Dor de pedra

A homenagem acabou. Depois da vaidade a vanitas.
Os anjos são eternos. Por isso não lhes cresce a barba. Contudo, nos cemitérios, o tempo, o abandono e a natureza dão vida e corpo à dor eterna da pedra: cobrindo-a com pele oxidada e pelos de musgo.
Para acompanhar a presente galeria com fotografias de esculturas tumulares “embelhecidas” (para escrever à Mia Couto), acrescento as músicas By the Sea, Depart e Eternity Theme, da compositora grega Eleni Karaindrou.
Galeria de fotografias: esculturas tumulares expostas ao tempo e à natureza
















Apontamentos sobre o ensino da Sociologia da Arte

Hesito sempre em colocar no Tendências do Imaginário documentos, neste caso um vídeo de uma conversa, em que sou protagonista. No entanto, várias pessoas lamentaram não ter assistido, no local ou online, à Conferência Internacional “We Must Take Action #3 O Ensino Artístico no Desenho do Futuro da Arte”, na XXII Bienal Internacional de Arte de Cerveira, na última sexta-feira, dia 18 de novembro. Por outro lado, o meu “grilo falante” entende que a minha comunicação sobre o ensino da Sociologia da Arte pode revestir-se de algum interesse. O vídeo completo da Conferência está acessível no endereço https://www.facebook.com/bienaldecerveira/videos/650820763199732. Reproduzo apenas o excerto com a apresentação pela moderadora, Helena Mendes Pereira, e a minha intervenção de abertura.
(re)encontro

O Departamento de Sociologia da Universidade do Minho, a Câmara de Melgaço e o Centro de Ciências em Comunicação entenderam por bem dedicar-me um momento de convívio na próxima terça, dia 29 de novembro, às 17:30, no museu D. Diogo de Sousa, em Braga. Suspeito que será mais uma festa do que uma cerimónia, menos fim de percurso e mais uma nova fase: “o primeiro dia do resto da vida”. Estou, em boa hora, aposentado, mas não arrumado. Intervêm Carlos Veiga, Manoel Batista, Madalena Oliveira e, em particular, Moisés de Lemos Martins, Álvaro Domingues, Rita Ribeiro, o Grupo Etnográfico da Casa do Povo de Melgaço e Francisco Berény Domingues. Alice Matos e António Joaquim Costa aceitaram moderar. Pelo meio, ensaiarei corresponder com um pequeno arremedo de aula para enganar saudades. Após a apresentação do livro Sociologia Indisciplinada, será servido um alvarinho de honra, com roscas de Melgaço.


Venha! Se é antigo aluno, traga, propiciando-se, um docinho para saborear o reencontro: um charuto, de Arcos de Valdevez; uma queijada, de Barcelos; uma sameirinha ou uma tíbia, de Braga; um miguelito, de Cabeceiras de Basto; um caminhense ou cerveirense, de Caminha ou Cerveira; uma passarinha ou um sardão, de Guimarães; uma fatia de bucho doce, de Melgaço; um biscoito de milho, de Paredes de Coura; um magalhães, de Ponte da Barca; uma castanhola, de Ponte de Lima; uma rocha do pilar, da Póvoa de Lanhoso; um beneditino, de Terras do Bouro; um sidónio ou uma bola de Berlim, de Viana do Castelo; uma broinha de amor, de Vila Verde… Com alvarinho, tudo cai bem!
It’s the age, stupid! Discriminação etária

Uma vez assente a poeira, gostaria de revisitar uma bolha mediática que, pela mão de políticos e da comunicação social, absorveu e preocupou os portugueses.
Jovem de 21 anos sai da faculdade para o Governo e vai ganhar quatro mil euros (Título de artigo, 08 nov, 2022: https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2022/11/08/jovem-de-21-anos-sai-da-faculdade-para-o-governo-e-vai-ganhar-quatro-mil-euros/307102/).
Aponta-se o dedo, mediático, a uma “anomalia”: suspeita-se de entorse político. Até que ponto é admissível um jovem de 21 anos ir para o governo ganhar quatro mil euros? Inverto a pergunta: por que é que não é possível? Por causa da idade, por ter 21 anos? Este é o nó da discórdia, os outros argumentos convocados ou são meros corolários ou falácias. Assumir que um jovem de 21 anos não deve ir para o governo ganhar 4 000 euros, brutos, é um preconceito entranhado que se traduz numa discriminação abusiva baseada na idade. E, no entanto, quanta obra notável da história da humanidade empreendida por pessoas com menos de 21 anos na música, na arte e na literatura, na ciência e na técnica, na economia, na política e na guerra! Tal como não existe raça ou género, também não existe idade que diminua, à partida, um ser humano. Esta penalização pela idade, por mais espontânea que seja, nem sempre é bem-intencionada. Neste caso, o denunciante é tão suspeito quanto o denunciado.
A experiência profissional oferece-se, de algum modo, como um corolário da idade, um avatar preconceituoso, logo nem sempre justificado, que dificulta o acesso dos mais jovens à vida ativa. Configura um preconceito considerar mais garantia para a assessoria de um órgão do governo a experiência profissional, seja ela qual for, em detrimento das experiências política e de gestão associativa, sejam elas quais forem.
Em suma, discriminação e preconceito de braço dado.
Jovem de 21 anos sai da faculdade para o Governo e vai ganhar quatro mil euros
(…) Um jovem de 21 anos que acabou recentemente o curso de Direito foi contratado para ser adjunto da ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, sem ter qualquer experiência profissional.
Tiago Alberto Cunha vai ganhar cerca de quatro mil euros brutos por mês.
Segundo a nota biográfica publicada em Diário da República, Tiago acabou o curso de Direito no ano passado, na Universidade do Porto, e este ano ingressou no mestrado na Universidade de Lisboa, na mesma área.
Nas últimas autárquicas foi candidato à Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia pelo Partido Socialista, não tendo no entanto sido eleito. Ocupava o 32.º lugar da lista.
Entre 2020 e 2021, o agora adjunto de Mariana Vieira da Silva foi secretário-geral do Conselho Nacional de Estudantes de Direito (CNED).
Faz também parte da Assmblei de Freguesia de Vilar de Andorinho, em Vila Nova de Gaia.”
Pesadelo

“Instituição com números, sem pensamento, com o quotidiano académico a pulsar ao ritmo da máquina, numa desenfreada mobilização tecnológica para o mercado, para a estatística e para o ranking, a Universidade faz, além disso, a entronização dos procedimentos corretivos e ortopédicos, certificando no ensino e na investigação meras rotinas e conformidades, eficiências e utilidades” (Moisés de Lemos Martins, ” Da Universidade de Sokal, Crato e Passos Coelho, à Universidade da ciência como aventura do pensamento”, Correio do Minho (março 2018): https://correiodominho.pt/cronicas/da-universidade-de-sokal-crato-e-passos-coelho-universidade-da-cincia-como-aventura-do-pensamento/9506; consultado em 16/11/2022).
Acordei, sobressaltado e trémulo, de um pesadelo apocalíptico. Tomada por uma vertigem autofágica, a Universidade estava em vias de perder três dos pilares que a caracterizaram durante séculos: a sabedoria, o humanismo e o ensino. A sabedoria para o conhecimento a metro; o humanismo para as novas regras do mercado dos bens científicos; o ensino para a concorrência de outras fontes de aprendizagem tais como as empresas e as plataformas do tipo YouTube. Ainda bem que não sou faraó do Egipto. Tratou-se apenas de um mero sonho ruim, que, no entanto, teve a má sina de me deixar perturbado.
Jean-Claude Combessie: O Método em Sociologia
Em março de 2020, em plena pandemia e ensino à distância, sugeri alguns textos para iniciação à metodologia e aos métodos e técnicas de investigação em Sociologia (ver Aula imaterial 2. A arte da sociologia: https://tendimag.com/2020/03/19/aula-imaterial-2-a-arte-da-sociologia/). Entre estes, constava O método em Sociologia, de Jean-Claude Combessie, meu antigo professor na Sorbonne. Não indicava, porém, nenhum link para descarga. Nunca é tarde. Pode descarregar agora o original, La Méthode en Sociologie, no seguinte endereço: https://www.academia.edu/36245797/Jean_Claude_Combessie_La_methode_en_sociologie. Existe tradução em português pelas Edições Loyola.


O ar e a água, a voz e o sonho, numa tarde de domingo

“Dorme com os anjos e sonha comigo porque um dia poderás dormir comigo e sonhar com os anjos” (anónimo)
O Tendências do Imaginário é um blogue unipessoal nada participado. Tenho sonhado com o oposto, com uma alternativa. Está, nesse sentido, em vias de construção um blogue coletivo que reúne autores amigos das áreas da cultura, da arte e do imaginário. Por enquanto, sempre que se proporcione, atrevo-me a abrir exceções convocando uma ou outra pessoa. É o caso deste recanto que dedico à Almerinda Van Der Giezen: deu-me a conhecer Meredith Monk e enviou-me, há tempos, o seguinte texto que rivaliza com os melhores escritos dos melhores sonhadores de estórias.
[Nina e Saul]
por Almerinda Van Der Giezen
“Nina disse a Saul: – Que querem dizer estas palavras? E Saul respondeu: – Pensei que querias brincar. Ao que Nina replicou: – Magoa?” Saul correu, com as mãos a cortar o vento e gritou: – Nina! Nina! Onde estás? Silêncio. Ouvia-se apenas um assobiar baixinho, por entre as moitas. Nina espreitava, com o olhar acossado, vigiava todos os gestos de Saul. Quando ele de súbito a viu, estremeceu. Disse-lhe: – Não tenhas medo. É só a brincar. Nina foi escorregando pelo chão, muito cautelosa, até chegar a Saul. Olhou-o muito séria e perguntou-lhe: – Quanto é a “a brincar”? Saul tem largos horizontes dentro, a brincar com as fronteiras. Irradiante, secreto algoz, acomete-se na missão de ser, não sendo. Tem o olhar fundo e maduro de quem sabe o tempo e ri, ri muito, estremece as casas com o ruído do seu desejo. Mas, num soluço interior, enrola-se, quedo. Tem medo de não ser feliz. “Vamos brincar “, diz à Nina. Nina tem perguntas simples de respostas impossíveis, um olhar muito aberto a querer saber o mundo, muita inocência, muito medo. Quer correr contra o vento, subir aos montes, molhar os pés no mar, fazer castelos na areia, rir…rir muito. Mas pergunta: “Magoa?” “Quanto é brincar?” Dois sopros contra um muro. Dois trovões. Estava Saul sentado na beira do caminho, os braços e o rosto pendentes. Quieto. Nina abermou-se dele. Aninhou-se a entrar em seus olhos escondidos. – Tens medo?, perguntou-lhe. Saul titubeou as pestanas e, confuso, disse, para o vento: – É longe de chegar. Onde se começa? Nina sorriu, gaiata. Olhou as flores minúsculas que bordavam a vereda, e o horizonte sem fim. – Não é tão bom ser o infinito? Vamos descobrir os duendes na curva da estrada. Enganamo-los? Saul levantou de súbito a cabeça, incrédulo, e riu, riu muito, de Nina. Para Nina. Ficou aos pulos de contente, disse até: – Conheço aquele malandro de barbas ruivas e dentes podres de comer amoras. Vou fazer-lhe uma que não vai esquecer. E continuava gargalhando, sem querer caminhando pela estrada que tanto o acabrunhara. Agora era ele que contava histórias loucas a Nina que, secreta, reinventava a força de prosseguir. “Tanto tempo!”, pensava, “vou fazer de conta que estamos no mar”. E assim foram os dois cabriolando no céu limpo de dores, velhos êxtases, sensabores. Era o prazer de voar. “ O mar. Saul a chorar, copiosamente. Nina, tão muda, olhando-o. O sol, quente, a brilhar. Silêncio. Cintilação. Nina, tão muda, olhando. Saul que sorri, sereno. Nina, tão muda. Ali. Saul havia-lhe feito recordar: a alegria, o riso, a leveza, o voo. Agora Nina perguntava: – Dói-te, o mar? Saul, a pele branca do salitre, tardava em responder. Nina ajeitava o mar, com lentidão, com toda a paciência. As ondas iam, e vinham bater nas suas mãos abertas, e escorregavam pelos dedos, sem pressa, até formar um fiozinho brilhante que deixava um rasto vivo na areia. Saul mirava o horizonte, com o queixo levantado, como se assim segurasse o eixo do mundo. Lembrava a Nina aquelas figuras prestes a conquistar o vento. Faltava-lhe apenas uma vela. O vento assobiava, a rasar os cabelos e a pôr gotas no olhar. Fitavam os dois o risco. Sonhavam. Saul virou as costas a Nina, caminhando pela areia, rumo ao tempo. Ela lembrava-lhe as dores dos primeiros passos, os tropeços, as corridas nos labirintos. E… não. Nina não entendia, levava-o para o remoinho. E olhou subitamente para a água, que remexeu em espiral, junto aos seus pés, plantados. Ouviu a voz de Nina: – Também estás aí. Podes fugir, mas as voltas enredam-se em ti. – E tu? – pergunta Saul, sem se virar. – Eu não sou um enredo. – Porquê? – Dou-te a mão. – E se eu não quiser? – A mão é longa e transparente, nunca te cortará. – E se eu ainda não quiser? – É porque pensas que eu quero. – Não? – Não. – Explica-me. – Quando brincávamos… lembras- te quando eu te fazia fintas e tu me insultavas? – Às vezes era um sufoco. – A minha mão estava sempre na tua. – Eu não queria. – Não querias, mas aquietavas-te. – Tu, às vezes… – Demais? – Demais, sem mais – disse ele. – Demenos, sem menos – disse ela. – Queres que me volte? para o lado? para trás? – Gostava que visses onde estou. – Atrás de mim. – Vê. Saul virou-se bruscamente. Nina brincava com as ondas, em direcção ao mar. Abria os braços, com deleite, o peito aberto à brisa suave e melodiosa que enchia o ar. – E agora, Nina, que me queres dizer? – Quero dizer-te… E, num gesto firme, Nina pegou-lhe na mão e levou-o para as ondas. Sentou-se na água, e pediu: – Conta-me a história da amizade. O mar não sabe falar, e eu, às vezes, perco-me nas ondas. – Eu tenho medo das ondas. – Tens medo de mim? Saul olhou-a. Saberia responder? Teve vontade de deixá-la de novo e voltar a caminhar na praia. Ela e aquelas perguntas… Nina sorriu e disse-lhe: – Lembras-te do amigo que ninguém te roubaria, porque ninguém sabia? Porque ninguém podia? E acrescentou: – Tenho a memória funda. E sou inviolável. Não queres ficar? Saul sentou-se à beira dela, perguntou: – Como é “querer ficar”? Nina deu-lhe a mão. Olhou o mar. Disse: – Sabes, é bom ter-te a meu lado…para perguntar-te coisas… Saul, de repente, ficou com o rosto afogueado, a pergunta a queimar-lhe a garganta. Nina não sabia se era a água salgada, se a inocência cruel que sustinha aquele nó. Saul olhava-a em súplica, sem emitir um som, fundo de uma espécie de agonia que Nina aplacava com o pensamento, dizendo, para si ” os caminhos da iniciação são fundos e feitos de lajedos; é preciso inscrever aí a pele” Nina, me-nina! Retornou ao lugar. A memória havia-a levado longe do horizonte, e Saul surtia no brilho do clarão verde, um susto de beleza. “Adeus, Saul”, apeteceu dizer-lhe. Mas lembrou-se como essa palavra era tão “olá, como vais?” – Vou viajar, responde-lhe Saul – não sei como voltarei. Trar-te-ei um pouco dos dias para que tu me contes uma história para eu adormecer. – É, eu nunca fico. Realmente. – Não querias? – Gostaria, com amor. Saul não se cansava de se surpreender. Que lhe dizia ela? Com amor? De que falava? – Falo-te do futuro, das minhas memórias lendárias, do sopro que alimenta o mundo. Sabes como fantasio… Saul deu-lhe um beijo, um segundo beijo, avidez, os lábios derrapando na pele de Nina. Que tormentos? Deixou-a ir, com placidez, não a viu olhar para trás. Também não olhou para trás. Sorriem. O vento já sopra baixinho, o mar veste-se de luz e a areia gorgoleja fantasticamente na pele do tempo. Sudações do Verão. Verão. Meninos caminhando na praia, com puro ardor no calor do Verão. As ondas vão e vêm, afagando-lhes os pés cansados. Riem. Atiram pequenos seixos ao largo. Correm na desmesura do sossego quieto da tarde cálida. Meninos. Caminhando na praia. Mas o Verão ainda não havia chegado. O mar continuava revolto e Saul, incólume, virava-lhe as costas, construindo as suas ameias, enfeitadas de conchas e algas esquecidas. Apenas, de quando em quando, mirava de soslaio o mar, não fosse surpreendê-lo, e ao seu castelo murado. Nina, ao longe, alargava os passos, vagarosa. Num tropeço, caiu sobre si, e foram os seus soluços estremes que acordaram Saul. Caminhou até ela, mais curioso que preocupado, certo da fortaleza de Nina, suave declinar nas palavras. Quando se aninhou junto dela, teve de lhe erguer a cabeça, que ela teimava em enfiar entre os joelhos, balouçando-se para trás e para a frente, as mãos cerradas como punhos, donde se escoavam grãos de areia. Olhou-a. Pela primeira vez. Olhou-a no fundo dos seus olhos e viu, viu tudo. O horror, a tristeza infinda, a ternura, a sede, a dor, a transparência. Apeteceu afogar-se ali, naquele mar de solidão. Perguntou-lhe assim: – Que foi, Nina? – A areia está a transformar-se em sal. Que faremos da cegueira? – e, ao dizer isto, lágrimas de areia perdida rolavam pela pele branca de espuma. Saul teve o primeiro gesto de marinheiro da sua vida. Inclinou-se, e delicadamente, com a ponta dos seus dedos, retirou, um a um, os grãos do sal mordente do rosto de Nina. Ela olhou-o longamente, a mágoa a sumir-se na luminosidade reencontrada. Agradeceu-lhe: – Sabes, tenho uma vela de um barco antigo, lá, no meu sótão. Está um pouco rota, mas cosê-la-ei para ti. E sorriu. Com mil estrelas. Saul baixou a cabeça, timidamente, e foi até ao mar. Juntou alguma água entre as mãos e foi regar o seu castelo, vendo-o desfazer-se lenta e docemente. Disse a Nina: – O Verão está a chegar. – Saul? – Nina… – É tempo de ir à floresta. – E o barco? – É o sonho… – E o frio, as sombras? – É só o medo. As sombras são as nossas mortes. – E os picos, as silvas? Como fazemos? – Desvia-as suavemente, como se as afagasses, e a dor não te cortará. Respira a floresta como se faz o amor. – Nina, preciso de luz. – Há sempre uma clareira na floresta, Saul. – E duendes? – Estamos no tempo das cerejas. Divertem-se a construir pequenas casas com os caroços e os seus telhadinhos feitos de caules. Abrigam-se no tronco da cerejeira louca com flores do Japão. Outros, armam-se de fisgas, a desafiar os ouriços do castanheiro bravio. Existe também uma pequenina fada, com cabelos de miosótis, que tinge os lábios nos morangueiros silvestres. E à noite, o céu deita-se na erva fofa e salpica-se de todas as estrelas sonhadas pelo arco-íris. A lua cobre todos os segredos. Há quem diga até, que nessas noites quentes e azuis, o velho e sábio carvalho entra nas danças de roda, e de mãos dadas com as campainhas cor de oiro, se faz rosado de luz, e ri, muito verde, feito menino. A terra sussurra músicas encantadas e os musgos acariciam-lhe o ventre. Os pirilampos espreitam no meio dos embaraçados arbustos que tapam a vereda. No pequeno lago, os nenúfares bailam, de mansinho, e pedem…um toque de pétala…uma asa de borboleta… – Nina? – Saul… – É tempo de irmos à floresta. – Depois ensinas-me o mar? “ (Almerinda Van Der Giezen) |
O estádio do respiro
Estou a passar uma fase em que a oralidade e a interação presencial se sobrepõem à escrita. Muitas comunicações, algumas a pedir preparação. Por exemplo, sexta, dia 18, cumpre-me a abertura da Conferência Internacional “We Must Take Action #3 O Ensino Artístico no Desenho do Futuro da Arte, na XXII Bienal Internacional de Arte de Cerveira. Não é óbvio nem dá para improvisar. Para inspiração recorro à música, também pouco óbvia. Por exemplo, da cantora e compositora francesa Camille (Dalmais).

Tive um professor, Jean-Louis Tristani, sociólogo e psicanalista, que, para além dos estádios oral e anal descobertos por Freud, inventou o estádio do respiro em que o desejo e o prazer se centram no aparelho respiratório (Le stade du respir, Paris, Éd. de Minuit, 1978). Pois a música de Camille lembra-me o estádio de respiro de Jean-Louis Tristani.
Seguem quatro canções de Camille: Home is where it hurts; Gospel with no Lord; Waves; e Ta Douleur.
A imaginação infantil ao poder

“A imaginação ao poder” (palavra de ordem de Maio 68)
O Halloween já passou, o Natal está à porta. A imaginação infantil ao poder, tanto nos Estados-Unidos (onde a Toys’R’Us tem sede) como na Rússia (onde a S7 Airlines tem sede)!