A Voz de Melgaço de 1962 com as carreiras de Melgaço a Paris.

Anúncio de Carreiras de Melgaço a Paris, no jornal a Voz de Melgaço, do ano 1962

Recordou-me um outro anúncio publicado dois anos antes no jornal Notícias de Melgaço a divulgar a inauguração  de “auto-carros Explêndidos e Luxuosos a saírem de Puente Barjas directos a Paris”.

Em Melgaço, a emigração para França foi das mais intensas e precoces de todo o país. Se já se emigrava para França antes da guerra, nos anos cinquenta este movimento atingiu já dimensões consideráveis. Mais do que as estatísticas oficiais, atestam-no vários indicadores indirectos como, por exemplo, os ecos que a seu respeito se fizeram sentir na imprensa local. No Notícias de Melgaço, o espaço concedido à emigração vai crescendo ao longo dos anos cinquenta ao ponto de, entre 1955 e 1960, ocupar, amíude, cerca de metade da superfície total do jornal. São artigos sobre as partidas, as chegadas e as férias dos emigrantes, sobre os seus convívios e as visitas de personalidades da terra à “colónia melgacense (…) espalhada por França”, sobre o transporte para o estrangeiro, os dilemas e dramas da emigração clandestina e sobre muitos outros assuntos esparsos entremeados com apelos ao seu auxílio para iniciativas locais. Abundam, sobretudo, os artigos publicados regularmente sob várias rúbricas tais como “saudades”, “cartas de longe”, “postal para longe”, “carta para França”, “carta da França” ou “aqui França”. Entre 1957 e 1958, nas listas publicadas com os donativos para a elaboração do projecto de estrada para Fiães, as dádivas em francos ou provenientes do estrangeiro surgiam em maioria. E em Janeiro de 1960 aparece, em primeira página, um elucidativo anúncio de um “auto-carro” directo a Paris com saída do outro lado da fronteira bem junto a Melgaço (Gonçalves, Albertino, Imagens e Clivagens: Os Residentes face aos Emigrantes, Porto, Edições Afrontamento, 1996, p. 76).

Imagens da pobreza (com ilustrações e comentário)

Só dei conta, por lapso pessoal, que era suposto escrever o artigo “Imagens da pobreza” (para o jornal Correio do Minho, de 17/06/2023) quando me foi solicitado para edição. Tive que o redigir texto de um dia para o outro. Ultrapassado o limite de 5000 carateres, considerei-o concluído. Ficou incompleto? Sobram sempre assuntos para desenvolver. Mas neste caso, além de incompleto, o texto resultou desequilibrado, tanto no que respeita ao conteúdo como, mais grave, à abordagem. Justifica-se uma crítica. Seguem:

  • O artigo “Imagens da Pobreza”, publicado no jornal Correio do Minho, de 17 de junho de 2023;
  • Uma galeria de imagens correspondente ao artigo “Imagens da Pobreza”;
  • Uma (auto)crítica do artigo “Imagens da Pobreza”;
  • Uma galeria de imagens correspondentes ao texto de crítica do artigo “Imagens da Pobreza”.

Galeria do artigo “Imagens da pobreza”

Comentário ao artigo “Imagens da Pobreza”

A contradição costuma fazer parte da arquitetura do imaginário: a um ponto tende a corresponder um contraponto. No presente artigo, proporcionou-se a pobreza surgir apenas como um mal (necessário, lamentável ou compreensível). De modo algum, como algo positivo. Existem, contudo, imagens favoráveis à pobreza e aos pobres. Por exemplo, algumas vertentes do cristianismo, a começar pelos atos e palavras do próprio Jesus Cristo, que, “sendo rico se fez pobre” (2 Coríntios 8:9): “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu” (Mateus 19:21); “E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Mateus 19:24). Contam-se às dezenas as passagens da Bíblia que não só apregoam a defesa dos pobres como valorizam a pobreza, por exemplo “Levanta do pó o necessitado e do monte de cinzas ergue o pobre; ele os faz sentar-se com príncipes e lhes dá lugar de honra” (1 Samuel 2:8). Os eremitas, sobretudo dos séculos III a IV e XII a XIII, buscam no isolamento, no despojamento e no desprendimento uma aproximação ao divino e uma condição de salvação. A pobreza e o isolamento extremos propiciam a resistência às diferentes formas de tentação e vício, bem como uma dedicação exclusiva a Deus. Santo Antão é, porventura, a figura mais notória. Descendente de uma família cristã rica do Egipto do século III, deu tudo aos pobres e retirou-se no deserto. Maria Madalena precedeu-o: contra o fim da vida, no deserto, despojada, inclusivamente sem roupa, era “alimentada espiritualmente pelos anjos” (“Maria Madalena: O Corpo e a Alma”: https://tendimag.com/2015/02/09/maria-madalena-o-corpo-e-a-alma/). Enfim, aponta no mesmo sentido o “voto de pobreza” caraterístico das ordens mendicantes, tais como os franciscanos, dominicanos, agostinianos e cartuxos.

Resta incontornável a questão: que tipo de pobreza é a pobreza voluntária?

Galeria do comentário ao artigo “Imagens da pobreza”

Afinidades entre maneiristas e surrealistas

Nas últimas décadas não publiquei os resultados da maior parte das investigações. Alguns apontamentos no blogue Tendências do Imaginário e um ou outro artigo por convite foram as exceções. Acumulei, entretanto, “legos” de conhecimento. Dando a vida voltas, entendo, agora, partilhá-los. Encetei várias conversas, montagens dos referidos legos: “Amor e morte nas esculturas funerárias”, em outubro, “Apontamentos sobre o ensino da arte” e “O olhar de Deus na cruz: o Cristo estrábico”, em novembro, “Vestir os nus: censura e destruição da arte”, em fevereiro e “A ambivalência do crime na arte”, em maio. “Antepassados do surrealismo: O Maneirismo, será a próxima, no dia 27 de maio, às 17 horas, no Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Outras se seguirão, a um ritmo, previsivelmente, mais razoável.

“Antepassados do surrealismo: o maneirismo” perspetiva-se como uma conversa que convoca as principais componentes de um percurso que acumulou e montou, décadas a fio, um conjunto apreciável de legos resultantes de uma investigação caprichosa mas persistente. Associam-se-lhe textos emblemáticos, tais como “O delírio da disformidade” (2002); “Vertigens do barroco” (2007); “Dobras e fragmentos” (2009); e “Como nunca ninguém viu” (2011). Em suma, sintetiza, identifica, motiva e expõe, em jeito de balanço a partilhar.

À maneira das obras abordadas, a conversa deseja-se mais um espetáculo do que uma lição. Inspira-se mais na arte do que na ciência. Portanto, menos espírito de missão e mais instinto de prazer, próprio e alheio. Sobrará, mais ou menos a propósito, tempo para músicas, videoclipes e anúncios publicitários. O conteúdo essencial radica, porém, numa mão cheia de apresentações que confrontam artistas, por um lado, do auge do maneirismo da segunda metade do século XVI (e.g. François Desprez, Wenzel Jamnitzer, Lorenz Stoer, Giovanni Battista Braccelli e Giuseppe Arcimboldo) e, por outro, das vanguardas da primeira metade do século XX, mormente surrealistas, proto-surrealistas e, de algum modo, associáveis (e.g. Giorgio di Chirico, Max Ernst, René Magritte, Salvador Dali, mas também Pablo Picasso, Kasimir Malevich ou Mauritis C. Escher).

Cristalizar parte substantiva de uma vida num momento é aposta arriscada. Para partilhar, convém ser mais que um. Será grato contar com a sua presença.

Iluminados e viciados

René Magritte. O Principio do Prazer. 1937

O último artigo do Tendências do Imaginário, “Convencer ou obrigar”, denso e elíptico, oferece-se como um fragmento, logo ferido de incompletude. Pode, assim, suscitar, alguma curiosidade. Pergunta uma amiga:

Concordo plenamente com a tua publicação ” convencer ou obrigar “. Mas fiquei curiosa, ao ver surgir esse desabafo, sem específico desenvolvimento.

Algum gatilho em particular que despoletou essa revolta?

A resposta será sucinta mas clara.

Entendo-me submetido ao exemplo mais extremo de tecnocracia com propensão autocrática de que tenho conhecimento na história da humanidade. Refiro-me ao Conselho Europeu. Traça objetivos com metas absolutas e distantes, por vezes com décadas de antecipação, e desdobra-se em normas e diretrizes, por seu turno reproduzidas e implementadas, porventura com excesso de zelo, por cada governo nacional.

René Magritte. O Presente. 1938

Independentemente do contexto europeu, Portugal é pródigo em exemplos específicos. Creio ser o caso do recente pacote “Mais Habitação”. O problema é remoto, notório e grave. Entretanto, pouco ou nada se fez, promoveu, sensibilizou, motivou ou incentivou. De um momento para o outro, obriga-se e proíbe-se! Restaura ou arrenda o imóvel ou alguém se encarregará, segundo o projeto de lei, de o fazer por ti; por outro lado, se o imóvel se situa nesta ou naquela localidade, segundo o mapa aprovado, assim será ou não permitido investir em alojamento local. Institui-se, deste modo, uma desigualdade entre os cidadãos com base no território.

O gatilho, confesso, é a fuga para frente da cruzada antitabaco. A antiguidade, a sistematicidade e a brutalidade das campanhas adotadas, algumas lesivas dos direitos dos cidadãos consignados na Constituição da República, não têm sido contempladas com resultados expressivos. Para que se inaugure em 2040 “uma geração livre de tabaco”, não se vislumbra alternativa à obstinação em obrigar e proibir: só fumarás e comprarás, alimentarás o vício, em espaços cada vez mais reduzidos, até te sentires como pareces ser concebido: uma aberração e um pária nocivo, circunstancialmente tolerado por lei e vergonhosamente lucrativo em matéria de impostos.

Esta “explicação” configura uma exceção. Continuarei a ser esfíngico na escrita e a apostar na interpretação alheia.

Isabelle Mayereau. Crocodiles. Déconfiture. 1979
Isabelle Mayereau. Bureau. Déconfiture. 1979

Crocodiles (Isabelle Mayereau)

Vous qui refaites le monde avec des gants de boxe
Qui n’avez qu’une idée être premiers au box
Office des PDG
Vous écrasez les gens, vous marchez sur leur tête
Vous y cognez dedans, un peu comme à la fête
Décidés
Et vous grimpez l’échelle des coefficients
Agendas de croco, Mercedes six-cent
Six-cent
Six-cent
Vous qui manipulez les gens comme des mounaques
Qui en faites du mou à chat par kilos et en vrac
Dégueulasse
Vous glissez dans l’ velours de ces bureaux foncés
Aux senteurs de havane légèrement sucrées
Efficaces
Et vous prenez le pas de tous ces géants
Qui ont fait l’Amérique d’un seul coup de dents
De dents
De dents
Et vous écrasez tout pour un seul bout de fric
Vos mots, c’est pas des mots mais c’est des coups de trique
Mais hélas
Vous ne pourrez jamais pénétrer dans ma tête
Y fourrer vos doigts sales en forme de chronomètres
Carapace
Et vous prenez le pas de tous ces volcans
Qui ont vomi leur âme, c’était noir dedans
Dedans
Dedans
Vous qui refaites le monde avec des gants de boxe
Qui n’avez qu’une idée être premiers au box
Office des PDG
Vous écrasez les gens, vous marchez sur leur tête
Vous y cognez dedans, un peu comme à la fête
Décidés
Vous nagez dans des eaux mais ce n’est pas le Nil
On vous appelle parfois, parfois les crocodiles
Codiles
Crocodiles