A Ceia do Amor
A cruzada pela natalidade difere das cruzadas contra os salários, o emprego, as pensões e o poder de compra. A cruzada pela natalidade encerra ressonâncias prazerosas, que lembram, em tempos de contenção, uma anedota reaccionária.
O Manuel e a Maria casaram. Na noite de núpcias, Maria confessa não saber cozinhar. Manuel era empregado bancário e Maria não tinha emprego. Ciente que o dinheiro não chegava, Manuel propõe a seguinte solução: “Ao meio dia, almoçamos no restaurante; à noite, jantamos amor”. Meu dito, meu feito! Correram os dias, sempre a mesma dieta: ao almoço, comiam no restaurante e à noite, comiam amor…
Certo dia, Manuel sai do trabalho uns minutos mais cedo. Abre a porta do prédio e depara com a mulher a escorregar pelo corrimão. Chegada ao rés-do-chão, desata a correr escadas acima e volta a deslizar corrimão abaixo. Mal aterra, Manuel, preocupado, pergunta-lhe: “O que estás a fazer, Maria?” Melosa, Maria responde: “Estou a aquecer a ceia, meu amor!” Eis um bom estímulo para um Portugal fecundo: a ceia do amor em tempos de crise.
A porca e o parafuso
Nos últimos dias, tomei conhecimento de duas iniciativas: a plataforma SHAIR (www.shairart.com), associada à galeria Emergentes, implementada pela empresa DST (Domingos da Silva Teixeira); e a limitação do acesso a redes sociais nas escolas por decisão do Governo. A primeira abre, a segunda, fecha. Ainda bem! Se todos abrissem as portas, a ventania arejava demasiado os espíritos. Em termos atmosféricos, não há nada como o ar condicionado.
DST. SHAIR. Como Funciona. Março 2014.
A DST, empresa sedeada em Braga, é reputada pelo apoio à cultura e à arte. A presente iniciativa aposta na divulgação e na avaliação de obras de arte, cruzando um espaço online, SHAIR (digital), com uma galeria física (Emergentes), sita na Rua do Raio, em Braga. “O “conceito” da plataforma consiste na “oportunidade” dada a artistas de exporem as suas obras sujeitando-as à votação do público, e de um especialista convidado pela dst, sendo que as mais votadas serão, depois, expostas no espaço físico da Galeria Emergentes dst” (Lusa, 20 de Março). Para mais informação, ver o anúncio promocional (vídeo 1) e a reportagem da Tv Minho (vídeo 2).
Tv Minho. Março 2014.
“No final da semana passada, as escolas receberam um e-mail da Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) anunciando que o acesso a determinadas redes sociais e aplicações, tais como o Youtube, passava a estar “limitado a uma utilização máxima”, ou o Facebook, Instagram e Tumblr, que ficariam indisponíveis durante toda a manhã até às 13h30 e depois do almoço teriam também um “limite de utilização máxima”” (Lusa, 26 de Março de 2014). Pelos vistos, o motivo é técnico: “Questionado pela Lusa sobre a decisão de limitar aquelas redes e aplicações, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) explicou que a DGEEC “verificou que a pressão sobre a rede decorria do acesso a determinados sites/aplicações que não são essenciais ao funcionamento das escolas e das atividades letivas”. Trata-se de garantir “as condições para o normal funcionamento da internet das escolas, quer para atividades letivas, quer para os serviços administrativos e similares”.
O problema é, portanto, técnico. Quer-me parecer que todos os problemas neste País são técnicos. E os nossos técnicos que são os melhores do mundo… Os melhores! E não há modo de casar o técnico com a técnica? A culpa deve ser, mais uma vez, do povo. Técnicos tão bons lá no alto e nós, cá em baixo, tão desaparafusados…
Sou injusto, mas a memória é vadia. Este problema técnico lembra-me o meu tempo do banco da escola. Lembra-me a proibição da Coca-Cola e dos livros. Lembra-me, também, a despropósito, o imposto dos isqueiros. Anda uma pessoa a desgastar neurónios para propor cursos oportunos e sustentáveis e a solução aqui tão perto: um mestrado em ciências da proibição.
Os Últimos Desejos
Não me digam que já não há histórias para contar, que terminaram as narrativas prenhes de sentido! Pois ainda existem: com pessoas e com objectos. A carrinha Kombi (“pão de forma”) deixou de ser produzida no ano passado (2013). A Volkswagen não encontrou solução para a equipar com air bag e travões ABS, entretanto obrigatórios. A pretexto da “última viagem”, o anúncio, bastante longo, convoca alguns dos momentos mais simbólicos da vida da carrinha.
Marca: Volkswagen Kombi. Título: Os Últimos Desejos. Agência: AlmapBBDO. Direcção: Fernando Grostein Andrade. Brasil, Março 2014.
A música que veio do frio
Os Building Instrument publicaram recentemente o primeiro álbum, homónimo. Trata-se de um trio norueguês. O ano passado, já tínhamos colocado no blogue uma canção de um dos seus elementos: Mari Kvien Brunvoll (http://tendimag.com/2013/02/24/mari-kvien-brunvoll/). A música dos Building Instrument ainda é uma raridade, a merecer alguma atenção.
Building Instrument. Kanskje. Building Instrument. Noruega. 2014.
A natalidade à luz da publicidade
Portugal está em “alerta super-vermelho” por causa da natalidade. Assim o entendem os especialistas e os políticos. É razão para franco regozijo, uma vez que o motivo já existe há várias décadas, mas o atraso não é, contudo, de séculos (ver gráfico 1). Esperar que a situação apodreça para intervir é uma forma de estar no mundo e na política. Precisamos de tomar balanço. É uma propensão. Nos anos setenta, o governo francês já adoptava medidas “robustas” para estabilizar e, se possível, inverter a tendência da taxa de natalidade. Consegue-o a partir do início dos anos 1990 (ver gráfico 2). Assim sucedeu, também, na Alemanha e noutros países europeus. O problema é que este problema tem dom de se tornar fonte do problema. Os filhos que ficaram por nascer nos anos setenta e oitenta não têm agora filhos. Brincando com conceitos caros à sociologia e à demografia, estamos perante um efeito de falta de geração.
Mas abordemos o problema com a seriedade que nos caracteriza. A quebra da natalidade pode ter a ver com automóveis e cosméticos. Pelo menos, a fazer fé nestes dois anúncios brasileiros da JWT.
O anúncio Solteira, da Avon, revela como um toque de cosmético pode transformar uma mulher numa mega solteira, mega tudo, megapracima, mega liberta de homem mosca ou lapa.
Marca: Avon. Título: Solteira. Agência: JWT Brasil. Brasil, Março 2014.
No segundo anúncio, Casa (Ford Focus), uma mulher queixa-se que o marido sai da cama a meio da noite para ir conduzir. Este “desejo de dirigir” pode colidir com o desejo de procriar. Diminui a oportunidade. Automóveis atraentes e viciadores podem dificultar a estabilização ou a inversão da tendência da natalidade.
Marca: Ford Focus. Título: Casa. Agência: JWT Brasil. Brasil, Março 2014.
Em suma, combater a quebra da natalidade é missão complicada. O que vale é que, se a natalidade não tem dado sinais positivos, os especialistas têm crescido que nem cogumelos, lembrando a teoria da geração espontânea. Pasteur, se calhar, não tinha razão.
Endorcismo
Ao contrário do exorcismo, o endorcismo não afasta o mau espírito, convoca, faz regressar, o bom espírito. Neste anúncio brasileiro, um jovem retoma o espírito do rock. Graças à chama da rádio Kiss FM. O anúncio contém inúmeras referências à história do rock, algumas bastante subtis. Compassado pelos riffs mais emblemáticos do rock, o anúncio fecha com o Smoke on the Water, dos Deep Purple. Criativo, original, apropriado. Dedico-o a um guitarrista que, com uma fender stratocaster endorcista, me alegra a casa.
Marca: Kiss FM. Título: Endorcismo. Agência: ALMABBDO. Direcção: Jones e Tino. Brasil, Março 2014.
Estética e Culinária
A culinária é, desde há séculos, dada à estética. Na apresentação à mesa, por exemplo. Mas o zelo estético estendeu-se, entretanto, à cozinha e à confecção. Comprovamo-lo nos concursos da televisão. A Carte Noire tem vários anúncios com imagens relativas à confecção de vários produtos. Seleccionamos Rouge – Millefeuille choco-framboise au café serré.
Marca: Carte Noire. Título: Rouge – Millefeuille choco-framboise au café serré. Agência: BBDO. Direcção: M. Roulier et P. Lhomme. França, Dezembro 2012.
Imagens do outro
Estes dois anúncios propõem uma representação do outro. O primeiro, Chez les antropophages, da Gitane, foi publicado em 1932, no rescaldo da Exposição Colonial Internacional de Paris, de 1931 (ver Albertino Gonçalves, Quando a janela é postal: http://postaisilustrados.blogspot.pt/2008/08/quando-janela-um-postal.html). O segundo, Papou, da Brun, foi lançado 47 anos depois. Já não há antropófagos, apenas comilões de bolachas com chocolate.
Não vou comentar os anúncios. O meu colega Luís Cunha fez, há anos, um estudo sobre “A imagem do negro na B.D. do Estado Novo” (Cunha, Luís M. J. 1995, Cadernos do Noroeste, 8 (1): 89-112). Convido-o a escrever o comentário.
Marca: Gitane. Título: Chez les antropophages. França, 1932.
Marca: Brun. Título: Les Papous. França, 1979.
A técnica e a ciência como ideologia
Técnica e ciência como “ideologia” (1968) é uma das primeiras obras de Jürgen Habermas. Se bem me lembro, sustenta que, nas sociedades modernas, a ciência e a técnica funcionam como uma forma que disciplina o olhar. A ciência e a técnica compõem, de algum modo, a nova grande linguagem do poder. Neste anúncio da L&M, de 1949, os atributos da ciência (a medicina, as sondagens e as estatísticas) são mobilizados para promover o consumo do tabaco, nomeadamente da marca L&M. Ontem, como hoje, a tendência aponta para o abuso das capacidades da ciência e da técnica e para a ultrapassagem dos seus limites.
Marca: L&M. Título: Doctor’s day. USA, 1949.