Falar com as imagens

Há católicos que falam com as imagens dos santos. Mais, afigura-se-lhes que estes lhes respondem. Em casa, tenho um busto da República original. Herança de meu avô. Acontece-me falar com ela. Às vezes, tento dialogar. Perdeu o cocuruto. Não tem vida fácil. Gostava muito de lhe dedicar uma canção. Mas não sei cantar. Peço a outros. Por exemplo aos The Who.
As imagens interpelam-nos, o busto da República interpela-nos. Num século, perdeu o cocuruto. É vulnerável. A república é vulnerável.

Filantropia
— Valha-me Deus! — exclamou Sancho — Não lhe disse eu a Vossa Mercê que reparasse no que fazia, que não eram senão moinhos de vento, e que só o podia desconhecer quem dentro na cabeça tivesse outros? (Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha, cap. VIII. 1605).

Se existem novidades ao nível da publicidade, a proliferação dos anúncios de sensibilização é uma delas. Anúncios de empresas dedicados a causas sociais. Respiram bondade. O que visam estes anúncios? Promover a causa ou a marca? Sancho Pança, que vê moinhos de vento, diria a marca; Don Quixote, que vê gigantes, a causa. Num mundo onde supostamente naufragaram as grandes narrativas, as narrativas de médio alcance possuem um elevado valor simbólico. O anúncio Waste, da IKEA, é um excelente exemplo de publicidade de sensibilização.
A publicidade de sensibilização promovida pelas empresas é uma prática condenável? Talvez não! A história da humanidade revela que entre a bondade ou a maldade das intenções e a bondade ou a maldade dos resultados não existe uma equação linear. Recorde-se o subtítulo do livro de Bernard Mandeville: “vícios privados, virtudes públicas (A fábula das abelhas, 1723).
Se o meu carro fosse um cavalo

O anúncio australiano Sleeper, da companhia de seguros NRMA, é inteligente, estranho e subtil. Somos convidados a acompanhar a viagem, noturna, de duas crianças e da respetiva mãe, ao volante. Adormecem, mas o carro prossegue caminho. Ficamos tensos à espera do pior. Alimentada pelas imagens, a tensão não abranda. A perturbação avoluma-se com a sensação de não perceber o que se passa, ou seja, porque nada se passa! Naquela noite, os carros conduzem sozinhos. “Enquanto os nossos carros não conduzirem sozinhos, conduza com segurança”. Como Jolly Jumper, o cavalo de Lucky Luke. As campanhas de prevenção rodoviária multiplicam-se na época natalícia..
A nova normalidade

Aprecio o estilo de comunicação da Fundação Tailandesa para a Promoção da Saúde (Thai Health Promotion Foundation). Uma pedagogia franca, impactante e grotesca, adversa aos comportamentos de risco, estúpidos e perigosos, contrários à “nova normalidade”.
A propósito do Covid-19, foi publicado, no dia 27 de novembro, o primeiro volume, Reflexões, da obra coletiva A Universidade do Minho em tempos de pandemia, editada por Manuela Martins e Eloy Rodrigues (pdf acessível no seguinte endereço: https://doi.org/10.21814/uminho.ed.23). Participo com um pequeno texto (“COVID-19: o mensageiro da nova morte”, acessível em: https://doi.org/10.21814/uminho.ed.23.5).
A importância dos objetos

Separados pelo confinamento, avô e neta aproximam-se graças às novas tecnologias e a um pequeno urso de peluche. Os objetos são bons meios de comunicação e comunhão. Uma jangada de afetos. Um anúncio da NOS, pela agência HAVAS Portugal.
O inverno do Coronavírus e os heróis do sofá

O anúncio Corona Winter, do governo da Alemanha (zusammen gegen corona) sublinha que, em tempos de pandemia, para ser herói basta não sair de casa. Só os parvos não são heróis. No anúncio, falado em alemão, uma pessoa de idade recorda os tempos da pandemia. Não descobri legendas em inglês. Segue a tradução do discurso do protagonista:
“Penso que foi no inverno 2020 que todos os olhos do país se fixaram em nós. Acabava de fazer 22 anos e prosseguia estudos de engenharia em Chemnitz quando a segunda vaga começou. 22 anos…Com essa idade, quer-se festejar, estudar, encontrar pessoas, isso tudo… Sair para beber uns copos. Mas o destino tinha outros projectos para nós. Um perigo invisível ameaçava tudo em que acreditávamos. De um momento para outro, o destino do país estava nas nossas mãos. Então, agarrámos a coragem com as duas mãos e fizemos o que era esperado de nós. A única coisa a fazer. Não fizemos nada. Absolutamente nada. Tão preguiçosos como guaxinins. Dias e noites, mantínhamos os nossos rabos em casa e combatíamos a propagação do Coronavírus. O sofá era o nosso campo de batalha. A paciência, a melhor arma. Confesso que me apetece rir sozinho ao pensar neste período. Era o nosso destino. Foi assim que nos tornámos heróis. No período do Coronavírus durante o Inverno de 2020”.
Encontrei, entretanto, no Twittter, uma versão com legendas em inglês:
Lembrete. O efeito Frankenstein.

Na embalagem de cigarros, uma imagem deveras feia: uma perna com cortes e suturas (ver, no mosaico, a imagem em baixo à direita). Quem, por coincidência, aguarde cirurgia à perna, não por obstrução das artérias mas por uma veia alargada, deve agradecer esta simpatia ou lembrete de Estado. Não há nada como a propaganda de massas a exalar falta de decoro. Quando o bem se diz com choque é chocante. É terrível e histórica a tentação de pregar o bem com o mau.