Archive | Fevereiro 2023

O fóssil e a acendalha

Túmulo Borlando. Cemitério Monumental de Staglieno. Génova. 1920

Eros e Thanatos. Instintos de vida e morte. O amor é vida. Que a vida não o esqueça.
Norte-americana, com formação em canto operático, Minnie Riperton iniciou a sua carreira em soul, rythm e rock, aos 15 anos. A canção “Lovin’You”, do álbum Perfect Angel, foi um dos grandes sucessos da década de setenta. Morreu de cancro da mama, em 1979, com apenas trinta e um anos.
Os fósseis podem funcionar como acendalhas?

Minnie Riperton. Inside my love. Adventures in Paradise. 1975
Minnie Riperton. Lovin’You. Perfect Angel. 1974
Minnie Riperton. Light my fire (com José Feliciano). Minnie. 1979

Ésquilo, o abutre e a tartaruga

Ando absorvido, acelerado e fragmentado. Excessivo na recuperação do tempo perdido, sinto-me a ultrapassar o ponto previsto pelo princípio de Peter. Quinta, 15, entrevista aos Porto Canal sobre os Farrangalheiros de Castro Laboreiro; sábado, 18, a conferência “Vestir os Nus”, no Museu D. Diogo de Sousa; ontem, 24, arguição da dissertação, excelente, de Sílvio Messias dedicada à figura do palhaço; hoje e amanhã, últimos retoques no capítulo “Castro Laboreiro: Acessibilidade e migrações até aos anos 1930”; na próxima semana, duas atividades previstas no âmbito do Fórum Cidadania: Pela Erradicação da Pobreza (BRAGA) de que sou membro; na quinta, 2 de março, gravação de entrevista sobre o nu na sociedade atual para o programa da A Voz do Cidadão, da RTP, a emitir sábado, 4 de março, às 14 horas; no sábado, de manhã, às 10 horas, aula “A arte do restauro: Alcance e dilemas”, no mosteiro de Tibães (ver programa anexo).

Mais tartarugas me vão cair, certamente, na cabeça. Poucas folgas para o Tendências do Imaginário e o Margens. A agenda lembra demasiado o ritmo e as variações de algumas composições espanholas. Sem a formosura das intérpretes Ana Vidovic e Alexandra Whittingham. Não me resta outra solução senão abrandar e fazer escolhas. Como se costuma dizer, já não tenho estofo nem pedalada para tanto.

A propósito da “queda de tartarugas na careca”, Jean-Martin Rabot, uma autêntica enciclopédia dos óbitos de celebridades, relata este derradeiro episódio de Ésquilo, completamente calvo, na ilha da Sicília.

               Algumas aves quando pretendem quebrar um objeto duro, agarram-no, sobem alto e deixam-no cair. Um abutre pegou uma tartaruga e lançou-a contra o que lhe pareceu uma pedra a brilhar no solo. Era a cabeça de Ésquilo que caiu fulminado.

Ana Vidovic. Asturias (1892). De Isaac Albéniz. 2015.
Alexandra Whittingham. Capricho Arabe (1892). De Francisco Tárrega. 2017.

Arrepio cego

Henri Rousseau. Ice Skaters On A Frozen Pond. 1907

É nos momentos de maior sobreaquecimento que mais sinto cravar-se-me o frio nas costas. Como um dardo de gelo.

Madonna. Frozen. Ray of Light. 1998. Realizador do vídeo: Chris Cunningham.
Klaus Nomi. Keys of Life. Klaus Nomi. 1981. A partir da performance “Klaus Nomi – Angel of Suburbia”, por Sven Henriksen, em Oslo, abril 2011
Henry Purcell. The Cold Song (da ópera King Arthur, 1691). Contratenor: Andreas Scholl. Accademia Bizantina. Diretor: Stefano Montanari. 2010.

Cinzas

Fumar, a submissão cega ao feitiço do tabaco, é o meu lado feio. Leva a fazer e dizer disparates. Numa sociedade regida pelo princípio da razão e pela ética da responsabilidade, fumar representa uma espécie de colapso no processo civilizacional. Insinua-se como o mais anticartesiano dos argumentos, a demonstração de que o bom senso não é, afinal, a coisa mais bem distribuída. Não há Luzes que resistam. Trata-se da atividade mais massiva, inútil e sem sentido de toda a história da humanidade. Nunca tanta gente perdeu ao mesmo tempo o juízo. Fumar só faz mal. Ao próprio, ao outro, a todos. A autodestruição elevada a biliões de praticantes. Haverá desgraça ou frustração maiores do que a impotência face à iminência do suicídio defumado de um em cada quatro concidadãos? Um enorme e cavado buraco na roda preventiva da sensibilização e da socialização.

Absconsos, os fumadores obstinam-se a adiar a conversão. Absconsos e desbussolados, os fumadores obstinam-se, narinas contra o vento, a adiar a conversão. Não enxergam o óbvio? A salvação hodierna passa mais pelos corpos do que pelas almas. Impõe-se o cuidado disciplinado de si.  A sociedade atual é tão pós-industriais, informacional ou pós-moderna quanto medicalizada. Atentar contra a saúde é um crime digno de denúncia e opróbio militantes. Não há, porém, quem desencante um testo suscetível de abafar esta baforada de sociopatas.

Os espelhos da morte e os transi medievais e modernos confrontam-nos com o destino, com a sementeira no “quintal junto à igreja”. “In the Yard, Behind the Church”, dos Eels, propicia-se a ressoar como música de fundodo próximo cigarro. Vanitas ou memento mori de uma redução a cinzas.

Não é? Em plena época carnavalesca, após um sábado de contenção, uma rabugice em jeito de folia chocalheira. Antes que quarta chegue depois da terça.

Eels. In the Yard, Behind the Church. Blinking Lights and Other Revelations. 2005
Blue October. Ugly Side. History for Sale. 2003.

In the Yard, Behind the Church

In the yard, behind the church where
Butterflies and blackbirds search for
A safe place to rest the night away
We will go down to the brook and
Sit upon the overlook then
Forget about the troubles of the day
We will walk among the graves of
Men long dead with presidents’ names and
Listen to the water flow softly by
I will kiss you on the lips now
And as the sky grows dark we’ll strip down
And let the water wash away all lies
In the yard, behind the church where
Butterflies and blackbirds perch on
Grey stones as the garden’s growing dim
We will lay down on the ground and
Put our cheeks against the dirt down
Where it no longer matters
Where you’ve been

Eels

Lembrete: Censura e destruição da arte e na atualidade

Escolhi um dia aziago para a conferência e a mesa redonda sobre a censura e a destruição da arte e na atualidade. Coincide com as “férias do carnaval” e com a comemoração do Dia da Universidade do Minho. Renovo o convite. Amanhã, lá estarei. Será uma oportunidade para reencontro de amigos e (ex)alunos.

Podia ser pior!

A Vaca e o Prisioneiro (1959)

Para uma noite de insónia

Meu avô contava-me a seguinte anedota:

Um minhoto e um galego estavam entusiasmados numa espécie de conversa ao desafio.

  • Unha cabra golpeo cos cornos unha muller que pasaba polo camiño.
  • Podia ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se em vez de uma cabra fosse um rinoceronte.
  • Unha procesión pasaba pola liña e un tren chega a toda velocidade…
  • Podia ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se o comboio, em vez de vir de frente, viesse de lado, atravessado.
  • Onte, Francisco estivo con María, chegou o seu marido e apuñalouno por todas partes.
  • Podia ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se fosse uma hora antes, não teria sido o Francisco, teria sido eu.

Vem esta anedota a propósito do último anúncio da Levi’s em que um homem troca a vaca por umas calças. Segundo as conveniências contemporâneas, podia ser pior.

  • Como podia ser pior?
  • Se en lugar dunha vaca, era unha muller.
  • Tens razão. Mas podia ainda ser pior.
  • Como podería ser peor?
  • Se no lugar de uma vaca, fosse uma criança.

De inconveniência em inconveniência, por aí adiante…

Marca: Levi’s. Título: Fair Exchange. Agência: Droga5, New York. Direção: Martin de Thurah. USA, fevereiro 2023

A caminhada do homem com a vaca trouxe-me à memória um filme bem-disposto de Henri Verneuil: La vache et le prisonnier (1959), com Fernandel. Seguem o trailer, a banda sonora e as ligações para o filme (dividido em três partes).

Trailer do filme La vache et le prisonnier (1959)
Banda sonora do filme La vache et le prisonnier (1959)

La vache et le prisonnier (primeira parte): https://gloria.tv/post/wLaTA7bRYzhr4UCiDfgixsame#25

La vache et le prisonnier (segunda parte): https://gloria.tv/post/R8nxZNx9ViJY1f4XLWnx8k3FY#5

La vache et le prisonnier (terceira parte): https://gloria.tv/post/JR4Wyu7Jkmgx4gHAK8uKbEQyu#5

Como um elefante sentado numa laranja

Tenho andado arredado do Tendências do Imaginário. A razão é simples. Nos últimos tempos tenho tido poucas tendências, só estáticas. Afazeres e afazeres que se sentam em cima da criatividade como um elefante numa laranja. Criatividade e tendências apenas as dos outros. São poucas, porque vistas por um canudo. Deu, não obstante, para espreitar a curta-metragem Papá? do Canal+. Obtusa! Para quem a tome a sério, logo conjetura que a pandemia alijou o tabu da morte, mormente do morrer.

Mas eu não estou virado para o sério. Se calhar é uma exceção. Ou coisa bizarra que deu aos gauleses. Ou um riso amarelo. Ou uma cambalhota do carnaval. Ou o humor possível na era da técnica. Ou…

Marca: Canal+. Título: Papá? Agência: BETC. Paris. Direção: Dario Fau. França, janeiro 2023

Vestir os nus em vésperas do carnaval

No próximo dia 18, sábado, às 17 horas, apresento a conferência “Vestir os Nus. Censura e Destruição da Arte”, no auditório do museu arqueológico D. Diogo de Sousa, em Braga. Seguir-se-á, às 18 horas, noutra sala, com direito a bebida quente, uma mesa redonda sobre a censura na atualidade, com participação de vários amigos. Junto, como convite, o cartaz. Vai ser um encontro agradável e, estou em crer, compensador. Espero por si!

Sementinhas do carnaval

Aproxima-se o carnaval, tempo de preparar a terra para as sementeiras. Se o Principezinho, de Saint-Exupéry fosse uma semente, gostaria de o plantar, com mil cuidados, em muitas más línguas. Porque os espinhos servem para proteger, não para a destruir a rosa. Seguem a canção Seeds (2017), de Camille, e a música Finding the Rose, da banda sonora do filme Le Petit Prince (2015).

Camille. Seeds. Oui. 2017. Vídeo oficial
Hans Zimmer & Richard Harvey. Finding the Rose. Bande originale do filme Le Petit Prince. 2015