Archive | Setembro 2016

Dois dedos acima da lama

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Fig 01. Dança mourisca. Trachtenbuch, de Christoph Weidiz. 1530s.

Tenho-me distraído à procura de documentação sobre a música e as danças mouriscas. Encontrei no livro Trachtenbuch (c. 1530), de Christoph Weiditz, uma série de gravuras, retratando mouriscos (ver Figuras 1 e 2). Mas o que cativou o olhar foram os socos (patten), partes de calçado relativamente elevadas sobre as quais se colocavam os sapatos. Lembram os patins. Os socos protegiam os sapatos, frágeis e caros, da lama e dos detritos das ruas. Outro uso fazia a nobreza, mais estético e estatutário. Em casos extremos, os socos eram tão altos que a pessoa não conseguia andar sem apoio (ver Figuras 4). Conhecia o uso medieval dos socos. Desconhecia estas ilustrações.

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Fig 02. Mourisco transportando pão. Trachtenbuch, de Christoph Weidiz. 1530s.

Os socos (patten) subsistiram pelo menos até ao século XIX. Vários pintores os incluíram nas suas obras. Por exemplo, Albrecht Durer, Hans Memling e Hieronymus Bosch. No quadro O Casal Arnolfini, de Jan Van Eick, aparecem, nítidos, no canto inferior esquerdo (ver imagem do quadro em alta resolução: 3087×4226) .

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Fig 03. Jan van Eick. O casal Arnolfini. 1434. Ver socos no canto inferior esquerdo.

Galeria de Imagens

José Mourinho

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José Mourinho é um herói do relvado. Neste anúncio, exorta as tropas com as sombras de Batman e as trombetas de Josué. A mascote, salsicha, não fala inglês. É a parte mais original do anúncio. Seguem as versões inglesa e espanhola.

Marca: Heineken. Título: The Speech. Agência: Publicis Italy. Direcção: Guy Ritchie. Itália, Setembro 2016.

A nova canção de Paris

paris-je-taimeEm Paris, até os passos se perdem. O anúncio da Câmara de Paris é empolgante, mas há tanto Paris esquecido. O museu Rodin mantém-se secreto, o Jardim do Luxemburgo, reservado aos habitués e a Sainte Chapelle, aos aficionados de banhos de luz… É certo que as atrações de Paris não cabem em 150 segundos. Il faut choisir! As imagens correm tão a galope que o olhar não as consegue ver. Deve ser um vídeo para connaisseurs. E a canção? Tem sotaque inglês ou é mesmo inglesa? Deve ser isto o French Kiss. Não é? O vídeo mostra? Cantar Paris em inglês é uma opção. Presume-se ser a língua dos destinatários. Voilà! Assim resulta melhor. A França está no bom caminho. Em tempos de cortesia linguística, a melhor língua é aquela que mais vende. I love Paris!

Anunciante: Mairie de Paris. Título: Paris je t’aime. Direcção: Jail Lespert. França, Setembro 2016.

Fábricas de exterminação

Em 2006, o Ministério da Saúde francês e o INPES lançaram o anúncio The Factory, que apresenta uma fábrica de cadáveres dizimados pelo fumo dos cigarros. A associação de ideias é uma forma selvagem de pensamento. Esta fábrica de cadáveres do tabaco lembra outras “fábricas” exterminadoras: a peste negra; as guerras napoleónicas; a Primeira Guerra Mundial; a pneumónica; os campos de concentração nazis e soviéticos. Ao nível da ficção, também abundam os exemplos. Retenho o vídeo musical We Don’t Need No Education, dos Pink Floyd. Neste tipo de anúncios, pessoas parecem não retratar pessoas mas pré-cadáveres. Sobra uma estranha forma de humor. Carregar na imagem para aceder ao anúncio.

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Marca: Ministère de la Santé & INPES. Título: The Factory. Agência: FCB (Paris). Direcção: Stephan Prehn. França, 2006.

O próximo anúncio é diferente. É feito por pessoas para pessoas, sendo provável um fumador reconhecer-se nas situações focadas. Integram, empaticamente, a sua experiência quotidiana. Reconforta uma pessoa sentir-se gente, não ser convidado a olhar para um anúncio com os pés na cova, eventualmente, com uma ponta de humor sinistro.

Marca: Ministère de la Santé, INPes, Tabac Info Service, França, 2012.

Alegoria das cuecas

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Os olhos já viram muito, mas nunca semelhante coisa. Viram anúncios de automóveis que se esquecem de mostrar o automóvel. Mostram, por exemplo, fetos de animais, concluindo com a marca, o emblema e o lema. Tantos! Mas nenhum com cuecas! Surpresa? Sinal que estamos vivos, e o mundo também. Publicitar um automóvel discorrendo, alegoricamente, sobre cuecas é obra. Porventura, uma obra genial.

Marca: Opel. Título: Ride Comfortably. UncleGrey, Copenhagen. Direcção: Laerk Hertoni. Dinamarca, Setembro 2016.

A realidade da imagem. Restauro

ariston_aqualtis_underwaterÀ procura de artigos sobre a morte no Tendências do Imaginário, deparo-me com centenas de vídeos apagados. A Internet dá, é pródiga, mas também retira: “vídeo privado”; “a página não existe”, “defesa dos direitos de autor”, “não disponível no país”… Assim sucedia com os três anúncios do artigo “a realidade da imagem”. Os dois primeiros anúncios são uma excelente ilustração do que pode ser um ovo de Colombo na publicidade. O terceiro anúncio, da Ariston, é uma perdição! Segue o artigo restaurado.

A realidade da imagem (02 de Dezembro de 2011)

Entre o real e o imaginário, nem sequer um passo. Que o digam D. Quixote, Alice ou a criança que espreita pela porta de uma máquina de lavar roupa Ariston Aqualtis (ver vídeo). Entre a realidade e a imagem, apenas um abraço. Fundem-se. O peixe prefere o monitor ao aquário e a rã encontra o seu habitat nas cores do telemóvel Samsung. De tão real, a imagem até parece irreal: “Colors so real, it’s almost unreal”. A imagem é demasiado real!

Marca: Samsung. Títulos: Fish. Agência: BBDO New York / Skunk Us. Direcção: Mason Nicoll. EUA, Maio 2011.

Marca: Samsung. Títulos: Frog. Agência: BBDO New York / Skunk Us. Direcção: Mason Nicoll. EUA, Maio 2011.

Marca: Ariston Aqualtis. Título: Underwater world. Agência: Buf Film Master. Direcção: Dario Piana. Itália, Março 2006.

Sede de vencer

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O anúncio da Vitalis propõe-se homenagear os paralímpicos portugueses adoptando uma retórica de superação física.

“O vídeo é um manifesto sobre motivação, superação, empenho e trabalho árduo, retratado pela força e garra dos vários atletas paralímpicos da delegação portuguesa, que participam no filme.”

“E tu tens sede de quê?” Do resto. De outras águas, menos agonísticas. Será inevitável a sede, sofrida, de vencer? A propósito dos jogos olímpicos da Antiguidade, Norbert Elias falava em “ética do guerreiro”.

Boa voz, boa imagem, belo anúncio!

Marca: Vitalis. Título: E tu tens sede de quê? Agência: Havas. Direcção: Pedro Pinto. Portugal, Setembro 2016.

Paródia de uma utopia

Este artigo é do meu rapaz mais novo, o Fernando. Importa assegurar o futuro do blogue.

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“Até as senhoras da corte dançaram ao ritmo das flautas e tambores dos sapos. O remoinho de papel reciclado era uma vista para se ver, como gráficos de computadores! … O frigorífico e a caixa de correio vão liderar o caminho… Caminhem juntos em frente, eu sou o derradeiro governador” (Paprika, 2006).

O tema do filme de animação Paprika, dirigido por Satoshi Kon em 2006, incide sobre o alcance dos sonhos.

A um dado momento, ocorre uma invasão, com a forma de uma parada de vários objectos. O sonho do consumismo. Quem é o sonhador desta parada? Não se sabe. Cada um entra na parada e integra-se como se fosse o seu sonho, cada um é o “derradeiro governador”, um individuo consumido pelo consumismo. O sonho que não é de ninguém mas de todos.

“Pergunto-me aonde se dirigia a parada. Sinto que estava mesmo perto de controlar o mundo.” Os participantes na parada sentem uma promessa, uma recompensa final. Contudo, esta é uma parada sem fim, uma viagem em espiral, crescendo aos círculos.

No final, a parada invade o mundo real. As pessoas vão-se transformando em objectos. O individuo vale o que possui.

Os anúncios e a própria internet não são mais do que formas de sonho. Um sonho que se aloja no subconsciente. Um jogo em que a realidade afeta os sonhos que, por sua vez, afetam a realidade, uma realidade onírica.

Reencontram-se muitas figuras e situações do filme Paprika no filme Inception lançado quatro anos depois, nomeadamente a interpenetração entre sonho e realidade.

Paprika.Satoshi Kon. Japão. 2006. Excerto.

 

A galope sobre esquis

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Há anúncios que sabem esperar. Este é sublime, com imagens magníficas que alternam fragmentos inquietos e paisagens imponentes. Um épico com um cavalo e um paladino sobre esquis. Com a qualidade Canon.

Marca: Canon. Título: Skijoring – Come and see. Agência: JWT London. Direcção: Marcus Soderland. UK, Novembro 2015.

A revolta do actor secundário

cinemalyaO cinema independente adquiriu uma dimensão considerável. A sua composição é caracterizada pela diversidade. Tanta que é difícil resumi-la numa imagem comum. Nestas circunstâncias, a apresentação pode passar menos pela assunção de uma identidade e mais pela demarcação face ao outro. O antropólogo Evans-Pritchard analisa este jogo de mobilizações e recomposições em função do adversário no livro The Nuer: A Description of the Modes of Livelihood and Political Institutions of a Nilotic People (Oxford, Clarendon Press, 1940). Mas há muitas formas de se distanciar do outro. Algumas são especialmente inspiradas. Para divulgar o Cinemalaya 2016 (Cinemalaya Philippine Independent Film Festival), nada mais expedito do que avançar com uma paródia do cinema hollywoodiano. Um cinema com filmes reciclados, repetitivos, previsíveis e vazios. Assim o entende o actor secundário frustrado com tanto cliché: “We’ve been doing the same fight for 50 sequels now! I’m so sick of it”.

Marca: Cinemalaya 2016. Título: Fight. Agência: Leo Burnett Manila. Direcção: Joel Limchoc. Filipinas, Setembro 2016.