Archive | Maio 2014

Música para despertar lesmas

Ludwig van Beethoven

Beethoven teve várias paixões. Mal sucedidas. Arrebatado, dedicou várias sonatas a uma aluna, que foi, aliás, a primeira a ouvir outras composições. Predominou, como é costume, o pensamento, em vez do sentimento.

Há lesmas que não sonham. E é difícil despertá-las. São lesmas comme il faut!

The Genius of Beethoven. BBC Documentary. UK, 2005. Excerto.

Ludwig van Beethoven. Piano Sonata No. 14 in C sharp minor (“Moonlight”), Op. 27/2: 3. Presto agitato – Adagio – Presto agitato.

Bonecos de plástico

Coca-Cola. Hello Happiness

Acabo de ouvir sábios. E falta-me tempo para ouvir os filhos! Estou com uma pinga de mau humor. Quando era criança, brincava com bonecos de plástico que vinham nas embalagens de gelados. Dispunha-os assim, dispunha-os assado, dava-lhes pausa, movimento, sentido e sentimento, e construía, assim, histórias felizes. Por que me lembrei dos bonecos de plástico? Estou a ficar senil. Mas gosto de beber Coca-Cola, com limão. Consegui comentar uma coisa sem falar nela. Uma arte a apurar.

Marca: Coca-Cola. Título: Hello Happiness. Agência: Y&R, Dubai, Dubai, UAE. Direção: Dubai, Maio 2014.

Sentir para além dos sentidos

Marcel Proust

Marcel Proust

Este anúncio lituano é deliciosamente bucólico. Muitos anúncios de produtos alimentares optam pelo bucólico. Bucólico e bucal. Embora o pareça,  creio nada ter a ver com uma fixação ou regressão oral, Este anúncio serve-nos uma gastronomia bucólica com o tempero nostálgico do regresso às origens. Neste mundo de apetites, o sabor simbólico dos alimentos é apreciado em qualquer lugar por qualquer motivo. Sentir para além dos sentidos é uma experiência, um encantamento. Leia-se, por exemplo, Marcel Proust (ver texto a seguir ao anúncio).

Marca: Iki. Título: Welcome Back. Agência: MILK, Vilnius, Lithuania. Direção: Nicole Volavka. Lituânia, Maio 2014.

A madalena de Proust

“Por um dia inverno, ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra os meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por quê, terminei
aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena.

Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal.

De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde aprendê-la? Bebo um segundo gole em que não encontro nada demais que no primeiro, um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim.

A bebida a despertou, mas não a conhece, e só o que pode fazer é repetir indefinidamente, cada vez com menos força, esse mesmo testemunho que não sei interpretar e que quero tornar a solicitar-lhe daqui a um instante e encontrar intacto à minha disposição, para um esclarecimento decisivo. Deponho a taça e volto-me para o meu espírito. É a ele que compete achar a verdade. Mas como? Grave incerteza todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá. Explorar? Não apenas explorar: criar. Está em face de qualquer coisa que ainda não existe e a que só ele pode dar realidade e fazer entrar na sua luz.”

(Marcel Proust. Em busca do tempo perdido: No caminho de Swann. 1913).

A passo de caranguejo

Damon Albarn

Fundador dos Gorillaz e vocalista dos Blur, Damon Albarn lançou, em Abril, um álbum a solo: Everyday Robots. Retenho a canção The History of a Cheating Heart. Lembra-me alguns músicos. Por exemplo, os Spain. Tudo me lembra alguma coisa. Hipertrofia da memória. De qualquer modo, sabendo para onde caminho, pouco me tenta o futuro. Se há que avançar, avance-se, mas, de preferência, de lado, a passo de caranguejo. Que corra quem tem muito para andar.

“The History Of A Cheating Heart” from Everyday Robots by Damon Albarn. Released: 2014.

A mecânica da felicidade

Mitsubishi Midas

Tudo muda: “todo o mundo é composto de mudança”. Todo o mundo? Não. Por consenso, o automóvel Mitsubishi é uma excepção. Como admite Luís de Camões: “E afora este mudar-se cada dia, / Outra mudança faz de mor espanto / Que não se muda já como soía”. Deve ser esta espantosa estabilidade automóvel, à prova do toque de Midas, a mecânica da felicidade.

Marca: Mitsubishi. Título: Midas. Agência: África. Direção: ALASKA. Brasil, Maio 2014.

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, d
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões

Caretas, um mundo de mistério e encanto

BahiaPalavra puxa palavra. Vídeo puxa vídeo. Amizade puxa amizade. Uma viajem do Entrudo de Gondar, em Amarante, para as caretas e o Sambiapunga da Bahia, no Brasil. Ana Rita Ferraz, professora na Universidade Estadual de Feira de Santana, enviou-me esta pérola: Caretas e Zambiapunga – Bahia Singular e Plural, um documentário da TVE Bahia, exibido em 2012, com um texto excelente e um ritmo de imagem estonteante.

Obrigado, Ana Rita!

Caretas e Zambiapunga – Bahia Singular e Plural, TVE Bahia, Brasil, 2012.

Contudo ela move-se

Galileu Galilei

Galileu Galilei

“A verdade é filha do tempo,e não da autoridade”

Galileu Galilei

A Terra gira.
Uma parte, mimada;
A outra, minada.
A maioria desfaz-se em imagens.

Marca: Electrolux. Título: O melhor presente. Agência: F/Nazca Saatchi & Saatchi. Direção. Brasil, Maio 2014.

Crónica dos diabos de Amarante

Fig 09. Diabos à Solta. Amarante.
Diabos, todas as terras têm. Mas diaba, é outra loiça. Então uma diaba roliça capaz de concorrer com as deusas da fertilidade!… Só em Amarante. O casal chifrudo provém, tudo o indica, das navegações por terras do Oriente. ??????????????????????????Os dois diabos alojaram-se, em boa vizinhança com os anjos e os santos, na Sacristia do Convento Dominicano de São Gonçalo. Este convívio foi interrompido, em 1809, pelos invasores franceses que os queimaram. Os amarantinos logo encontraram solução: mandaram fazer uma réplica do casal e recolocaram-no no mesmo lugar. De visita por terras de Amarante, D. Pedro V, indignado com a coabitação do demoníaco com o sagrado, retirou o casal de diabos da Sacristia e mandou-o penar para o Claustro.

Fig 10. Diabos à Solta. Amarante.Em 1870, o Arcebispo de Braga, D. José Joaquim de Moura, decide pôr termo à presença dos diabos em lugar sagrado: ordena que os queimem. Não é, porém, obedecido. Mas os diabos não têm paz. São vendidos a Alberto Sandeman e expostos em Inglaterra. Em 1889, fazem furor na Exposição Universal de Paris. Mas os diabos também são de torna-viagem. O Dr. Lago Cerqueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros, convenceu
Alberto Sandeman a devolver o par de mafarricos.

Fig 08. Cartaz Diabos à Solta. Amarante.Foram recebidos em triunfo. Na noite de São Bartolomeu (23 para 24 de Agosto), em Amarante, tal como em Cavez (Cabeceiras de Basto), os diabos andam à solta, mais do que noutras terras: há a procissão dos diabos, o baile dos mafarricos e uma queimada. “Veste a pele de DIABO e vem para a rua!”; “Diabos à solta em Amarante”. Fogo por dentro, fogo por fora. Por uma noite, abrem-se as portas do inferno. Para uma descrição mais pormenorizada, consultar a página do Museu Municipal Amadeo de Souza Cardoso: http://www.amadeosouza-cardoso.pt/pt/historia/o-diabo-e-a-diaba.

Porto Canal. Diabos à Solta. Amarante.

 

 

 

Amarante. Uma terra dos diabos

 
MCAC emRedart

O curso de mestrado em Comunicação, Arte e Cultura, da Universidade do Minho, não tem parado de receber e visitar. A apresentação da obra do pintor Gil Vicente, A Escola da Primavera em Melgaço, a visita à Galeria Emergentes Dst e, na próxima semana, o projeto enRed’arte, de Amarante.

Violência é violência

violence-is-violence-mankind-londres-homme-3Sabe-se que existem vítimas masculinas da violência doméstica. Os próprios organismos de apoio à vítima o testemunham directamente. Sabe-se, mas não se releva. O preconceito e a ideologia servem para evidenciar mas também para encobrir. O primeiro sentido do conceito de ideologia era, precisamente, “disfarce interessado”. Há um lado oculto da lua. E a lua teima em dar voltas. A Mankind Initiative é uma associação britânica de apoio às vítimas masculinas da violência doméstica. Afiança que “40% of domestic violence is against men in the UK”. Permito-me duvidar. A Mankind Initiative produziu, em 2013, um documentário dedicado ao tema: http://www.youtube.com/watch?v=-YNkuc6n1KU. Oxalá a nossa cegueira não esteja a fazer estragos. Porque, com mais ou menos chocolate, uma pessoa é uma pessoa. Segue o anúncio Violence is Violence.

Anunciante: Mankind Initiative. Título: Violence is Violence. Agência: Dare London. Direção: David Stoddart. UK, Maio 2014.