O exílio das palavras

Persiste um ar abafado, morno e enovoado. Não tarda alguém garantir que é efeito do fumo de tabaco, sugerir o aumento dissuasor do respetivo imposto e pedir a interdição de fumar nas varandas. Disfarce-se o mal com uma pitada de música um pouco original e digna de ser mais conhecida: a banda norte-americana My Morning Jacket.
O blog Tendências do Imaginário está a reduzir-se cada vez mais à música. Por que não? Se as palavras andam exiladas…
O mundo maluco e algo mais

Salto de assunto em assunto com a ligeireza de um comentador de caixinha mágica. Acabo uma conversa sobre surrealistas e maneiristas, logo inicio um capítulo, com prazo para o do Dia da Nação, sobre a implementação de zonas industriais no interior do País. Entretanto, relaxo: ontem, a Deriva, uma iniciativa do curso de mestrado em Comunicação, Arte e Cultura; hoje, passagem pelo blog e massagem musical. Procuro um CD adormecido há anos e encontro o Trading Snakeoil for Wolftickets, do Gary Jules, editado em 2001. Seguem “o mundo maluco”, “a janela quebrada” e “algo mais”.
Ousadia serena para almas céticas

O artigo anterior contemplou a cantora Angel Olsen. Quem escuta Angel Olsen arrisca ocorrer-lhe Sharon Van Etten. Partilharam, aliás uma música: “Like I Used To” (1991). Nascida em Belleville, New Jersey, em 1981, Sharon Van Etten editou o seu primeiro álbum, “Because I Was In Love”, em 2009. Desde então publicou cinco álbuns: Epic (2010), tramp (2012), Are We There (2014), Remind Me Tomorrow (2019) e We’ve Been Going About This All Wrong (2022).
Com uma voz ligeiramente rouca, as “suas músicas “Suas são sinceras sem serem excessivamente sérias; sua poesia é franca, mas não aberta e sua voz elegante é envolta em suficiente tristeza para não soar muito pura ou confiante”. A elegância de uma ousadia serena. E alguma intimidade sombria. Dedico estas quatro músicas, uma por álbum por data decrescente, às almas céticas que dobram os anos como quem muda de pântano.
Recomendo o artigo “Santuário da Boa Morte, Correlhã, Ponte de Lima”, um texto curioso com imagens magníficas, de Eduardo Pires de Oliveira, no blogue margens: https://margens.blog/2022/12/30/santuario-da-boa-morte-correlha-ponte-de-lima/
Magia: A Fisioterapia e a Vida

O anúncio “Caring Makes Magic”, do Centro Médico Montefiore, de Nova Iorque, sensibiliza. Convoca duas histórias, que acabam por se cruzar no final de uma forma desconcertante mas eloquente, com protagonistas que vivem em dois mundos, sem se saber qual o mais real e o mais fantástico.
Physical therapy is often a slow process, but the rewards are powerful. In this year’s holiday spot, Montefiore Einstein shows the recovery of a toy store owner, how it impacts his life and many others – real and imagined.
Dual plotlines depict the sleepless nights and pain that a store owner has to endure, juxtaposed against characters atrophying in a holiday display within the man’s toy shop window. One boy complains: “My skates don’t work.” A vendor says there are “No cookies. No nothing.” Without the store owner, they are lost.
After pushing himself to recover and bonding with his physical therapist, we see our hero running up the stairs and, soon, back at his store. There, he brings the village back to life. Soon skates and sleds work. The fire at the roasted chestnuts stand ignites. Even the chestnut vendor’s hair grows back (…)
We see the store owner happily driving the train through his toy village and find the boy who had lived in the display suddenly outside the store window. Sound confusing? It kind of is, but it certainly gives us something to think about and a reason to watch again.
In the end, the key message – that “caring makes magic” – is driven home quite poetically (Kenneth Hein. Nearly three minutes of holiday delight offer dual story lines and one important message. The Drum: https://www.thedrum.com/news/2022/12/05/us-ad-the-day-montefiore-einstein-shows-the-power-healing-and-the-holidays).
Nunca é tarde

“I’m always making a comeback but nobody ever tells me where I’ve been / Estou sempre a regressar mas nunca ninguém me diz onde estive (Billie Holiday. Lady Sings the Blues, 1956).
Tanta música no Tendências do Imaginário e nenhuma canção da Billie Holiday! Admito que o blogue acusa algum descuido em relação aos anos quarenta e cinquenta. E já começa a ser tarde para começar.
Um Milhão de Máscaras de Deus

Cause I can feel your pain
In my bones, in my bones
And I can feel your pain
Deep in my bones, deep in my bonesAnd hallelujah to the one in our bones
And hallelujah to the one that we love(Manchester Orchestra, I’m Like a Virgin Loosing a Child, 2006)
Depois do “olhar estrábico de Cristo”, “um milhão de máscaras de Deus”! Após o sucesso de “Silence” (https://tendimag.com/2021/03/11/o-tendencias-do-imaginario-face-ao-confinamento/), a música dos Manchester Orchestra frisará o “inaudível”?
A imaginação infantil ao poder

“A imaginação ao poder” (palavra de ordem de Maio 68)
O Halloween já passou, o Natal está à porta. A imaginação infantil ao poder, tanto nos Estados-Unidos (onde a Toys’R’Us tem sede) como na Rússia (onde a S7 Airlines tem sede)!
Indolência extravagante

- AS LENTAS NUVENS FAZEM SONO
- Indolência aberrante
- As lentas nuvens fazem sono,
- O céu azul faz bom dormir.
- Bóio, num íntimo abandono,
- À tona de me não sentir.
- E é suave, como um correr de água,
- O sentir que não sou alguém,
- Não sou capaz de peso ou mágoa.
- Minha alma é aquilo que não tem.
- Que bom, à margem do ribeiro
- Saber que é ele que vai indo…
- E só em sono eu vou primeiro.
- E só em sonho eu vou seguindo.
- (Fernando Pessoa, Poesias Inéditas, São Paulo, Poeteiro Editor, 2014)
De evento em evento, não me apetece pensar. Pasmo, escuto música e embalo os sentidos. Abandono puro. Não me serve qualquer música. Nem dos gavetões, nem das estantes, mas das raras e singulares, que releguei para as pastas de arquivo. Por exemplo, o folk psicadélico “esquisito” (weird) de Devendra Banhart, que, por sinal, adora Portugal. Conhece?
“O cantor norte-americano Devendra Banhart gostou tanto da recepção que obteve durante o “Festival para Gente Sentada”, realizado na cidade de Santa Maria da Feira, que decidiu homenagear a cidade nesta bonita canção interpretada em espanhol/castelhano” (Devendra Banhart encanta-se por “Santa Maria da Feira” (2005). Portugal através do mundo: http://portugal-mundo.blogspot.com/2007/11/devendra-banhart-encanta-se-por-santa.html).
Em 2020, regressou a Portugal para apresentar o álbum Ma. Segue a gravação da canção Is This Nice na Antena 3. O vídeo 4 retoma esta canção mas em versão estúdio.
Acrescento a interpretação acústica de Never Seen Such Good Things, um dos seus maiores sucessos.
Miriam Makeba, Mama Africa

Dedico-me cada vez mais a uma lentidão atenta à natureza. Hoje, assisti ao que creio ter sido uma “dança de corte” entre um melro, preto, e uma melra, de tez acastanhada. Ultrapassando raramente uma distância de meio metro entre ambos, o melro aproximava-se, investia, e a melra afastava-se, esquivava. Por vezes, ensaiava pequenos voos de menos de 40 cm de altura pousando no mesmo sítio. Esta “dança” durou cerca de 4 minutos. Fiquei a observar quieto, logo não filmei.
Lembrei-me de Miriam Makeba ao ler o artigo “Jean Rouch, cineasta, antropólogo, engenheiro, africano branco”, de José Ribeiro, a aguardar publicação. Menciona Makeba a propósito do filme anti-apartheid Come Back Africa de Lionel Rogosin (1960) em que esta participa como cantora. Este filme foi o primeiro impulso decisivo para a sua carreira.
Ao telefone disse a uma colega que estava a escutar Makeba. Que não conhecia. Estranhei. Somos almas gémeas no que respeita à música. Conhecer tenho a certeza que conhece, apenas desconhece que conhece, como o Monsieur Jourdain do Bourgeois gentilhomme de Molière (1670). Justifica-se, portanto, dedicar um apontamento a Makeba.
Primeira voz africana com reconhecimento expressivo a nível internacional, Miriam Makeba nasceu em Joanesburgo, em 1932. Cedo rumou para os Estados-Unidos, onde gravou o primeiro álbum a solo em 1960. No mesmo ano, o regime sul-africano proibiu-a de regressar ao país para o funeral da mãe. Empenhada em movimentos cívicos, em 1962, testemunhou perante a Comissão Especial das Nações Unidas para o Apartheid. Com um prémio Grammy em 1965, a sua canção mais popular é Pata Pata (1967). Casou em 1968 com Stokely Carmichael, líder do Partido dos Panteras Negras. O governo dos Estados-Unidos cancelou-lhe o visto quando estava em viagem no estrangeiro. Mudou-se para a Guiné, tendo residido em vários países. Artista e cidadã sempre ativa, tornou-se um símbolo da luta contra o apartheid. Terminado o apartheid, regressou à África do Sul. Foi nomeada, em 1999, embaixadora da boa vontade da ONU. Conhecida como “Mamã África”, é considerada a “rainha da canção africana”. Morreu de ataque cardíaco durante um espetáculo, na Itália, em 2008.
Segue cinco canções de Miriam Makeba.
Pequeno desvio

Descobre-se o que não se espera quando e onde menos se espera. Deparei com a música do cantor, instrumentalista e compositor norte-americano Kishi Bashi numa curta-metragem (these little moments matter: https://vimeo.com/369736156). E gostei. Lembra alguns artistas preferidos. Partilho três músicas, duas interpretadas com o Nu Deco Ensemble: I Am the Antichrist to You; Violin Tsunami; e Atticus in The Desert.