Inspiração

Eis um anúncio que concebe uma inspiração engarrafada como nunca ninguém sonhou! Um rodopio de imagens e obras de arte numa odisseia vertiginosa. Este “masterpiece” da Coca-Cola estreou esta semana, no dia 6 de março.
Figuras que ganham vida, por exemplo, saem de quadros, é um motivo com antecedentes. É o caso do filme de animação Le roi et l’oiseau, iniciado nos anos cinquenta e terminado em 1980, realizado, em França, por Paul Grimault, ou, se a memória não me engana, dos Contos fantásticos de E.T.A. Hoffmann (1776-1822).
“An ice-cold bottle of Coca‑Cola journeys from canvas to canvas—starting with Andy Warhol’s 1962 Coca‑Cola and continuing to a refreshingly diverse and culturally rich mix of classic and contemporary paintings before ultimately landing in the hands of an art student in need of creative inspiration—in a new global campaign titled “Masterpiece”. / The latest expression of the “Real Magic” brand platform celebrates how Coca-Coca provides uplifting refreshment in moments that matter. The campaign’s creative centerpiece is a short film set in an art museum, where students are sketching select paintings on display. As one student appears uninspired, an arm from a painting reaches across the gallery to grab the Coke bottle from Warhol’s pop-art masterpiece. From there, it’s relayed from works including JMW Turner’s “The Shipwreck”, Munch’s “The Scream” (re-colored lithograph) and Van Gogh’s “Bedroom in Arles” before finally landing with Vermeer’s “Girl with a Pearl Earring”, whose subject opens the bottle for the student in need of inspiration and refreshing upliftment. / In addition to these universally recognized paintings from the past century, the film bridges the worlds of classical and contemporary art by featuring work from emerging creators from Africa, India, the Middle East and Latin America” (Coca-Cola).
Lista de obras de arte contempladas no anúncio:
00:14 Divine Idyll – Aket, 2022
00:24 Large Coca-cola – Andy Warhol, 1962
00:30 The Shipwreck – Joseph Mallord William Turner, 1805
00:38 Falling in Library – Vikram Kushwah, 2012
00:43 The Blow Dryer – Fatma Ramadan, 2021
00:45 Scream – Munch, Edvard, 1895
00:48 You Can’t Curse Me – Wonder Buhle 2022
00:56 The Bedroom (Bedroom in Arles) – V. van Gogh, 1889
01:04 Artemision Bronze – Unknown (Greek), 460BC
01:11 Natural Encounters – Stefania Tejada, 2020
01:22 Drum Bridge and Setting Sun Hill – Hiroshige, 1857
01:29 Girl with a Pearl Earring – Johannes Vermeer, 1665
Os sinos da consciência
O nu desapareceu praticamente da publicidade. O grotesco resiste. Os anúncios de consciencialização e sensibilização social proliferam. Oferecem-se como uma marca distintiva da nossa era. Visam interpelar e mobilizar os cidadãos, pelo pensamento, pelo sentimento e pela imagem, para problemas, causas e movimento de uma extrema diversidade quanto às origens, modalidades e finalidades. Segue uma mistura de exemplos recentes.
Escrutinadores e agitadores


Teresa de Sousa, do Público, jornalista desde 1977, que admiro, escreveu hoje uma “Newsletter exclusiva para assinantes”. Venho dizendo, aproximativamente, o mesmo, embora com parcas palavras, voluntariamente, algo enigmáticas. Sem autorização para reproduzir o artigo, remeto para a fonte: https://www.publico.pt/2023/01/24/newsletter/mundo-hoje. Teresa de Sousa começa por interpelar o leitor com um conjunto de interrogações:
Caro leitor, cara leitora, não sei se já lhe passou pela cabeça admitir que algo de errado se passa neste país quando, todos os dias, surge na imprensa mais um “caso” sobre um membro do Governo que, de um modo ou de outro, afecta a sua imagem e a sua credibilidade, dominando quase totalmente o debate público. Teremos o pior Governo do mundo? Os governantes são corruptos? Não há mais nada a acontecer no país? A quem interessa esta situação? A mim, estas dúvidas colocam-se todos os dias. Por isso, decidi partilhá-las consigo ((https://www.publico.pt/2023/01/24/newsletter/mundo-hoje)).
Falar com imagens

Quer-me parecer que os orientais possuem o dom da argumentação com imagens. E não com quaisquer imagens! Com imagens fantásticas e delirantes. Convocam imaginários absurdos e logram um efeito mais consequente e convincente do que a própria realidade do real. As campanhas de sensibilização da Thai Health Promotion Foundation são um bom exemplo.
Ligações insuspeitas

Agraciado com vários prémios, o anúncio dinamarquês All That We Share – Connected, da TV 2, tem um cariz sentimental, eventualmente patético. O simulacro proposto tem, no entanto, a virtude de apontar para uma realidade: a probabilidade de ocorrência de conexões ou laços sociais improváveis. Perante uma pessoa estranha, que tudo parece separar, não é despropositado apostar que algo nos pode unir. O Tendências do Imaginário já contempla um anúncio congénere, de 2017, da TV 2 que incide, nesse caso, sobre as afinidades improváveis (ver A passerelle Electrónica: https://wordpress.com/post/tendimag.com/41377).
E as crianças?

As realidades abordadas nestes três anúncios da Save the Children não são inauditas. De vez em quando, os meios de comunicação social fazem-lhe alusão. Save the Children Fund é uma organização internacional não governamental de defesa dos direitos da criança, ativa desde 1919, com sede em Londres.
Anunciante: Save the Children. Título: Save the Survivors. Agência: POL. 2022.
Anunciante: Save the Children. Título: Save the Children. Agência: POL. Direção: Niels Windfeldt. 2022.
Happy Meal casamenteiro
Quando se proporciona, apraz-me relevar o sentido de oportunidade de algumas campanhas publicitárias. Estimo que, nas mais diversas iniciativas, o sentido de oportunidade representa um dos fatores de sucesso mais decisivos.
Muitos casamentos foram adiados devido à covid-19. Uma vez aliviada a pandemia, o congestionamento não surpreendeu. Neste quadro, a McDonald’s torna-se casamenteira: facilita o matrimónio a 60 casais, anunciando o evento e os resultados.
Num sábado de agosto, um McDonald’s em Nacka abriu seu drive-thru, ao estilo de Las Vegas. Casou 60 casais oferecendo-lhes um menu personalizado que incluía um Happy (Ever After) Meal. / O conceito da Nord DDB para o McDrive Thru Wedding ressuma amor. Havia decorações, balões, um carro clássico, um fotógrafo de casamento, um cenário de arco de volta para posts nas redes sociais e ramos de flores com a marca McDonalds. Com um timbre pessoal: a certidão de assumiu a forma de um recibo do McDonald’s (…) / O vídeo compila os destaques do evento, evidenciando que alguns casais se casaram depois de muitos anos juntos e um renovou após 60 anos de separação. A noiva contou com humor que o seu marido se ajoelhou e a pediu em casamento, mas “depois tive que ajudá-lo a levantar-se” (The Times, ” 60 Couples Got Married at a McDonald’s Drive-Thru in Sweden & More Latest News Here”: https://www.thetimes.com.ng/2022/09/60-couples-got-married-at-a-mcdonalds-drive-thru-in-sweden-more-latest-news-here/; consultado em 27.09.2022).
Mas o que me impressiona neste anúncio não é tanto o sentido de oportunidade como o efeito de realidade ou naturalidade. Aparentemente, dispensa modelos e efeitos especiais.
Estigma capilar

Proveniente da Alemanha, país que tendemos a associar alguma contenção e ponderação, o anúncio “Hans”, da empresa de cabeleireiros Headhunter, excede-se. Propõe uma paródia ousada, senão atrevida, de uma realidade sensível: as campanhas de consciencialização para a inclusão de crianças com deficiência. Num aspeto o anúncio não deixa de estar certo: os cabelos podem funcionar como estigma, contagiando e desvalorizando a pessoa no seu todo. Recorde-se que, no final da Segunda Grande Guerra, nos dias imediatos à libertação da França, a população rapou o cabelo aos “colaboracionistas” com o regime nazi, expondo-os em cortejos degradantes (ver Violência e Humilhação: https://tendimag.com/2016/01/14/violencia-e-humilhacao/).