O Teste do Elevador
Para Aristóteles, o segredo do humor era a surpresa. E quando o centro de gravidade da surpresa se situa abaixo do umbigo, o humor parece só ter a ganhar. É o caso deste teste de roupa interior, num anúncio da Bonds, com fraca resolução, mas com humor reserva 1995.
Marca: Bonds. Título: Lift. Agência: DMB&B. Direção: David Deneen. Austrália, 1995.
Humor estranho
Os génios também fazem obras de arte disfarçadas de anúncios publicitários. É o caso do alemão Andreas Bruns. A sua página pessoal é parca em anúncios (http://www.andreasbruns.com/), mas cada um tem um toque especial. Selecionei dois. Um terceiro, da Mercedes-Benz, The Journey, já foi publicado no blogue: http://tendimag.com/2013/01/10/perdidos-e-achados/. Save your skin, para a Lux, e Breathtaking, para a obsAIRve, seguem um esquema semelhante: um compasso longo que termina em sobressalto. No primeiro anúncio, fica-se com a sensação de assistir a um teaser de um filme terror já visto. Os últimos dez segundos encarregam-se de tudo subverter: o agressor escorrega no sabonete que escapa das mãos da vítima. No segundo anúncio, duas crianças sustêm longamente a respiração acabando por colocar, em catástrofe, uma máscara de gás num cenário inesperadamente apocalíptico. Em ambos os anúncios, a marca aparece durante esta turbulência final que nos deixa “sem respiração”. Trata-se de um humor grotesco, estranho e corrosivo, com raízes fundas na arte e na literatura alemãs. Remonta, pelo menos, ao movimento Sturm und Drang (tempestade e ímpeto; do séc. XVIII) partidário da Empfindung (emoção que suplanta a razão). Mikhail Bakhtin e Wolfgang Kayser, os principais teóricos do grotesco, dedicaram especial atenção a este movimento.
Marca: Lux. Título: Save your skin. Agência: Filmakademie Baden-Württemberg. Direção: Andreas Bruns. Alemanha, Outubro 2013.
Sobra uma pergunta: como é que um vídeo insólito e desconcertante contribui para a compra de sabonetes Lux? Será que um conteúdo desagradável pode, devidamente eufemizado e contextualizado, cativar? Será que o segredo reside mais na forma do que no conteúdo? Importa resgatar uma longa tradição, acentuadamente alemã, de pesquisa das formas, patente em Heinrich Wölfflin, Georg Simmel, Georgy Lukacs, Erwin Panofsky ou Walter Benjamin. Para abordar os anúncios publicitários enquanto formas simbólicas, convém dar a mão a autores com Mikhail Bakhtin, Marshall McLuhan, Roland Barthes, Gilbert Durand, Jean Baudrillard, Umberto Eco, Gilles Deleuze ou Omar Calabrese.
Anunciante: obsAIRve. Título: Breathtaking. Agência: Filmakademie Baden-Württemberg. Direção: Andreas Bruns. Alemanha, Dezembro 2012.
Não é nenhuma aberração uma pessoa deixar-se seduzir pelo tétrico e pelo estranho. Os filmes dedicados ao terror e ao absurdo obtiveram, desde os primórdios do cinema, sucessos de bilheteira: Nosferatu, o Vampiro, de Friedrich Munau, de 1922; o Drácula, de Tod Browning, de 1931; do mesmo realizador, Freaks, de 1932; o primeiro Frankenstein foi produzido em 1910 por Thomas Edison: em 1931 surge a versão clássica de James Whale, com Boris Karloff; por último, Um Cão Andaluz, filme surrealista de Luis Buñuel e Salvador Dali, é publicado em 1929. Na actualidade, os filmes do género banalizaram-se. Em boa verdade, o tétrico e o sinistro tanto nos repelem como nos atraem.
A mulher é inconstante
A publicidade é omnívora. Inspira-se em tudo, até onde menos se espera. Este anúncio é uma paródia de uma ária, La Donna e Mobile, da ópera Rigoletto, de Giuseppe Verdi. A inconstância da mulher é cantada, com humor, por várias vozes masculinas acompanhadas por uma guitarra eléctrica. Tudo em honra do novo desodorizante Axe Random, um pack com várias fragâncias repartidas por frascos iguais aleatoriamente dispostos, ou seja, um perfume, à semelhança da mulher, imprevisível. A acompanhar o anúncio, a interpretação da canção por Luciano Pavarotti e respectiva letra traduzida em português.
Marca: Axe Random. Título: La Donna è Mobile. Agência: Ponce. Direção: Juan Cabral. Argentina, Setembro 2013.
Luciano Pavarotti, La Donna e Mobile, ao vivo em1981.
A Mulher É Inconstante
A mulher é inconstante
Como pluma ao vento,
Muda o tom da voz
E de pensamento.
Sempre um amável,
Gracioso rosto,
Em pranto ou em riso,
É mentiroso.
A mulher é inconstante
Como pluma ao vento,
Muda o tom da voz
E de pensamento.
E de pensamento.
E de pensamento.
É sempre um infeliz
Quem a ela se entrega,
Quem lhe confia
Incautamente o coração.
Também nunca sente-se
Feliz em cheio
Quem naquele seio
Não saboreia amor.
A mulher é inconstante
Como pluma ao vento,
Muda o tom da voz
E de pensamento.
E de pensamento.
E de pensamento!
Humor grego
O anúncio da Wind Hellas Telecommunications podia integrar a série televisiva Malucos do Riso. Trata-se de um humor bem-disposto construído em torno de um assalto enredado num interminável quid pro quo.
Marca: Wind Hellas Telecommunications. Título: Greek bank robbery. Agência: The Newtons Laboritary (Athens). Grécia, 2012.
Humor negro
O impacto do macabro e do insano depende muito do modo como são contados e embalados. Este anúncio da DSW reúne subtileza, mistério e humor. E ousa exigir atenção. Um amigo de animais muito desastrado compra sapatos para usar as caixas como última morada para as vítimas do infortúnio. Que desfecho teria esta história nas mãos de Edgar Allan Poe?
Marca: DSW. Título: The Goat. Agência: Onion Labs, USA. Direção: Mac Eldridge. USA, Outubro 2013.
Imagens do impossível
“Estes anúncios apresentam‐nos, ao jeito de Escher, mundos impossíveis. Impossíveis, mas convincentes: “Tudo ali nos parece muito estranho e, no entanto, é bastante convincente” (Ernst, 2007: 51). Trocam‐nos os olhos e até nos causam um impacto físico. “Falam‐nos ao corpo” (Kerckhove, 1997: 38). Mexem connosco e, sobretudo, conduzem‐nos a experienciar o impossível. Eis a principal razão para o tamanho do quadro ter que ser maior do que o tamanho do mundo. Para se pintar, além das paisagens e das histórias previstas por Alberti, o sonho e o impossível”,
Albertino Gonçalves, “Como nunca ninguém viu”, Martins, Moisés de Lemos et alii (2011), Imagem e Pensamento, Coimbra, Grácio Ed., pp. 139-165.
“Como nunca ninguém viu” (ver pdf) aborda o papel da ilusão nos anúncios publicitários. O novo anúncio da Honda, Illusions (vídeo 1), teve o condão de ressuscitar este texto entre páginas amortalhado (por sinal, um dos meus preferidos). O anúncio da Honda não é de todo original. O Illusions do Audi A6 (vídeo 3) abriu caminho há quase dez anos. Já os conteúdos, inspirados na arte de rua, têm assinatura própria: oito ilusões ópticas de belo efeito.
Pdf: Albertino Gonçalves. Como nunca ninguém viu. Imagem e Pensamento
Marca: Honda. Título: Illusions. Agência: Mcgarrybowen, London. Direção: Chris Palmer. Reino Unido, Outubro 2013.
The Making of of Honda Illusions.
Marca: Audi. Título: Illusions. Agência: Bartle Bogle Hegarty. Direção: Anthony Atanasio. Alemanha, Junho 2004.
A Maçã
A maçã é um fruto perverso e pretensioso. Intromete-se no destino da humanidade: Eva, Newton, Guilherme Tell, Magritte (ver imagem), Prévert (ver poema em português e em francês), Branca de Neve, The Beatles… Nada que a Apple descuide: desta vez, convida-nos a uma dentada num iPhone (ver anúncio) acompanhada pela música sensual dos Goldfrapp (oohlala)?
Marca: Apple iPhone 5s. Título : Apple Metal Mastered. Agência : TBWA. USA, Outubro 2013.
Recreação de Picasso (La Promenade de Picasso)
Numa base bem redonda de porcelana real
posa uma maçã
Face a face com ela
um pintor da realidade
em vão tenta pintar
a maçã tal como ela é
mas
ela não vai deixar
a maçã
ela vai se pronunciar
e tem várias tramas no seu saco de maçãs
a maçã
e ali está ela rodando
numa base real
dissimuladamente em si mesma
docemente sem se mover
e à guisa dum Duque de Guise que num truque é guizo
para que não lhe tirem a imagem a contragosto
a maçã disfarçada desfruta seu traje de bela bruta
e é então
que o pintor da realidade
Passa a perceber
que todas as aparências da maçã são contra ele
e
como o pobre indigente
como o miserável que se vê de repente à mercê de alguma associação beneficente e caridosa e assombrosa por sua beneficência e caridade e assombrosidade
o pobre pintor da realidade
se vê então de repente como a triste presa
de uma incontável multidão de associações de idéias
E a maçã a rodar evoca a macieira
o Paraíso terrestre e Eva e depois Adão
a sidra o leitão à mesa Nova Iorque e a maçaneta
a Argentina as Hespérides a verde a vermelha e a golden
branca do amor e a maçã de neve
e o pecado original
e as origens da arte
e a Suíça com Guilherme Tell
e até mesmo Isaac Newton
várias vezes premiado na Exposição da Gravitação Universal
e o pintor atordoado perde de vista seu modelo
e adormece
É então que Picasso
enquadrando-se ali como em toda oportunidade
cada dia como em sua casa
vê a maçã e o prato e o pintor adormecido
Que idéia de pintar uma maçã
diz Picasso
e Picasso come a maçã
e a maçã lhe diz Obrigado
e Picasso quebra o prato
e sai dali sorridente
e o pintor arrancado de seus sonhos
como um dente
se encontra só novamente diante da sua tela inacabada
com os terríveis caroços da realidade
bem no meio da sua louça despedaçada.
Jacques Prévert, 1949
La promenade de Picasso
Sur une assiette bien ronde en porcelaine réelle
une pomme pose
Face à face avec elle
un peintre de la réalité
essaie vainement de peindre
la pomme telle qu’elle est
mais
elle ne se laisse pas faire
la pomme
elle a son mot à dire
et plusieurs tours dans son sac de pomme
la pomme
et la voilà qui tourne
dans une assiette réelle
sournoisement sur elle-même
doucement sans bouger
et comme un duc de Guise qui se déguise en bec de gaz
parce qu’on veut malgré lui lui tirer le portrait
la pomme se déguise en beau bruit déguisé
et c’est alors
que le peintre de la réalité
commence à réaliser
que toutes les apparences de la pomme sont contre lui
et
comme le malheureux indigent
comme le pauvre nécessiteux qui se trouve soudain à la merci de n’importe quelle association bienfaisante et charitable et redoutable de bienfaisance de charité et de redoutabilité
le malheureux peintre de la réalité
se trouve soudain alors être la triste proie
d’une innombrable foule d’associations d’idées
Et la pomme en tournant évoque le pommier
le Paradis terrestre et Ève et puis Adam
l’arrosoir l’espalier Parmentier l’escalier
le Canada les Hespérides la Normandie la Reinette et l’Api
le serpent du Jeu de Paume le serment du Jus de Pomme
et le péché originel
et les origines de l’art
et la Suisse avec Guillaume Tell
et même Isaac Newton
plusieurs fois primé à l’Exposition de la Gravitation Universelle
et le peintre étourdi perd de vue son modèle
et s’endort
C’est alors que Picasso
qui passait par là comme il passe partout
chaque jour comme chez lui
voit la pomme et l’assiette et le peintre endormi
Quelle idée de peindre une pomme
dit Picasso
et Picasso mange la pomme
et la pomme lui dit Merci
et Picasso casse l’assiette
et s’en va en souriant
et le peintre arraché à ses songes
comme une dent
se retrouve tout seul devant sa toile inachevée
avec au beau milieu de sa vaisselle brisée
les terrifiants pépins de la réalité.
Jacques Prévert, 1949
A recriação do prazer
São raros os anúncios centrados no percurso da marca. Em três minutos, a PlayStation regressa às origens,1995, e retoma o caminho. Mostra-nos adolescentes que vão crescendo em torno de um novo totem: a PlayStation (1 a 4). Mudam, entretanto, os cartazes, a decoração, as roupas, os penteados, os objectos, a iluminação e a vista da janela. Paulatinamente, a PlayStation conquista espaço e centralidade. Este anúncio é uma ousadia bem concebida. Lembra uma casa de bonecas acelerada. A informação, excessiva, desafia a nossa capacidade de leitura. Mas, a crer em Derrik de Kerckhove (The Skin of Culture, 1995), é muito provável que parte da informação que escapa à mente não escape ao corpo e aos seus sensores, particularmente aptos para mergulhar na vertigem das imagens electrónicas. A PlayStation 1 foi lançada em 1995. Dezoito anos de tentação, sem expulsão do paraíso.
Marca: Sony PlayStation. Título: For The Players Since 1995. Agência: Drum, USA. USA, Outubro 2013.
As minhas calças falam!
Estão na moda as calças justas. Pois, a Levi’s propõe umas calças ainda mais justas, mais versáteis e mais confortáveis. Assentam, salvo seja, que nem luvas de cirurgia. Embora avesso às formas (eg, as modelos), o corpo é cada vez mais forma, e a roupa, contorno. Algo como uma escultura e o respectivo oxidante. “Let your body do the talking”. No livro The Silent Language (1959), Edward T. Hall intitula o capítulo 9 “Time talks” e o 10, “Space speaks”. Pela mesma altura, Ray Birdwhistell, tal como Hall, membro da Escola de Palo Alto, investiga a linguagem corporal (Introduction to Kinesics, 1952). Tudo fala! Segundo o axioma de Paul Watzlawick, da mesma escola, não se pode não comunicar (com Janet Beavin e Don Jackson, Une Logique de la Communication, 1ª ed. 1967). Em suma, as calças Levi’s são umas tagarelas! E, por incrível que pareça, as calças falam por ti. Tanto aqui como na China.
Marca: Levi’s. Título: Experience the benefits. Agência: Wieden + Kennedy, Shanghai. Direção: Gustav Johansson. China, Agosto 2013.
A Besta
Os contos tradicionais nunca acabam, na pior das hipóteses, renascem. A boca do lobo persegue Capuchinho Vermelho há muitos séculos. Os dois, Capuchinho e o lobo, compõem uma moldura que envolve o nosso imaginário. Mudam-se os tempos, mudam-se alguns detalhes. Em fuga, o capuchinho, sanguíneo, não para de se desfazer. A crer nas imagens, levará muito tempo, uma eternidade, como a fome a desaparecer ou o Cristo de Velasquez a morrer, por causa dos nossos pecados.
Anunciante: Nações Unidas. Título: Hunger is a Monster. Agência: Platige Image. Direção: Marcin Filipek. Polónia, Outubro 2013.