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Cupido e a dança dos esqueletos

Rafael Sanzio. Madona Sistina (detalhe), 1512-13

Aproxima-se o São Valentim. É tempo de preparar sementeiras. Altura propícia para Cupido se soltar e começar a fazer da suas. Nem sequer os esqueletos escapam! Junto uma animação 3D com um Cupido barroco que me acaba de enviar o Eduardo Pires de Oliveira. Um bom pretexto para recolocar uma dança erótica esquelética. Ambas as animações (mappings) foram produzidas pelo coletivo artístico belga Skullmapping.

Skullmapping / Filip Sterckx, Antoon Verbeeck, Birgit Sterckx. Rubens Cupid. Toerisme Vlaanderen, 2020.
Skullmapping / Filip Sterckx and Antoon Verbeeck. Skeleton Dance. Brussels Light Festival 2013.

A lupa e o telescópio. O tango das escalas

Giuseppe Arcimboldo. Vertumnus (1591) e Flora (c. 1589). Montagem.

“Lorsqu’on change d’échelle les phénomènes changent non seulement de grandeur mais aussi de nature / Quando se muda de escala os fenómenos mudam não só de dimensão mas também de natureza” (Olivier Dollfus, L’espace géographique, Paris, P.U.F., 1970, p. 22)

Importa cruzar escalas: observar de perto, para sentir, senão partilhar, o que as pessoas fazem; e com algum recuo, para saber, senão estranhar, o que se está a fazer.

Procissão, de Jean Villaret, e Amsterdam, de Jacques Brell, possuem a virtude de oscilar entre o pormenor e o conjunto, o ato e o resultado, os participantes e uma realidade coletiva, a procissão, os marinheiros e a cidade, Amsterdão. São, certamente, diferentes, mas a diferença não constitui, necessariamente, um problema.

Procissão (1956), poema de António Lopes Ribeiro, declamado por João Villaret. RTP, década de 50.
Jacques Brel. Amsterdam. 1964. ORTF, 10/11/1966.

Memória e presença

René Magritte. The Fickleness of the Heart.1950.

“É a memória que faz toda a profundidade do homem” (Charles Péguy. Clio. Dialogue sur l’histoire et l’âme païenne. La Pléiade. Œuvres en prose complètes, III, p. 1175. Paris, Gallimard, 1987-1992).

Memória não é passado. É comunhão e presente. Raízes do tronco da vida. Subviver durante muito tempo não é apenas um modo de estar, torna-se um modo de ser, em que a memória adquire um papel decisivo. Afirma-se como uma garantia de sobrevivência. Um esteio e uma alavanca, cujo potencial de resgate do ser diminuído se revela inestimável. Uma contra identificação pela crise: a biografia contra a ruina.

Sobreviver obriga a erguer-se e a superar-se, mas também a resistir aos demais, aos “outros significativos”, que acabam por incorporar, assimilando, o nosso novo modo de ser num seu novo modo de viver, vetor de maior proteção mas também fonte de maior protagonismo. O cuidado ambiente pode atingir um ponto de inflexão em que o resguardo reverte em escolho, o abraço em aperto e a dedicação em duplo vínculo. Para ressurgir, “renamorar” a existência, talvez importe arejar os agasalhos virtuosos, mas amortecedores, e ousar pisar os riscos que, a seu tempo, foram de salvação. Com a ajuda da memória.

(Quando comecei este artigo esperava escrever algo de jeito e não um fraseado obtuso e intragável. O sol deve ter inflamado as celulazinhas cinzentas. Acontece!)

Andrew Lloyd Webber. Cats. Musical. 1981. Elaine Page performs from the 1998 production of Cats.
Barbara Streisand. Memory. Memories. 1981. Vídeo oficial.
Maroon 5. Memories. Emote Pa More. 2020. Vídeo oficial.

Desejos sobre carris

As viagens em comboio ou em autocarro propiciam-se à cogitação ruminante, desde a concentração em detalhes passageiros até à evasão onírica. Esta experiência serve de tópico ao anúncio What We Really Want, da Belgium Railway. Lembra a dissertação de de Heidi Martins Rodrigues, Tempos Múltiplos, Sobrepostos e Segregados: narrativas no Luxemburgo (mestrado em Comunicação, Arte e Cultura, Universidade do Minho, 2013), que aborda as âncoras, os pensamentos e os sonhos dos luxemburgueses durante as viagens quotidianas de autocarro entre a residência e o trabalho. Fui, com agrado, membro do júri do do doutoramento em Sociologia da Heidi, na Universidade do Luxemburgo, em 2019, com a dissertação Dynamiques de (dés)appartenances au cours de la vie : le cas des Portugais de “seconde génération” au Grand-Duché du Luxembourg. Saudades do tempo em que ainda não estava confinado, sem covid, em casa.

Para aceder ao vídeo do anúncio carregar na imagem seguinte ou neste endereço: https://www.lbbonline.com/work/59527.

Marca: NMBS / SNCB. Título: What We Really Want. Agência: TBWA Brussels. Direção: Joe Vanhoutteghem. Bélgica, outubro 2021.

Doutoramento

Ana Isabel, João e Sara.

A Ana Isabel obteve, ontem, dia 15 de Outubro, o grau de Doutor em Economia Aplicada, pela Universidade de Antuérpia, com uma dissertação intitulada Online reviews andhow to manage them: Effects of eWOM and Webcae on consumer responses and business performance. Sabedoria, brilho e beleza. A Ana Isabel merece dupla felicitação. Por ter concluído, em três meses, o que ainda poucas mulheres conseguem, uma tese, e cada vez menos fazem: um filho. Aproveito para lhe desejar uma excelente carreira como docente na Universidade Livre de Amsterdão. Apreciei, também, a qualidade da organização da prova, a pedir-nos um pouco de benchmarking. Estão ainda de parabéns o João, pelo apoio, e a Sara, pela companhia.

Por falar em Sara, a quem sai a neta?

À mãe, pelo encanto:

A Sara sai à mãe pelo encanto.

Ao pai, pela frontalidade:

A Sara sai ao pai pela frontalidade.

À avó, pelo sono. Ambas dormem pouco e bem.

A Sara sai à avó pelo sono.

Ao tio, pelo humor:

A Sara sai ao tio pelo humor.

Ao avô, sabe-se lá por quê.

A Sara sai ao avô, sabe-se lá por quê.

A emoção serve-se melhor com música:

Dmitri Shostacovich. Piano Corcerto nº2, II Andante. Piano: Denis Matsuev. The Orchestra of the Mariinsky Theatre.
Vivaldi Concerto in C major RV 443 (largo).