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Caducidade: a contagem das folhas

“Mover-se como uma folha morta caída da árvore que o vento leva, sem se saber se é o vento que nos leva ou se somos nós que transportamos o vento…” (Michel Jourdan). As folhas despedem-se dos ramos que bradam aos céus, para visitar a terra e as raízes de onde beberam a seiva. As folhas soltam-se avulsas, discretas e anónimas. Mas certos dias, fetichistas, teimamos em contá-las. São dias especiais comemorativos da caducidade. Pois contemos mas por ordem decrescente. Ousemos adolescentar perdidamente, bolinar contra o vento como as caravelas.

Encantados pelas folhas suspensas nas águas cristalinas de M.C. Escher (Three Worlds, 1955), resgatemos três vultos clássicos da floresta musical: Nat King Cole (Autumn Leaves; Unforgettable; e Smile), Emilio Cao (Cain as Follas) e Yves Montand (Les Feuilles Mortes, a versão original, francesa, de Autumn Leaves).

Nat King Cole. Autumn Leaves. 1955
Nat King Cole. Unforgettable. 1951
Nat King Cole. Smile. 1954
Emilio Cao. Cain as follas. Amiga Alba E Delgada. 1992
Yves Montand. Les Feuilles Mortes. Yves Montand à l’Olympia. 1981

O tempo que falta

Je l’aime tant, le temps qui reste… (Serge Reggiani, Le temps qui reste, 2002)

Je n’ ai pas peur de la route / Faudra voir, faut qu’on y goûte (Noir Désir, Le vent nous portera, des Visages, des Figures, 2001)

Quarenta alunos da Academia Sénior de Braga deslocaram-se a Melgaço a semana passada. Visitaram o Espaço Memória e Fronteira, o Solar do Alvarinho, as Termas, a Torre de Menagem e o Museu do Cinema. Tive o prazer de fazer de guia. Foi um bom momento. Como se diz, um momento bem passado. Sobra ainda o tempo que falta. Para viver, naturalmente!

Serge Reggiani. Le temps qui reste. Autour de Serge Reggiani, 2002
Mea Culpa Jazz. Le vent nous portera (cover de Noir Désir). 2017

Amor de filho

C.P. Group. Gratitude. Tailândia. 2018

Dispõe de seis minutos para comover o coração e expor a consciência? Promovida por uma cadeia de distribuição tailandesa, C.P. Group, esta curta metragem sobre o cuidado dedicado a uma mãe vítima de Alzheimer talvez configure uma boa oportunidade.

Marca: C.P. Group. Título: Gratitude. Agência: Ogilvy Bangkok. Tailândia, setembro 2018

Recordação dos Reis

Doc Morris Take Care of Yourself. 2020

Este anúncio escapou-me no Natal de 2020. Voltou a escapar em 2021. Ia também escapar em 2022. Mas os Reis resgataram-no. Era uma pena!

Marca: Doc Morris. Título: Take Care of Yourself. Agência: Jung von Matt / Saga. Direção: Sune Sorensen. Alemanha, dezembro 2020

Baralhar palavras

O anúncio holandês “Husky Frida”, da Dutch State Lotery, além de divertido, é invertido, “pega-lhe pelo avesso”: “não esperes que a sorte te sorria”, “não te fies na lotaria”. É, em suma, dinvertido, para bricolar letras ao jeito de François Rabelais, que inventou palavras tais como autómato, indígena ou agelasta (aquele que nunca ri, que não sabe rir).

François Rabelais (1494-1553)

Marca: Staatsloterij. Título: Husky Frida. Agência: TBWA / Neboko (Amsterdam). Holanda, dezembro 2022

It’s the age, stupid! Discriminação etária

Edvard Munch. As quatro idades da vida. 1902. Bergen Kunstmuseum

Uma vez assente a poeira, gostaria de revisitar uma bolha mediática que, pela mão de políticos e da comunicação social, absorveu e preocupou os portugueses.

Jovem de 21 anos sai da faculdade para o Governo e vai ganhar quatro mil euros (Título de artigo, 08 nov, 2022: https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2022/11/08/jovem-de-21-anos-sai-da-faculdade-para-o-governo-e-vai-ganhar-quatro-mil-euros/307102/).

Aponta-se o dedo, mediático, a uma “anomalia”: suspeita-se de entorse político. Até que ponto é admissível um jovem de 21 anos ir para o governo ganhar quatro mil euros? Inverto a pergunta: por que é que não é possível? Por causa da idade, por ter 21 anos? Este é o nó da discórdia, os outros argumentos convocados ou são meros corolários ou falácias. Assumir que um jovem de 21 anos não deve ir para o governo ganhar 4 000 euros, brutos, é um preconceito entranhado que se traduz numa discriminação abusiva baseada na idade. E, no entanto, quanta obra notável da história da humanidade empreendida por pessoas com menos de 21 anos na música, na arte e na literatura, na ciência e na técnica, na economia, na política e na guerra! Tal como não existe raça ou género, também não existe idade que diminua, à partida, um ser humano. Esta penalização pela idade, por mais espontânea que seja, nem sempre é bem-intencionada. Neste caso, o denunciante é tão suspeito quanto o denunciado.

A experiência profissional oferece-se, de algum modo, como um corolário da idade, um avatar preconceituoso, logo nem sempre justificado, que dificulta o acesso dos mais jovens à vida ativa. Configura um preconceito considerar mais garantia para a assessoria de um órgão do governo a experiência profissional, seja ela qual for, em detrimento das experiências política e de gestão associativa, sejam elas quais forem.

Em suma, discriminação e preconceito de braço dado.

Nirvana. Smells Like Teen Spirit. Nevermind. 1991. Vídeo oficial

Jovem de 21 anos sai da faculdade para o Governo e vai ganhar quatro mil euros

(…) Um jovem de 21 anos que acabou recentemente o curso de Direito foi contratado para ser adjunto da ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, sem ter qualquer experiência profissional.

Tiago Alberto Cunha vai ganhar cerca de quatro mil euros brutos por mês.

Segundo a nota biográfica publicada em Diário da República, Tiago acabou o curso de Direito no ano passado, na Universidade do Porto, e este ano ingressou no mestrado na Universidade de Lisboa, na mesma área.

Nas últimas autárquicas foi candidato à Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia pelo Partido Socialista, não tendo no entanto sido eleito. Ocupava o 32.º lugar da lista.

Entre 2020 e 2021, o agora adjunto de Mariana Vieira da Silva foi secretário-geral do Conselho Nacional de Estudantes de Direito (CNED).

Faz também parte da Assmblei de Freguesia de Vilar de Andorinho, em Vila Nova de Gaia.”

(https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2022/11/08/jovem-de-21-anos-sai-da-faculdade-para-o-governo-e-vai-ganhar-quatro-mil-euros/307102/)

A princesa noiva e a velha grávida

Baubo. Estatueta de terracota, de Alexandria. Período ptolemaico.

Estou a escrever sobre velhas grávidas impúdicas, de preferência, risonhas [pertence a um conjunto de textos que não dá para publicar no Tendências]. Para compensar a carga grotesca e a penúria de escrita, recorro à músicas, sobretudo, músicas harmoniosas como as compostas por Mark knopfler para filmes dos anos oitenta.

Mark Knopfler. Going Home. Local Hero, 1983. Ao vivo em Barcelona, 2019.
Mark Knopfler. The Long Road. Cal. 1984.
Mark Knopfler & Willy DeVille. Storybook Love The Princess Bride. 1984

Apego à terra. Fotografias de Castro Laboreiro

Segue o artigo “A despovoada, bela e bravia Castro Laboreiro vive no passado à espera do fim”, do Jornal Público, com 8 fotografias magníficas de Bruno Fernandes. Carregar na imagem para aceder ao artigo.

Ladies à espera da missa no domingo. Fotografia de Bruno Fernandes. 2022. Fonte CENIE. International Center on Aging.

Conversas soalheiras

Capela, púlpito e pena de Anamão. Fonte: Diario de un médico de guardia.

Nos últimos dias estive arredado da Internet. Reentreguei-me, com bengala e apoio, ao dito “trabalho de terreno”, em Castro Laboreiro, para as bandas da Senhora de Anamão. “Trabalho de terreno não é designação apropriada”: nem colheira de batatas, nem trabalho, apenas o desafio e o prazer de conversar entre velhos. Os castrejos dominam a arte da palavra: franca, hábil, substantiva e certeira. Furtando-me a despiques, que sei perder, apenas escuto e incentivo. Mesmo assim não me poupam: “o senhor é fresco”; “sabe-a toda”, “é preciso ter cuidado consigo”, “não é agora de velhos que vamos começar a namorar”.

Os testemunhos fluem par memória futura: “dizíamos cada palavrão”, “enchíamos as bexigas com água para molhar a gente”; “púnhamos tojos num saco para atirar”; “até subimos com a mula da moleira pelas escadas para entrar na casa”; “numa vez fizemos um burro de madeira, deste tamanho [cerca de um metro de altura”, vestimo-lo e andamos com ele por todo o eido”; “vinha [fulana] da fonte com o caneco cheio de água e [sicrana] enfiou-lho todo pela cabeça a baixo, ficou toda molhadinha, não teve outro remédio senão ir buscar outro… não! não levou a mal! o entrudo tocava a todos, ninguém se punha de fora”; “dizíamos cada palavrão!”…

Regressei por entre fragas e prados com o corpo torrado e moído mas a alma vigorosa e fresca, como o rio Laboreiro a correr para o Minho e o Minho para Moledo. Seguem três canções interpretadas por Né Ladeiras: Todo Este Céu; Benditos; e A Lenda da Estrela.

Né Ladeiras. Todo este céu. Todo este céu. 1997
Né Ladeiras. Benditos. Ao vivo no Conservatório de Coimbra, 17/11/16
Né Ladeiras. A lenda da estrela. Espanta Espíritos. 1995. Ao vivo na Sic.

Envelhecimento e novas tecnologias

Lenovo.Te haces viejo, te llenas de contenido. Julho 2022

“Envelhecer é como escalar uma montanha: enquanto se sobe as forças diminuem, mas a visão torna-se mais ampla” (Ingmar Bergman).

Nunca foi tão notório o alcance das condições, das dinâmicas e das relações sociais na configuração do comportamento humano. No entanto, afigura-se-me que a Sociologia, como ciência e como profissão, marca passo. Trata-se, certamente, de um problema de miopia de quem não salta de congresso em congresso nem elege como bússola os rankings. Como uma miopia nunca vem só, quer-me também parecer que a polifonia e as viragens de pensamento tendem a ser cada vez mais lideradas por fundações e empresas privadas, com ou sem “responsabilidade social”. Ao redor, prevalece a cacofonia.

A “luta contra o envelhecimento” foi cruzada que conheceu melhores dias. Por que não ser velho e viver, francamente, a velhice? Opor-se ao envelhecimento parece-me um contrassenso e um imperativo pugnar pela qualidade de vida na velhice. A agência de publicidade colombiana Fantástica assume esta “nova” relação com a idade na campanha Te haces viejo, te llenas de contenido, para a Lenovo.

” En el marco del Día Nacional de la Juventud en Colombia, Fantástica y Lenovo presentan Te haces viejo, te llenas de contenido, que da un especial valor al rol que tiene la tecnología en los adultos mayores. La iniciativa apuesta por un segmento de gran potencial, pero poco explorado en el mercado.
De acuerdo con el informe Global Consumer Trends 2022 de Euromonitor, tras la pandemia, los adultos mayores pasaron de la resistencia a la confianza en la adopción de tecnología y uso de plataformas digitales. La necesidad de concretar diligencias personales, comunicarse con sus familiares o simplemente tener un espacio de entretenimiento para sí mismos, los llevó a involucrarse con las redes sociales y familiarizarse más con el uso de dispositivos móviles y computadores.
La campaña nace de entender a los adultos mayores como digital seniors, personas que no solo están aprendiendo las nuevas tecnologías, sino que también están aportando sus conocimientos para enriquecerlas.
Para Juan David Suárez, gerente de mercadeo de Lenovo Colombia, algunas marcas se dirigen al segmento de adultos mayores con mensajes basados en un posicionamiento un poco sesgado: se asume que son personas en retiro, con intereses en categorías solo de salud y poco activos. “Desde Lenovo tenemos otra visión; creemos en la resignificación de este segmento, entender que son fuentes activas y dinámicas de historia y patrimonio oral e intelectual” (https://www.adlatina.com/publicidad/preestreno-fantastica-y-lenovo-revalorizan-el-uso-de-la-tecnologia-por-parte-de-los-adultos-mayores).

Marca: Lenovo. Título: Te haces viejo, te llenas de contenido – Angarita. Agência: Fantástica. CCO: Daniel Bermúdez. Colômbia, julho 2022.
Marca: Lenovo. Título: Te haces viejo, te llenas de contenido – Teresita. Agência: Fantástica. CCO: Daniel Bermúdez. Colômbia, julho 2022.