Doutoramento

A Ana Isabel obteve, ontem, dia 15 de Outubro, o grau de Doutor em Economia Aplicada, pela Universidade de Antuérpia, com uma dissertação intitulada Online reviews andhow to manage them: Effects of eWOM and Webcae on consumer responses and business performance. Sabedoria, brilho e beleza. A Ana Isabel merece dupla felicitação. Por ter concluído, em três meses, o que ainda poucas mulheres conseguem, uma tese, e cada vez menos fazem: um filho. Aproveito para lhe desejar uma excelente carreira como docente na Universidade Livre de Amsterdão. Apreciei, também, a qualidade da organização da prova, a pedir-nos um pouco de benchmarking. Estão ainda de parabéns o João, pelo apoio, e a Sara, pela companhia.
Ambiente da prova de doutoramento Ana Isabel com parte do júri. Capa da dissertação
Por falar em Sara, a quem sai a neta?
À mãe, pelo encanto:

Ao pai, pela frontalidade:

À avó, pelo sono. Ambas dormem pouco e bem.

Ao tio, pelo humor:

Ao avô, sabe-se lá por quê.

A emoção serve-se melhor com música:
Invenção, utilidade e tradição

O antes e o depois. Pequenas invenções, grandes diferenças. Um tópico fascinante bem aproveitado no anúncio The Power of Ok, da Roku. The best ideas are often the simplest. Like streaming made easy. Ok, Roku does that. Nada mais divertido e mais simples.
A implementação de um invento simples nem sempre é fácil. As atribulações da (re)introdução do garfo na Europa Ocidental constituem um bom exemplo.
“No seculo XI, um doge de Veneza casou-se com uma princesa grega. No círculo bizantino da princesa o garfo era evidentemente usado. De qualquer modo, sabemos que ela levava o alimento à boca “usando um pequeno garfo de ouro com dois dentes.” Este fato, porém, provocou um horrível escândalo em Veneza: “Esta novidade foi considerada um sinal tão exagerado de refinamento que a dogaresa recebeu severas repreensões dos eclesiásticos que invocaram para ela a ira divina. Pouco depois, ela foi acometida de uma doença repulsiva e São Boaventura não hesitou em declarar que isto foi um castigo de Deus.”
Mais cinco séculos se passariam antes que a estrutura das relações humanas mudasse o suficiente para que o uso desse utensilio atendesse a uma necessidade mais geral. Do século XVI em diante, pelo menos nas classes altas, o garfo passou a ser usado como utensilio para comer, chegando através da Itália primeiramente a França e, em seguida, a Inglaterra e Alemanha, depois de ter servido durante algum tempo apenas para retirar alimentos sólidos da travessa. Henrique III introduziu-o na França, trazendo-o provavelmente de Veneza. Seus cortesãos não foram pouco ridicularizados por essa maneira “afetada” de comer e, no princípio, não eram muito hábeis no usa do utensilio: pelo menos se dizia que metade da comida caía do garfo no caminho do prato à boca. Em data tão recente como o século XVII, o garfo era ainda basicamente artigo de luxo da classe alta, geralmente feito de prata ou ouro.” (Norbert Elias, O Processo Civilizador, 1ª ed. 1939, Rio de Janeiro, Zahar Ed.. 1990. Vol. I, pp. 81-82).
“Dicen que Leonardo quiso perfeccionar el tenedor poniéndole tres dientes, pero le quedó igualito al tridente del rey de los infiernos.
Siglos antes, san Pedro Damián había denunciado esta novedad venida de Bizancio:
—Dios no nos hubiera dado dedos si hubiera querido que usáramos ese instrumento satánico.
La reina Isabel de Inglaterra y el Rey Sol de Francia comían con las manos. El escritor Michel de Montaigne se mordía los dedos cuando almorzaba apurado. Cada vez que el músico Claudio Monteverdi se veía obligado a usar el tenedor, pagaba tres misas por el pecado cometido.” (Eduardo Galeano, Fundación del Tenedor, Espejos, Madrid, Siglo XXI, 2008).
Blake & Blake. A fatalidade do nome


Adotando a linguagem da sociometria de Jacob Levy Moreno, és uma “estrela” ou um “periférico”? Cativas ou repeles? Repara na atenção e no tempo que te dedicam.
Monet e Manet; Perry Blake e James Blake; Claude Monet e Claude Manet. Os primeiros impressionistas, os segundos eletrónicos. A diferença que pode fazer uma simples letra. E um nome. Um nome presta-se a confusão). Baralha, mistifica e desorienta. Nos meus passeios pelo YouTube a partir da entrada Blake, troquei várias vezes o Perry pelo James., surpreendendo-me: “como é estranho, a voz e o estilo do Perry Blake mudaram expressivamente”. Até dar com o engano. A semelhança dos nomes de Monet e Manet provocou um desenlace inesperado, desmedido e trágico, memorável. O excerto “Mulher com vestido verde” do docudrama The Impressionists da BBC revela a série de equívocos desencadeados desde a desilusão de Manet com a receção do quadro Olympia atá ao início da sua amizade com Monet, passando pelo duelo com o crítico de arte Dorante, um dos últimos e mais célebres duelos da história de França (ver vídeo 1. Existe uma versão, com menos resolução, com legendas em português: https://www.youtube.com/watch?v=yeWmTiN4C3o; minutos 23:55 a 35:20). Luta-se e dá-se a vida por um nome. É escudo, estandarte e lança. Identitário e distintivo, o nome interpõe-se como uma marca e um sinal, um projeto, um caldo de expetativas e um mundo de possibilidades.
Blake não é Blake. A nacionalidade, a idade, a carreira, a popularidade e muitos outros traços pessoais separam Perry e James. Contudo, o que escrevi sobre a a música de Perry no artigo Melancolia Aveludada transparece como um letreiro que assenta a ambos: “Uma voz e uma orquestração singulares, suaves, compassadas, melódicas e melancólicas”. Convoco duas canções de James Blake: The Wilhelm Scream e I Never Learnt to Share. Recordam o Antony, dos Antony and the Johnsons.
Um contra um, todos por todos

O videojogo afirma-se como vanguarda das indústrias do lúdico e do audiovisual. Potente, competitivo, flexível, acelerado, certeiro e ubíquo. Como o arco de Dario (sobre o arco de Dario, rei da Pérsia, recomendo o artigo: O Espetáculo do Poder).
Não é de admirar que os anúncios a videojogos constem entre os mais impactantes das últimas décadas. HUMANKIND (Amplitude Studios) frisa a perfeição apelativa, narrativa, técnica e estética. Nada é descurado: a luz, a cor, a fotografia, o desenho, os cortes, os contrastes, o enquadramento, a profundidade, os planos, os ritmos, as sequências, o som, as referências… Qualidade, critério e criatividade. HUMANKIND recupera uma opção cada vez mais frequente: a substituição da figura humana por objetos e símbolos. Ganha em projeção e sublimação. Os objetos e os símbolos tornam-se, porventura, mais humanos do que o humano.
Retenhamos a lição: agonístico e diabólico, o universo, assevera-se exíguo para dois protagonistas; o anúncio termina, porém, com uma avalanche de multidão. Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto: o anúncio não enjeita ressonâncias bíblicas e míticas: o crepúsculo, egoísta e homicida, de Caim, e a alvorada, coletiva e mobilizadora, de Moisés. Onde não cabem dois, cabem milhões.
Fernando Gonçalves e Albertino Gonçalves
A estetização dos alimentos
A culinária é uma arte efémera? Existe uma estetização dos alimentos? Isto condiz com a febre de partilha de fotografias de comida na Internet? A pintura de alimentos é antiga (ver imagem). Atesta-o a quantidade de quadros com naturezas mortas. Existem excelentes anúncios com comida. O anúncio Sushi, da Sony, destaca-se. Vale a pena espreitar!
Agarrar o vento e sentar-se ao sol

Cativar o sol e o vento é arte antiga. Arquimedes engenhou, durante o cerco romano a Siracusa, um espelho côncavo cujos raios solares incendiaram os barcos inimigos. O vento soprava nas velas romanas e o sol grego queimava os cascos.
O anúncio The Collectors, da Energy Upgrade California, propõe múltiplas formas, efetivas ou poéticas, de capturar o vento e o sol. Brilhante e original. Belas imagens, bom ritmo, boa música. Um oásis de prazer nas dunas da Internet! Sejam louvadas as energias eólica e solar!
Com os olhos na pele

O que é belo? O que é feio? Quem é belo? Quem é feio? Quem passa despercebido? Quando, onde, perante que público? A beleza já não é o que era? “A beleza está nos nossos olhos” (Oscar Wilde).
“Observe a face turva
O olhar tentado e atento
Se essas são marcas externas
Imagine as de dentro.”
(Elza Soares e Pitty, Na Pele, 2017)
Segue uma canção áspera, Na Pele, de Elza Soares e Pitty. Acrescento a apresentação de Elza Soares, “De que planeta veio Elza Soares”, no canal Sincopado: Música e História, por Felipe Tadeu Breier (13/12/2020), aluno do mestrado em Comunicação, Arte e Cultura, da Universidade do Minho.
Na Pele
Olhe dentro dos meus olhos
Olhe bem pra minha cara
Você vê que eu vivi muito
Você pensa que eu nem vi nada
Olhe bem pra essa curva
Do meu riso raso e roto
Veja essa boca muda
Disfarçando o desgosto
A vida tem sido água
Fazendo caminhos esguios
Se abrindo em veios e vales
Na pele leito de rio
A vida tem sido água
Fazendo caminhos esguios
Se abrindo em veios e vales
Na pele leito de rio
Contemple o desenho fundo
Dessas minhas jovens rugas
Conquistadas a duras penas
Entre aventuras e fugas
Observe a face turva
O olhar tentado e atento
Se essas são marcas externas
Imagine as de dentro
A vida tem sido água
Fazendo caminhos esguios
Se abrindo em veios e vales
Na pele leito de rio
Elza Soares e Pitty (2017).
Um milhão de visualizações
As recordações são as nossas forças (Victor Hugo).

Existem números e números. Por exemplo, os números redondos, especialmente aqueles que coincidem com o acréscimo de um dígito: uma dezena, uma centena, um milhar, um milhão… Mas existem outros. Alguns parecem deter uma espécie de hegemonia simbólica. Por exemplo, o número três. Afirma-se decisivo na visão tripartida do mundo dos indo-europeus (Georges Dumézil. 1968. Mythe et épopée – L’Idéologie des trois fonctions dans les épopées des peuples Indo-européens. Paris: Gallimard ). Georg Simmel sustenta que a tríade representa, mais do que a díade, a equação efetiva da sociedade (Soziologie, 1908). Destaco a Santíssima Trindade, as três ordens feudais, os três poderes da organização política, os três porquinhos, os três mosqueteiros que, afinal, eram quatro… Enfim, a conta que Deus fez.
Mas regressemos aos números redondos. O Tendências do Imaginário acaba de ultrapassar um milhão de visualizações. A comemoração é arbitrária. Certo é que esperei uma década por este momento. Vou colocar os Queen, abrir uma cerveja e acender um cigarro. E agradecer as visitas.

Um milhão (1 000 028) de visualizações; 331 670 visitas. Três visualizações por visita. Cinco países concentram mais de quatro quintos (83%) das visualizações: Brasil, 40%; Portugal, 24%; Estados-Unidos, 8%; Espanha, 7%; e França, 4% (ver Tabela 1). Mas a componente mais excessiva do Tendências do Imaginário reside nos artigos: 3 267. Quase um artigo por dia (0.95). No topo das visualizações, destacam-se, curiosamente, os mais extensos e densos, porventura, os mais originais (ver tabela 2).

O que começou como capricho transformou-se num vício. Nos últimos dez anos, artigo a artigo, o Tendências do Imaginário tornou-se o blogue do meu envelhecimento. O inverno do meu ensimesmamento.
Escrever no Tendências do Imaginário é uma experiência estranha, senão perversa: o autor escreve para centenas de pessoas que, literalmente, desconhece. Uma massa incógnita. A tentação é de o escritor e o leitor se confundirem, com a mediação numérica e abstrata do “público”. Um excesso de solidão e de reflexividade. Um excesso de ilusão. Eremitério digital.
Podia escolher um anúncio, um vídeo ou uma imagem marcante do Tendências do Imaginário para assinalar o momento. Interessa, porém, prosseguir caminho, embora com os olhos no retrovisor. Acender velas na memória. A vela de hoje é Judy Collins. Duas canções: Send in the clowns e, com Leonard Cohen, Suzanne. Nem tudo são rosas: o pai de Judy Collins era cego e o filho único suicidou-se. Acendo velas na memória, com os olhos cansados, cansados do fogo-de-artifício pós-moderno. Vou festejar! Com o rato, o teclado e o caixote do lixo. Uma orgia biomecanóide.
A importância dos objetos

Separados pelo confinamento, avô e neta aproximam-se graças às novas tecnologias e a um pequeno urso de peluche. Os objetos são bons meios de comunicação e comunhão. Uma jangada de afetos. Um anúncio da NOS, pela agência HAVAS Portugal.
Dinossauros sem cauda

J.J. Cale, falecido em 2013, é um compositor, vocalista e guitarrista norte-americano cuja carreira começou em 1958. O primeiro álbum, A Trip Down The Sunset Strip, foi lançado em 1966. Pioneiro do Tulsa Sound, J.J. Cale é um dinossauro. Um dinossauro cuja cauda ninguém enxerga. Algumas das suas músicas brilharam nos covers de Eric Clapton (Cocaine ou After midnight) ou dos Lynyrd Skynyrd (Call me the breeze ou I got the same old blues). A Cocaine original não desmerce a reinterpretação do Eric Clapton. Assim com existem dinossauros com e sem cauda, também existem dinossauros ora com amplificadores, ora sem amplificadores. Comprova-o uma pesquisa na Internet: uns têm links, vídeos e alta resolução, outros originalidade e inspiração. O Tendências do Imaginário já contempla três músicas de J.J. Cale: Cocaine (https://tendimag.com/2014/01/12/saudades-caseiras/), Call me the breeze e Magnolia (https://tendimag.com/2015/12/19/a-sanita-e-a-cocaina/). Acrescento Crying e After midnight (ao vivo com Eric Clapton).