Saltos altos
Não sei se somos um país de sobressaltos. Mas somos um país de saltos altos. A começar pela Cinderela de Joana Vasconcelos. Os sapatos altos assumem, ao longo da história, diversas funções: rituais; higiénicas (protecção contra a lama e as imundícies das ruas); dramatúrgicas (expressão do estatuto social das personagens); publicitárias (adereço distintivo das prostitutas no Império Romano); de controlo (dificuldade de locomoção a quem se quer por perto); e corporais (compensação da natureza).
Nos séculos XVI e XVII, reis, rainhas, nobres e pessoas abastadas calçaram sapatos de saltos altos. Don Rodrigo de Moura Telles (1644-1728), ilustre arcebispos de Braga, é um bom exemplo. De baixa estatura, os sapatos de salto alto, de que existe um exemplar no Tesouro-Museu da Sé de Braga, ajudavam o arcebispo a aceder à mesa das celebrações. Durante séculos, o salto alto foi associado à nobreza. Era alto e altivo. Curiosamente, após a Revolução Francesa, os saltos altos quase desapareceram.
Enquanto moda, os saltos altos são cíclicos. Como a barba. Não deixam, porém, de se enquadrar na calibragem dos corpos iniciada na Idade Média: alto, direito, liso, fechado, leve e frontal. O salto alto contemporâneo não é altivo. Eleva, endireita, pula e avança. Não me recordo de um momento de moda com saltos tão altos. A princípio, parecia-me que as pessoas andavam com chapéus nos pés. Mas depressa me afeiçoei. Moda que perdura é a de as pessoas andarem sem nada na cabeça.
Para uma breve história do sapato de salto: História do Sapato de Salto.
Tendências do Imaginário referido no El País
Ontem, 29 de Dezembro, o jornal El País publicou a reportagem “Regreso a la morada de Néron”, assinada por Guillermo Altares. A propósito de Francisco de Holanda e das imagens da Domus Aurea, o texto remete, incluindo o link, para o blogue Tendências do Imaginário (artigo Domus Aurea: o sonho enterrado). Por virtude deste pormenor, o blogue Tendências do Imaginário ficou com febre. Ontem, somou 14 411 visualizações; hoje, vai em 17 175, quando a média ronda as 400 visualizações. O maior afluxo provém de Espanha. Mas há sobressaltos por todo o mundo hispânico: Argentina, México, Colômbia, Costa Rica… Trata-se de uma vaga: vem e vai; e o blogue retomará em breve as suas tranquilas 400 visualizações.
Para aceder à reportagem do jornal El País sobre o palácio de Nero, carregar na imagem ou no seguinte endereço http://elpais.com/elpais/2014/12/26/eps/1419609791_496058.html.
A pobreza está a mudar
“O rosto da pobreza está a mudar”. Vertiginosamente. Quem tem familiares, amigos, conhecidos, apercebe-se dos contornos e da espessura desta mudança. A pobreza está a mudar. Há quem o diga! Mas convém mostrar, fazer um desenho. Dar corpo à frase. Este anúncio de uma campanha canadiana de recolha de alimentos é um bom começo.
Anunciante: La Grande Guignolée des Médias. Título: The face of poverty is changing. Agência: TBWA. Direcção: Mélanie Charbonneau. Canadá, Dezembro 2014.
A caminho do inferno
O Taymouth Hours é um livro de horas datado de 1325-40. Da profusão de iluminuras, retenho uma pequena amostra alusiva às coisas do inferno (ver galeria). Dedicados e despachados, os diabos conduzem os condenados (figuras 2 a 4) para a boca do inferno (figura 5). No interior, o ambiente é caloroso (figuras 6 a 8). Cada suplício, uma vez terminado, é recomeçado. A never ending pain!
- 01. Taymouth Hours, c. 1325-40.
- 02. Taymouth Hours, c. 1325-40.
- 03. Taymouth Hours, c. 1325-40.
- 04. Taymouth Hours, c. 1325-40.
- 05. Taymouth Hours, c. 1325-40.
- 06. Taymouth Hours, c. 1325-40.
- 07. Taymouth Hours, c. 1325-40.
- 08. Taymouth Hours, c. 1325-40.
A obesidade do Pai Natal
O Alexandre Basto partilhou um anúncio da Fundação Portuguesa de Cardiologia, Focas, que, como muitos, me escapou. O anúncio adopta a forma de uma reportagem ao estilo da National Geographic. Os barrigudos aparecem como seres vivos que, atendendo ao local e à disposição, se assemelham a focas, senão a elefantes marinhos. “Não praticam actividade física e não têm cuidado com o que comem”. “A nossa missão é salvar os barrigudos”.
A sociedade actual é acometida por sobressaltos mais ou menos apocalípticos: a exposição solar, o tabaco, a poluição urbana, o álcool, a camada de ozono, a Coca-cola, a gripe das aves, os acidentes rodoviários, a toxicodependência, a imigração, o vírus de Ébola, a pedofilia, o terrorismo, a corrupção, a obesidade… Consoante os ventos, ora se foca nuns, ora se foca noutros. Obsessivamente. Há ciclos, com duração e intensidade variáveis. O ciclo do tabaco parece já ter conhecido o auge, o da obesidade está em plena pujança.
Na maioria dos riscos sociais, a mão da ciência e da medicina tem-se revelado decisiva. O que a ciência e a medicina sabem, o Estado pode. Os argumentos da ciência e da medicina sustentam os dispositivos de poder. Não é novidade. Há tempos, não muito distantes, era o emagrecimento que justificava apreensão; agora, é a obesidade, com sólida certificação técnica e científica. A gordura faz mal às veias, ao coração, ao pâncreas… Faz mal a tudo! Morre-se por tudo quanto é corpo. Sem margem para dúvidas! As estatísticas e as probabilidades não enganam, falam por si.
A profilaxia e a terapia, além de médicas, têm uma ancoragem social. A própria cura também é social. A obesidade configura um desvio cujo controlo é sistémico. Tudo e todos, a qualquer momento, podem assumir-se agentes da luta contra a obesidade. O gordo está permanentemente exposto à “salvação”. É uma “espécie em risco. Estamos perante um fenómeno totalitário. Para bem do obeso, não há insignificância que escape.
Expande-se, entretanto, o mercado do emagrecimento e a estética do fio de azeite: produtos dietéticos, nutricionistas, ginásios, caminhadas… Em todo este arrebatamento, estranho que a obesidade ainda não pague impostos. Os consumidores de tabaco e de álcool contribuem como reis magos. O imposto aos obesos até podia ser progressivo, variar consoante o “perímetro abdominal”. Estranho, também, que o Pai Natal continue, ano após ano, avantajado. Precisamos de um Pai Natal magrinho, para dar o exemplo. Se o Luke Lucky perdeu o cigarro, o Pai Natal também pode perder peso.
Anunciante: Fundação Portuguesa de Cardiologia. Título: Focas. Agência: Partner. Portugal, Maio de 2006.
Ecrãs de sonho
Afastemos o mal para demandar a antecâmara do paraíso: a publicidade. Os ecrãs, não sei se nos perseguem, se os perseguimos, mas não paramos de os encontrar. Os ecrãs Samsung levitam, à espera da menina dos sonhos, à espera do sonho. Os ecrãs são o lugar por onde passa o sonho, o lugar do sonho. O resto é animação, engenho e arte.
Marca: Samsung. Título: Holiday Dreams. Agência: R/GA. Direcção: Ben Steiger Levine & Martin Allais. USA, Dezembro 2014.
À Virgem de Guadalupe

“Ex-voto”. Cidade do México. 1990.
Aproveitei a descompressão natalícia para sobrevoar ex-votos na internet. Deparei com esta devoção à Virgem de Guadalupe por parte de uma mulher que se libertou da prostituição graças à interferência de um homem. Verdadeiro ou falso? Tanto parece um ex-voto como parece um postal ilustrado. Será uma paródia de ex-voto? Procurei informação, por sinal escassa e nem sempre de fonte segura.
– O lugar mencionado no ex-voto, La Merced, é um “bairro” da cidade do México associado à prostituição.
– A assinatura do autor da imagem do ex-voto, “Vilchis”, corresponde ao “pintor del barrio” e “retablero” Alfredo Vilchis, de Minas de Cristo, em Mixcoac, na cidade do México.
– Existem referências à reprodução deste ex-voto, com mais três congéneres, no livro de Joseph Rodriguez (2006), Flesh Life: Sex in Mexico City, New York, Power House Books.
Foi tudo o que encontrei. Permanecem algumas dúvidas. Pouco importa. Se for falso, vale pela imaginação; se for verdadeiro, vale pela mensagem. Enfim, a tratar-se de um ex-voto, o realismo da imagem não surpreende. Estou, no entanto, convencido que se trata de um “retablo” de Alfredo Vilchis, mas duvido que seja um ex-voto de Marta Luna. Folk art traditions…
O Gato Borralheiro
Quem é este homem? Um cavalheiro? Um espião? Um cirurgião? Um artista? Um vencedor? Este homem é o máximo, mas, pasme-se, afinal, é empregado de hotel! Axe é o segredo, a nova varinha mágica.

Georg Simmel (1858-1918).
Georg Simmel escreve, em 1912, que “se pode qualificar [o odor] como sendo o sentido desagregador ou anti-social por excelência”, o que é agravado pela tendência do “refinamento dos sentidos” (Simmel, Georg, 1981,“Essai sur la Sociologie des Sens” (1912) , d, Paris, PUF, p. 237). Convém ressalvar que no tempo de Simmel não havia Axe.
Marca: Axe. Título: Hotel. Agência: BBH New York. Direcção: Ari Weiss. USA, Dezembro 2014.
Riso fumado

Figura 1. The devil of tobacco From William Hornby’s The Scourge of Drunkennes, an anti-smoking pamphlet printed by G. Eld for Thomas Baylie, London, 1618
Fumar mata! Prejudica a saúde! É um estorvo nas relações humanas e um desperdício de tempo. Gostar de fumar é amar o inimigo. É um fumeiro da inteligência! Antes da censura, o tabaco constituía um segmento apreciável da actividade publicitária. Produziram-se muitos anúncios ao tabaco, alguns brilhantes, como estes dois da Hamlet, com humor expedito e raro sentido do detalhe. Para além do risus paschalis, existe o risus natalis, precedido, aliás, pelas saturnais romanas, que decorriam do dia 17 ao dia 25 de Dezembro. Enfim, como se pode comprovar na figura 1, no tempo de Shakespeare, e do Hamlet, já existiam panfletos anti-tabaco.
Marca: Hamlet Cigars. Título: Teacher. Agência: CDP. Direcção: Steve Eliot. UK, 1966.
Marca: Hamlet Cigars. Título: Snowman. Agência: CDP. UK, 1972.
Cabeças com semáforos
Não, não sou o único
Não, sou o único a olhar o céu
Não, não sou o único
Não, sou o único a olhar o céu Pensas que eu sou um caso isolado
Não sou o único a olhar o céu
A ouvir os conselhos dos outros
E sempre a cair nos buracos
A desejar o que não tive
Agarrado ao que não tenho
Não, não sou o único
Não sou o único a olhar o céu E quando as nuvens partirem
O céu azul ficará
E quando as trevas abrirem
Vais ver, o sol brilhará
Vais ver, o sol brilhará
(Xutos e Pontapés)
Tanta gente inteligente com tanto semáforo na cabeça! Não gosto da expressão “estudar para burro”. Mas já me aconteceu mudar de opinião. Até os políticos mudam…
A Ana Barros enviou-me este artigo sobre A doença da “normalidade” na universidade . “Não sou o único”. O que reconforta. Pode aceder ao artigo carregando na imagem ou a partir do seguinte endereço: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/07/a-doenca-da-normalidade-na-universidade.html.