Adolescência militante

A escassos dias das eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975, tinha 16 anos e pouco siso. Atravessava o meu cúmulo de envolvimento político. Poucos meses depois, desligava-me, para sempre, de qualquer militantismo político. A bipolaridade do costume.
Em pose híbrida, um misto de estudante e ativista, sento-me no “poleiro” do quarto que partilhava com o Álvaro, amigo com bonomia suficiente para suportar extravagâncias. Numa época em que predominavam os posters com modelos femininos e carros de corrida, a decoração é monopolizada por cartazes eleitorais. Nas costas daquele pequeno casaco, gravei, com precioso esmero, o rosto de Karl Marx!
Estudante no Liceu Sá de Miranda, estava interno no Colégio D. Diogo de Sousa, onde beneficiava de um vislumbre de tolerância especial. As autoridades entenderam por bem ignorar esta quase subversão institucional. Mas não permitiram, contudo, que o cartaz da janela estivesse virado, como inicialmente, para o exterior.
O John, outro companheiro de aventuras, enviou-me esta fotografia com um momento expressivo de uma biografia feita de altos e baixos. Naquele tempo, proporcionava-se a criação de grandes amizades. Saudades!
Encapar a realidade

Quando ocorre uma efeméride, costumo recolher os anúncios alusivos. No Dia Internacional da Mulher, não fui bem sucedido. Provavelmente, por vício do olhar ou erro de lugar. Retive o poster da Time, comemorativo dos 100 anos do direito a voto das mulheres. Acompanho o meu reconhecimento com a canção Four Women (1966), da Nina Simone, num vídeo relativamente raro e antigo, que não consegui datar.
Contrição
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
…………..
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.(Luís de Camões, Sonetos)
Há anúncios publicitários que parecem um acto de contrição. No Reposter da Skol, o máximo torna-se mínimo e o mínimo, máximo. Mudam as vontades, as imagens e as palavras, mas a gramática permanece, a gramática da alteridade estereotipada. De qualquer modo, os posters mudaram graças à arte e ao design exclusivamente femininos. Senhora do seu corpo e da sua vontade, a mulher não serve cerveja, “toma” cerveja.
Marca: Skol. Título: Reposter. Agência: F/Nazca Saatchi & Saatchi. Brasil, Março 2017.
Apelo ao prazer
Este mosaico grego foi encontrado em 2012 na província de Hatay, no sul da Turquia, correspondente à antiga Antioquia. Datado do século III a.C., representa um esqueleto, sob fundo negro, com um copo na mão esquerda. Ao seu alcance pão e uma garrafa de vinho. As letras dizem: “sejam alegres e aproveitem a vida”. Uma exortação próxima do carpe diem de Horácio. Soa estranho vindo de um esqueleto. Adquirimos o hábito de associar os ossos humanos à vanitas (vaidade, vacuidade). No entanto, a morte risonha, divertida ou boa companheira é uma figura frequente, mormente, na Idade Média e no Renascimento. Sem receio de cometer um anacronismo, este mosaico é um dos “posters” mais interessantes da história da humanidade.
Até que a morte nos separe
Impacto é coisa que não falta a esta campanha da APAV. Tão pouco esmero técnico e estético. Bem preparado, o volte face final é, no mínimo, surpreendente. Esta campanha, “até que a morte nos separe”, com anúncios na imprensa e na televisão, “participou no concurso internacional Create 4 the UN – “SAY NO to Violence Against Women”, promovido pela ONU, sendo selecionada como uma das 15 melhores campanhas”.

APAV. Até que a morte nos separe. Lintas. 2012
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima enuncia os propósitos da campanha do seguinte modo: “As imagens veiculadas nesta campanha implicam uma reflexão sobre os contrastes existentes nesta problemática, os quais podem confundir ou toldar a sua visibilidade social. Assim, a campanha, inclui, por exemplo, dois retratos de mulheres vítimas de violência doméstica, as quais apresentam marcas da vitimação no rosto e pescoço. Estas mulheres estão vestidas de noiva, segurando ramo de flores e ostentando anel de noivado e aliança de casamento. Acompanha-as a frase «Até que a morte nos separe», a qual remete para a existência de um crescente número de mulheres vítimas de violência doméstica que são assassinadas pelos seus maridos ou companheiros conjugais” (http://apav.pt/apav_v2/index.php/pt/main-menu-pt/384-campanha-apav-25-novembro-dia-internacional-pela-eliminacao-da-violencia-contra-as-mulheres).
Anunciante: APAV. Título: Até que a morte nos separe / Bride. Agência: Lintas. Direção: Miguel Coimbra. Portugal, Dezembro 2012.
Toda a campanha coloca a ênfase no matrimónio. No anúncio para a televisão, a noiva percorre todos os momentos emblemáticos do matrimónio, até à revelação final. Nos retratos, as mulheres estão vestidas de noiva. Será que se pretende associar a violência doméstica ao matrimónio? Assim se pode pensar, assim se pode sentir. É certo que em grande parte dos casos o agressor é o marido. Significa isso que a violência doméstica decorre do matrimónio? Existem mais riscos de violência num casamento do que numa união de facto? Do que entre namorados? Do que entre amantes? Graças à sua longa experiência, ninguém está mais habilitado do que a APAV para responder a estas perguntas. A violência doméstica está a aumentar. Em contrapartida, as denúncias estão a diminuir. É nesta realidade que nos devemos concentrar. É esta a realidade que urge combater.
Fruta vestida
“Para uma vida humana condigna, as crianças carecem tanto de roupa como de alimentação”. Este print lembra Joana Vasconcelos.
Anunciante: Kinderhilfe West Afrika Children’s Aid. Título: Knitted Food. Agência: Draftfcb, Vienna. Áustria, 2011
Pinturas limpas
Somos poliédricos, irisados e camaleónicos. Assim nos pintam os sábios da pós-modernidade. Mas a mistura de tantas cores pode terminar numa enorme mancha cinzenta. Felizmente há ideias capazes de trazer alguma brancura a esta policromia noturna. O Service Civique (http://www.service-civique.gouv.fr/) é um organismo oficial francês que mobiliza os jovens entre 16 e 25 anos para a intervenção social. A TBWA/Paris associou-se à campanha do Service Civique com um anúncio que filma a aplicação de “clean tags” nos muros de Paris. O “clean tag” é uma modalidade de arte de rua que consiste em lavar os muros com água fluvial através de um estêncil, resultando uma marca ou uma figura. Este procedimento coaduna-se com os objetivos ecológicos do Service Civique. Colocadas em locais chave, as silhuetas brancas em tamanho natural retratam as principais atividades desenvolvidas pelos voluntários: apoio aos sem-abrigo, restauro do património histórico, proteção do ambiente… Posto isto, e não desfazendo, quer-me parecer que resulta mais fácil retirar uma marca suja de um muro limpo do que uma marca limpa de um muro sujo.
Anunciante: Service Civique. Título: Clean Tags. Agência: TBWA Paris. França, Março 2012.
Identidades omnívoras
Pela boca sai o peixe, pela boca entra o sapo. Bocas omnívoras, despachadas, plurais, que gostam de tudo um pouco. Presumivelmente, rizomáticas e incertas. Agora engulo um ananás, logo mastigo um cacto… Assim pintadas, as bocas ostentam um ar Pop Art com trejeitos pós-modernos. Será esta campanha um hino à diferença? Dos alimentos, talvez; dos corpos alimentados, nem por isso. Nunca houve tamanha normalização dos corpos, nem tanta gente arregimentada. Esteja na linha, cuide bem de si, “reaprenda a comer”com a dieta dos “vigilantes de peso”! Belo anúncio, naturalmente pouco preocupado com as identidades omnívoras, sejam elas líquidas ou fragmentadas. Interessam-lhe antes as identidades desfasadas entre o sofá e o sonho.
Marca: Weight Watchers. Título: Treat Yourself Better. Agência: Fred & Farid. França, Janeiro 2012.
Ternura virtual
Pele de lã, corpo de ternura. A nós de os (in)vestir com prazer e arte. A Woolite e a Euro RSCG Worldwide encontraram a fórmula. Nada que não tivesse passado pelo génio de E.C. Escher.
Ideias simples com impacto
Eis um poster minimalista, mas impressionante, que retirou o tema (a cega e mortífera roleta russa) do banco dos símbolos consagrados. Se quer viver, o melhor é não arriscar: não beba! A mensagem é demasiado óbvia, mas era preciso pensá-la. Assim surgem boas ideias: não é preciso inventá-las, basta desencantá-las.
O outdoor da Pepsi Light também alinha, embora menos, pela simplicidade. Um conjunto de mulheres entrega-se ao exercício físico. Todas? Não, uma não precisa, bebe Pepsi Light. A única em fato de banho. Moral da história: Pepsi Light mantém-te em forma.
Os anúncios veiculam várias mensagens, sendo algumas “parasitas”. Neste caso, a Pepsi arrisca um ónus: o efeito da desvalorização pública do exercício físico. Mas habilita-se a um bónus: a a bebedora Pepsi Light destaca-se da multidão. Este efeito distinção configura um brinde muito prezado na publicidade.