Gárgulas impúdicas
Olhar para cima e deparar-se com um rabo prestes a defecar representa uma experiência estranha mas possível. Em Portugal, existem gárgulas impúdicas na Sé de Braga (figura 1), na Igreja Matriz de Caminha (figuras 2 e 3) e na Sé da Guarda (figura 4). Vigiam-nos um pouco por toda Europa: Espanha, França, Inglaterra, Alemanha… Algumas, além do rabo, exibem os genitais. Por exemplo, na Matriz de Caminha, numa casa do século XV em Bruniquel (figura 5) e na Igreja de St Pierre de Dreux (figura 6).
Estas gárgulas de rabo ao léu têm ar de se borrifar para o comum dos mortais. A fazer fé na alquimia grotesca, fertilizam-nos. A cartografia simbólica do corpo humano desvaloriza o baixo (os pés), o posterior (as costas) e o interior (as entranhas). Estas gárgulas perfazem um cúmulo grotesco: baixeza traseira incontinente.
O que significa tamanha vulgaridade numa igreja? O fenómeno não é inédito. As danças macabras atemorizam tanto as igrejas como os cemitérios dos sécs. XV e XVI. Nos edifícios beneditinas, multiplicam-se os sátiros e as carrancas. O próprio diabo é presença habitual na casa do Senhor.
Michel Maffesoli fala em homeopatia do mal, senão da morte. Mikhail Bakhtin, convoca os interstícios do lado sombrio da criação, o da potência dionisíaca. Entretanto, imunes a hermenêuticas, as gárgulas defecam chuva, a fonte da vida, a seiva do húmus.
5 responses to “Gárgulas impúdicas”
Trackbacks / Pingbacks
- Março 24, 2020 -
- Novembro 15, 2021 -
Esculturas do pecado!
Já naqueles tempos pairava o religioso e profano que na verdade provinha de muitos séculos anteriores, exemplo, “As divindades e as mitologias grego/romanas. Com tais gárgulas quis o homem deixar marcas para as gerações vinduras. Interrogo-me, como foi possível que os Tribunais do santo Ofício consentissem aquelas contradições em templos considerados Sagrados? Mesmo sabendo que foram construídas muito antes deste ter sido criado, mas teve poderes para ordenar a sua destruição, disso não duvido.
Na torre da igreja da Colegiada, em Guimarāes, também existe uma gárgula representando um diabo a chupar o seu próprio falo.