Ciúmes do futuro

Ciúmes do futuro? Ceder amor parental? O requiem do amor único? Falamos da espera de um irmão ou de uma irmã. Tudo se conjuga para gerar insegurança. As pessoas apressam-se a profetizar: vais deixar de ser morgado; os teus pais passam a ter mais um filho; a família vai mudar. Profetiza-se a perda do trono e da exclusividade. É sobre esta “tragédia” que versa o anúncio grego Jealous Guy. Os fantasmas assombram o sentimento do filho único. Trata-se de uma obsessão fictícia com dor antecipada.
Dia da Terra

O ser humano é imprevisível. Logo programado. Há dias para tudo: Educação, Leguminosas, Rádio, Discriminação O, Vida Selvagem, Mulher, Felicidade, Meteorologia, Saúde, Voo Espacial, Jovens Mulheres nas TIC, Jazz, Atum, Abelha, Sem Tabaco, Pais, Bicicleta, Trabalho Infantil, Viúvas, Juventude…
A humanidade entrega-se a surtos intermitentes de sensibilização. Agora a Felicidade, ora as Leguminosas, ora a Abelha, ora a Bicicleta. Uma extensa agenda do espírito. No dia 22 de abril, comemora-se o dia da Terra. Seguem dois anúncios.
Fuga

Numa gaiola as imagens entram pelas janelas e as pessoas saem pelas portas. Uma solidão empoleirada à pesca de sentimentos. O anúncio The Chase, da Head & Shoulders, consiste numa perseguição interminável. O perseguido não consegue despistar aos perseguidores. Tem um talão de Aquiles: a caspa. Nada que o shampoo Head & Shoulders não resolva. Japonês, o anúncio adota o estilo de um anime.
Indecisão

Começar a semana com uma música é uma boa prática. Para a música do lado A, Lonely Boy, falta-me energia; para a música do lado B, Nocturne, falta-me a tranquilidade. O mais avisado é não começar a semana.
Arabescos

O arabesco, de origem islâmica, é um entrançado decorativo com predomínio de formas geométricas. Na origem, não contemplava figuras humanas (ver figuras 1 a 3). Encontram-se obras precursoras no Império Romano e na Grécia Antiga (ver figuras 4 a 6). Os grotescos aproximam-se dos arabescos (ver https://tendimag.com/2012/02/12/desgravitar-sem-conta-peso-e-medida/).
1. Santa Sofia de Constantinopla. Séc VI. 2. Painel decorativo. Sé. IX. 3.-Grande mesquita de Kairouan. Tunísia. 4-Pella. Grécia. Séc. IV aC. 5.-Mosaico romano. Séc. III. 6.-Mosaico romano. Termas de Diocleciano. Roma.-Séc. III.
O arabesco inspira a música. A composição Arabesque, de Claude Debussy, é uma referência. Os Coldplay publicaram, recentemente, uma canção intitulada Arabesque.
J.S. Bach – Saxofone

Interpretar J.S Bach com recurso ao saxofone é ousado. Os Paris Saxophone Quartet interpretam a Cantata #147, BWV 147- Adagio. O Tendências do Imaginário é o meu antidepressivo. Tóxico. Para evitar o tédio, convém, no entanto, alternar os temas e os modos.
Limiares do tempo

A NOS lançou dois anúncios que convocam imaginários distintos: Estou Além (2019) e O Amanhã (2021). Esta diferença não é excecional. Não mais do que campanhas que mantêm, anos a fio, a mesma orientação: a Nike, a Hornbach, a Cartier, a Citroen, a Old Spice…
Saliento alguns tópicos característicos dos dois anúncios da NOS.
Primeiro, o anúncio Estou Além:
- Desassossego;
- Indivíduos unidos à distância numa rede tribal;
- Pressa de chegar;
- Valorização do presente;
- Coro, comunhão;
- António Variações.
O anúncio Estou Além aproxima-se de um imaginário pós-moderno com contornos dionisíacos.
O discurso do anúncio O Amanhã é eloquente e repetitivo:
“O que aí vem é uma página em branco (…) temos vontade de futuro (…) a ideia do amanhã faz-nos estremecer (…) faz-nos querer, e então abraçamos esta viagem e avançamos sem amarras, sem olhar para trás (…) Temos vontade de futuro, vontade de mudar o mundo (…) sem olhar para trás. E sempre que for preciso, podemos ir ao nosso fundo e relembrar: de que somos feitos? De coragem, liberdade e coração. Levamos na bagagem toda a inteligência, toda a ciência, toda a emoção. Da descoberta, da conquista, de navegar sem ver a terra à vista. O que aí vem é uma página em branco. E nós vamos escrevê-la. Com toda a nossa força, arte e engenho. Hoje, mais do que nunca. Temos vontade de futuro. De virar a página. De fazer, pela primeira vez, tudo o que ninguém fez”.
No anúncio O Amanhã, os protagonistas surgem isolados, longe da multidão turbulenta do final do anúncio Estou Além. O presente é uma página em branco. O ser humano aposta no futuro. Reúne competência e potência para concretizar os seus desígnios (coragem, liberdade, inteligência, força e engenho). Conquistador do amanhã, “faz, pela primeira vez, tudo o que ninguém fez”.
Este imaginário não é pós-moderno. Porventura, futurista (ver, em baixo, manifesto futurista de Marinetti). O herói do anúncio O Amanhã resulta prometeico, “caracterizado pelo desejo de se ultrapassar, pelo gosto do esforço e pelas grandes iniciativas, pela fé na grandeza humana” ((https://wish.brussels/forum/viewtopic.php/community/7a8c44-lille-aix-en-provence-avion?7a8c44=personnage-prom%C3%A9th%C3%A9en).
Manifesto do Futurismo ( Filippo Tommaso Marinetti, 1909)
- Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.
- A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.
- A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o
movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco. - Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da
velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a
serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a
Vitória de Samotrácia. - Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra,
lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita. - É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificiência, para aumentar o entusiástico
fervor dos elementos primordiais. - Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser
uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas,
para obrigá-las a prostrar-se diante do homem. - Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de olhar para trás, se
queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já
estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente. - Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto
destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher. - Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academia de toda natureza, e combater o
moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária. - Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação;
cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o
vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as
estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios
contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios,
faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as
locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de
carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir
como uma multidão entusiasta. - É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e
incendiária, com o qual fundamos hoje o “Futurismo”, porque queremos libertar este país de sua fétida
gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários. - Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores. Nós queremos libertá-la dos
inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios. - Museus: cemitérios!… Idênticos, na verdade, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não
se conhecem. Museus: dormitórios públicos em que se descansa para sempre junto a seres odiados ou
desconhecidos! Museus: absurdos matadouros de pintores e escultores, que se vão trucidando
ferozmente a golpes de cores e linhas, ao longo das paredes disputadas! - Que se vá lá em peregrinação, uma vez por ano, como se vai ao Cemitério no dia de finados… Passe.
Que uma vez por ano se deponha uma homenagem de flores diante da Gioconda, concedo… - Mas não admito que se levem passear, diariamente pelos museus, nossas tristezas, nossa frágil
coragem, nossa inquietude doentia, mórbida. Para que se envenenar? Para que apodrecer? - E o que mais se pode ver, num velho quadro, senão a fatigante contorção do artista que se esforçou
para infrigir as insuperáveis barreiras opostas ao desejo de exprimir inteiramente seu sonho?… Admirar
um quadro antigo equivale a despejar nossa sensibilidade numa urna funerária, no lugar de projetá-la
longe, em violentos jatos de criação e de ação. - Vocês querem, pois, desperdiçar todas as suas melhores forças nesta eterna e inútil admiração do
passado, da qual vocês só podem sair fatalmente exaustos, diminuídos e pisados? - Em verdade eu lhes declaro que a frequência diária aos museus, às bibliotecas e às academias
(cemitérios de esforços vãos, calvários de sonhos crucificados, registro de arremessos truncados!…) é
para os artistas tão prejudicial, quanto a tutela prolongada dos pais para certos jovens ébrios de
engenho e de vontade ambiciosa. Para os moribundos, para os enfermos, para os prisioneiros, vá lá:- o
admirável passado é, quiçá, um bálsamo para seus males, visto que para eles o porvir está trancado…
Mas nós não queremos nada com o passado, nós, jovens e fortes futuristas! - E venham, pois, os alegres incendiários de dedos carbonizados! Ei-los! Ei-los!… Vamos! Ateiem fogo
às estantes das bibliotecas!… Desviem o curso dos canais, para inundar os museus!… Oh! a alegria de
ver boiar à deriva, laceradas e desbotadas sobre aquelas águas, as velhas telas gloriosas!… Empunhem
as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas!
Variações

Quem se desfaz em palavras só pode acabar sozinho” (Elias Canetti, 1989, Le Coeur Secret, 1989, Paris: Albin Michel, p. 14).
A palavra está na ponta da língua e a língua no tubo digestivo. Infelizmente, palavras não as leva o vento. Há verborreias tubulares que nos entulham os ouvidos: vacinas, tribunais, esplanadas… Existem, porém, palavras que merecem ouvidos. Por exemplo, a canção Estou Além, de António Variações, retomada no anúncio da NOS 5G. Há encontros felizes. A canção é a alma do anúncio, e o anúncio o hino de “uma geração sem limites”. Aproveito para acrescentar a Canção do Engate.
Semiótica da árvore

Um idiota não vê a mesma árvore que um sábio (William Blake, 1757-1827).
A árvore é um dos principais símbolos da humanidade.
“Árbol. Uno de los temas simbólicos más ricos y más extendidos, cuya bibliografia formaría por sí sola un libro. Mircea Eliade distingue siete interpretaciones principales (ELIT, 230-231) que no considera por otra parte exhaustivas, pero que se articulan todas alrededor de la idea del Cosmos vivo en perpetua regeneración. A despecho de apariencias superficiales y de conclusiones apresuradas, el árbol, incluso sagrado, no es siempre objeto de culto; es la figuración simbólica de una entidad que lo supera y que puede convertirse en objeto de culto. Símbolo de la vida en perpetua evolución, en ascensión hacia el cielo, evoca todo el simbolismo de la verticalidad: así el árbol de Leonardo da Vinci. Por otra parte, sirve también para simbolizar el carácter cíclico de la evolución cósmica: muerte y regeneración; los árboles de hoja caduca sobre todo evocan un ciclo, ya que cada año se despojan y se recubren de hojas. El árbol pone así en comunicación los tres niveles del cosmos: el subterráneo, por sus raíces hurgando en las profundidades donde se hunden; la superficie de la tierra, por su tronco y sus primeras ramas; las alturas, por sus ramas superiores y su cima, atraídas por la luz del cielo. Reptiles se arrastran entre sus raíces; aves vuelan por su ramaje: pone en relación el mundo ctónico y el mundo uránico. Reúne todos los elementos: el agua circula con su savia, la tierra se integra a su cuerpo por sus raíces, el aire alimenta sus hojas, el fuego surge de su frotamiento” (Chevalier, Jean & Gheerbrandt, 1969, Diccionario de los símbolos. Titivillus, pp. 174 e 175).