Archive | Setembro 2021

Homenagem ao professor

Intermarché. A Place to Live. 2021.

Être ensemble. La meilleure raison de mieux manger (Intermarché).

O anúncio A Place to Live, do Intermarché, não podia ser mais oportuno. Publicado no dia 30 de agosto, coincide com o início do ano letivo. Bom e belo, mas com uma história mais que batida. Numa aldeia rural, um professor, adorado pelos alunos, projeta partir para a capital. Como prova de reconhecimento e gratidão, a comunidade local organiza uma festa surpresa. A originalidade do anúncio reside em concentrar-se no banquete, desde a compra dos alimentos até ao convívio final. Uma originalidade que funciona e emociona. Para além do professor e da comunidade, o Intermarché ergue-se como o terceiro, senão o principal, protagonista. Um banquete é um banquete! “O banquete é comunicação e comunhão. Encena uma utopia festiva da abundância, da universalidade e da igualdade” (O banquete: https://tendimag.com/2017/02/20/o-banquete/). ““Quando comemos juntos, coisas boas acontecem. Seja poutine, pad thai, paella ou pemmican. Nada nos une mais do que comer juntos ” (#comer juntos: https://www.andersdenken.at/storytelling-eattogether/).

Ainda bem que se multiplicam os hipermercados para acarinhar, a contracorrente, a figura do professor! Apenas uma reserva: em termos de pandemia, o anúncio A Place to Live não fornece um grande exemplo.

Marca: Intermarché. Título: A Place to Live. Agência: Romance, Paris. Direção: Katia Lewkowicz. França, agosto 2021.

Música triste

Red House Painters

Regresso aos Red House Painters (ver Pintores de casas vermelhas). Ativos entre 1988 e 2001, são, como diria um meu colega, muito conhecidos na sua terra, a Califórnia. Costumam associá-los aos subgéneros slowcore e sadmusic. Seguem duas canções, lentas e melancólicas, do álbum Ocean Beach (1995):

https://www.youtube.com/watch?v=FHxyy7bvH6w

O protagonismo do traseiro

G-Star Raw & Snoop Dogg. Say It Witcha Booty. 2021.

Com o anúncio Say It Witcha Booty, a marca de jeans G-Star RAW aposta no magnetismo do traseiro de todos os géneros. Atendendo às personagens e à exposição, predomina o feminino. Quanto aos olhares, não sei! A atração dos homens pelo traseiro das mulheres é proverbial. O inverso é menos evidente. A atenção ao traseiro masculino parece em vias de rivalizar com o foco no rosto, nos olhos e nas mãos. Pelo menos, um número significativo de mulheres confessa, na Internet, a sua fixação no traseiro masculino.

“Recentemente vi uma entrevista de uma actriz, que recordava o momento em que conheceu o noivo. Dizia ela que tinha ficado a olhar fixamente para o rabo dele. Disse também que preferia, mil vezes, ver um homem afastar-se do que aproximar-se de si, só para poder olhar para o rabo. Isto, para realçar a importância que dá ao rabo de um homem.” (https://www.homemsemblogue.pt/2014/01/elas-e-os-rabos-deles.html).

Marca: G-Star RAW & Snoop Dogg. Título: Say It Witcha Booty. Agência: The Family Amsterdam. Direção: Ismaël ten Heuvel. Holanda, setembro 2021.

Que acrescentar? Nada. Talvez que a cotação estética, sensual e sexual do homem está em alta. Certo é que esta convicção se tornou viral, na rede e no público. Mantenho-me prudente. A experiência ensinou-me que quanto maior é o disparate maior é a credulidade. Quanto mais uma mensagem não se encaixa nos esquemas de perceção dos destinatários menores tendem a ser as suas defesas e o seu ceticismo. Por vezes até parece que se pretendes “pregar uma peta”, o mais avisado não é envolver o boato, a farsa, num manto de plausibilidade mas ofuscá-lo com um farol de improbabilidades. Quanto mais estapafúrdia for a mentira maior tende a ser a adesão.

Eric Clapton. Have you ever loved a woman. E.C. was here. Ao vivo. 1975.

Um homem singular

A Single Man. 2009.

O Tendências do Imaginário não inclui nenhuma música da excelente banda sonora do filme A Single Man (2009), composta por Abel Korzeniowski e Shigeru Umebayashi. Escuto o disco com bastante frequência. Por isso mesmo, convenci-me que já o tinha colocado. Mais vale tarde do que nunca. É difícil escolher esta ou aquela faixa. Nenhuma se destaca. Todas possuem respiram qualidade. Das 19 músicas, seguem quatro: três de Korzeniowski (Stilness of the Mind; Daydreams; e Swimming) e uma de Umebayashi (George’s Waltz).

A Single Man. Stilness of the Mind. Compositor: Abel Korzeniowski. 2009. Festiwal Muzyki Filmowej 2017.
A Single Man. Daydreams. Compositor: Abel Korzeniowski. 2009.
A Single Man. Swimming. Compositor: Abel Korzeniowski. 2009. Festiwal Muzyki Filmowej 2017.
A Single Man. George’s Waltz (2). Compositor: Shigeru Umebayashi. 2009.

Poços do Parque Nacional Peneda-Gerês

Excelente e extensa galeria com fotografias de poços do Parque Nacional Peneda-Gerês. Carregar na imagem para aceder à galeria publicada pelo PNPG.

Poço no Rio Homem em área PT (proteção total). PNPG.

Gianna Nannini e a tribo dos PIGS

Gianna Naninni. Giannabest. 2007.

Gianna Nannini, a “rainha do rock Italiano”, nasceu em 1954 e continua ativa. Uma voz única, na música, no pensamento e na intervenção política. Lembra Janis Joplin, mas à italiana. A música italiana possui uma identidade forte, no ritmo, na melodia, no canto e na performance. Ainda não se afogou no oceano. Berço da Europa, a Itália oferece uma música, viva e melancólica, que empolga e embala. Reconforta. Como é bom pertencer à tribo dos PIGS!

Gianna Nannini completou em 2019, com La Differenza, uma trintena de álbuns publicados, o primeiro, homónimo, Gianna Nannini, em 1976. Quarenta e cinco anos de carreira! Resulta difícil selecionar cinco dedos de canções. Limitei a escolha ao CD, que seguro na mão, Giannabest – 1 (2007): uma música de estúdio, Io senza te, e três ao vivo, Meravigliosa creatura,  Sei nell’anima e Radio baccano. Como extra, acrescento o vídeo oficial de La differenza, nome de batismo do álbum mais recente de originais (2019).

Gianna Nannini. Io senza te. X forza e X amore. 1993.
Gianna Nannini. Meravigliosa creatura. Dispetto. 1995. Ao vivo com Il Volo, no programa House Party, em 2017.
Gianna Nannini. Sei nell’anima. Grazie. 2006. Ao vivo com Laura Pausini, em San Siro. DVD Amiche Per L’Abruzzo (2010).
Gianna Nannini. Radio Bacano. X forza e X amore. 1993. Ao vivo, convidada de radioItaliaLive. 2013.
Gianna Naninni. La differenza. La differenza. 2019.

A simulação da moral

Giovanni Buonconsiglio. Aristóteles e Fílis. Circa 1500-1515.

«Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube» (Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira, 1523).

Manifestam-se cada vez mais frequentes os anúncios que aderem ao formato patente no anúncio russo Born Inclusive, da Naked Heart Foundation. Creio que se inspiram, por um lado, na sofisticação (quase) laboratorial da psicologia experimental e, por outro, na vulgaridade mediática dos “apanhados”. Não duvido que sejam eficientes e convincentes, mas comportam uma característica que me provoca algum ceticismo e renitência. Encenam situações ideais que tendem a afastar o ruído ambiente, as intromissões, eventualmente imprevisíveis, dos efeitos “parasitas”, por outras palavas, da contingência das variáveis e dos fatores que os sábios apelidam “espúrios”. Arrefecem a efervescência da vida, propendem a pintar o mundo a preto e branco: o certo e o errado, o bom e o mau… Uma simplificação sedutora. Convoco a máxima do sofista Protágoras, “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”, e o pensamento de Pascal, a medida do homem é turbulenta, incerta e infinita. Lutar por um mundo melhor não significa caricatura-lo e descolori-lo. A redução maniqueísta e monocromática não me parece uma perspetiva apropriada, não é uma promessa auspiciosa.

Demasiado cínico? Estou em crer que mais vale cínico do que estúpido. “O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo mais perigoso”; “o indivíduo estúpido é mais perigoso do que o bandido; ” “É estúpido aquele que desencadeia uma perda para outro indivíduo ou para um grupo de outros indivíduos, embora não tire ele mesmo nenhum benefício e eventualmente até inflija perdas a si próprio” (Carlo Cipolla, Allegro ma non tropo, 1988).

Anunciante: Naked Heart Foundation. Título: Born Inclusive. Agência: Marvelous. Direção: Maksim Kolyshev. Rússia, março 2020.

Este comentário é, de algum modo, injusto para com o anúncio de sensibilização Born Inclusive, da Naked Heart Foundation. Trata-se de um exemplar de marketing e publicidade e como tal deve ser avaliado. Pede ser encarado à luz da linguagem do marketing e da publicidade e não de outra linguagem, por exemplo, a linguagem externa da filosofia e da sociologia. Neste sentido, este comentário apresenta-se como uma crítica “bárbara”, uma violência simbólica, na aceção de Pierre Bourdieu. Cai na falácia de impor um sistema de relevâncias, estranho, a outro sistema de relevâncias, original, francamente distinto. Do ponto de vista do marketing e da publicidade, este anúncio, criativo, consistente, pedagógico e eficaz, resulta excelente. Acerta no alvo: a predisposição para a discriminação não nasce connosco, é fruto da socialização primária, da endoculturação. Um pressuposto que vai de encontro a Rousseau (“A natureza faz o homem feliz e bom, mas (…) a sociedade degenera-o e o torna-o miserável”: Dialogues, 1772-1776) e a Durkheim (“A sociedade encontra-se portanto, a cada nova geração, na presença de uma tábua quase rasa sobre a qual é necessário construir a novo custo”: Éducation et sociologie, 1922).

Hieronymus Bosch. Removing the Stone of Stupidity. Detail. 1475-1480.

Acontece que um anúncio, para além de orbitar na esfera do marketing e da publicidade, não deixa de ser um fenómeno social. É composto por raízes (contexto), caule (suportes), ramos (redes e canais), folhas (ações) e sementes (efeitos) sociais. Não se pode escusar a uma leitura filosófica e sociológica, por mais corrosiva e cínica que seja. No que me respeita, não me inibo de ler nas entrelinhas de qualquer comunicação, principalmente aquelas que se são grávidas de consequências, quando não de efeitos perversos subliminares que não passam pelo crivo da consciência e do raciocínio acertados e oportunos.

Bifes de presunto

Presunto fumado entre o Minho e Trás-os-Montes.

Em boa hora deparei na página da Alto Minho TV com um breve documentário sobre os “Bifes de presunto, o prato típico de Castro Laboreiro”, que contempla o contexto, a tradição, o modo e a atualidade. Não saboreio bifes de presunto desde a minha tenra juventude, mas desenvolvi uma receita alternativa, das poucas que, contanto raramente, cozinho.

Bifes de presunto, o prato típico de Castro Laboreiro. Alto Minho TV. 2020.

Receita alternativa.

Acompanhamento:

– Partem-se as batatas, descascadas, às rodelas não muito finas;

– Fritam-se numa sertã com uma quantidade generosa de óleo ou azeite, controlando a intensidade do lume de modo que não tostem demasiado e adquiram um aspeto mais cozido do que frito;

– Alcançado este ponto, cobrem-se as batatas com rodelas de cebola e abafa-se o conjunto tapando toda a sertã com um testo;

– Uma vez levemente “cozida” a cebola, rega-se com vinagre, e volta-se a abafar o conjunto. Aguarda-se quanto baste.

O acompanhamento está pronto.

Alternativa ao presunto:

– Estendem-se fatias de fiambre numa sertã com óleo (serve o de fritar as batatas);

– Estrela-se um ovo a cavalo de cada fatia.

Os ovos estrelados a cavalo de fiambre acompanhados por batatas fritas com cebola e vinagre estão prontos a servir. Uma bomba gastronómica. Bom apetite!

Demolidor

Van Gogh, Starry Night. 1889.

Este sábado recuperei da estante o álbum Kaputt, dos Destroyer, um grupo canadiano, discreto, ativo desde 1995. Publicou 13 álbuns, a revisitar ou descobrir. Uma das suas principais caraterísticas é, porventura, a sua originalidade assentar num nada de incaraterístico, de uniformidade.

Idiossincráticos, os Destroyer saltam de estilo de disco para disco e de faixa para faixa. Lembram, entre outros, James Taylor, Serge Gainsbourg ou Devendra Banhart. Em alguns casos, pode-se falar de intertextualidade. Nas canções Sky’s Grey e Bay of Pigs, dos álbuns Ken (2017) e Kapput (2011), ecoa, por exemplo, a sombra de Roger Waters.

Destroyer. Sky’s Grey. Ken. 2017. Ao vivo no estúdio KEXP em 2018.
Destroyer. Bay of Pigs. Ken. 2011.

Fanny: Eva Fora Do Paraíso

“As identidades não são necessariamente distintas. Por vezes, misturam-se umas com às outras. Por vezes podem mesmo ser partilhadas.” (Mary E. Pearson. Fox Forever. 2013). Se gostam, partilhem! Quando partilhamos somos mais.

Acarinho a ilusão de que o blogue Tendências do Imaginário persegue uma vocação universal. Sonha pecar por excesso de inclusão. Empenha-se por ser aberto e plural, numa travessia de mundos e num desconcerto de identidades. Pretende aproximar-se, dialógico e polifónico (Mikhail Bakhtin), heterocêntrico (Jean Piaget), de uma alma acolhedora. Algumas das máscaras que incorpora, num desfile de avatares, são descendentes de Eva. Namora o feminino. Atreve-se a (in)vestir-se mulher. Depois do artigo dedicado a Fiona Apple, seguem as Fanny (), uma das primeiras girl bands (all female), norte-americana de origem filipina, a alcançar no início dos anos setenta sucesso público e comercial.

Maio 68. Slogan Soyez réalistes, demandez l’impossible.

É certo que esta desejada “vocação universal” não é alcançável na íntegra. Mas a realidade oferece-se paradoxal. A porfia do impossível pode revelar-se o melhor caminho para lograr, senão potencializar, o possível. Como diria Ernst Bloch (Thomas Müntzer. Teólogo da Revolução, 1ª ed. 1920), a história da humanidade está repleta de impossíveis realizados e de possíveis não realizados. Lutamos pela igualdade conscientes de que a igualdade plena é uma utopia. Esta concepção é semelhante a uma advertência atribuível à “filosofia do não”: não é por uma ideia estar errada que ela que ela está condenada a nos desviar da verdade. “Eu sou o limite das minhas ilusões perdidas” (Gaston Bachelard, Critique préliminaire du concept de frontière épistémologique.1ª ed. 1936. In Études 2, 2002). Nesta linha, Gaston Bachelard observa, a propósito da física quântica, que pouco subsiste do esquema do átomo proposto por Niels Bohr, um dos contributos mais decisivos para o desenvolvimento da teoria do átomo: “O esquema do átomo proposto por Bohr, um quarto de séculos atrás, agiu nesse sentido como uma imagem correta, mas não resta mais nada.” (A filosofia do não. 1ª ed. 1940).

Carregar na imagem seguinte para aceder ao vídeo.

Fanny – Ain’t that peculiar. Fanny Hill. 1972. Ao vivo em 1972.
Rock Group Fanny on French TV