A beleza que toca o coração
O tempo deu ao tempo o tempo que o tempo não tem. Este anúncio português é longo. Dura quase quatro minutos. Propõe uma experiência com um painel composto exclusivamente por homens. Num primeiro momento, regista a reacção perante fotografias de modelos femininos. A beleza estereotipada. Seguem imagens de mulheres com laços familiares (esposa, filha, irmã, avó). Casos apostrofados, únicos e próximos. A “beleza real”. A razão e a análise dão lugar à emoção e ao sentimento, à “beleza que toca o coração”. Um medidor de frequência cardíaca avalia o impacto das imagens. A frequência cardíaca associada aos modelos não ultrapassa as 85 pulsações por minuto. No caso de pessoas significativas, ultrapassa as 100 pulsações por minuto. “É isso que eu sinto, ela é única”. A “beleza real” ultrapassa a beleza por catálogo.
Quando não temos em que pensar, pode-se seguir o conselho de Ernst Bloch e perguntar como seria o que não é. Se fossem mulheres a reagir a homens? E mulheres a reagir a mulheres? E homens a reagir a homens? Falhava-se o alvo? Ainda persiste a ideia de que as mulheres se vêem através do olhar dos homens?
Abordar um fenómeno atendendo ao que ele não apresenta, àquilo que pressupõe ou exclui, é uma postura fecunda na investigação social, descurada, aliás, pela maioria dos livros de metodologia. Sustentava Gaston Bachelard que “só existe ciência do escondido”. Mas o oculto é apenas uma parte do que não aparece. Neste quadro, prefiro a máxima de Ernst Bloch: se a história está cheia de impossíveis realizados, mais cheia está de possíveis não realizados.
Marca: Dove. Título: Beleza Real. Agência: Black Ship. Portugal, Setembro 2016.
2 responses to “A beleza que toca o coração”
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- Março 21, 2022 -
Supra! Para cima de lindo e emotivo, do foro do coração, do coração/símbolo do sentir.