Archive | Vídeojogo RSS for this section

Desigualdade de género nos videojogos

Women in Games Argentina. Novembro 2022

As mulheres são discriminadas negativamente quando participam em videojogos partilhados? É provável. Assim o sugere o teste promovido pela associação Women in Games Argentina apresentado no anúncio Switch Voices.

“La acción constó de un experimento en el cual tres gamers profesionales jugaron con un modulador de voz femenino para vivir en primera persona lo que sienten las mujeres cada vez que intentan jugar. / En el mundo del gaming, las mujeres son víctimas de insultos, menosprecios y hasta complots para eliminarlas del juego. / Esto afecta a las jugadoras que quieren divertirse y principalmente a las que buscan profesionalizarse, porque en esas condiciones su rendimiento y sus posibilidades de ascender en los rankings se torna mucho más complicado. / Para generar conciencia sobre esto, BBDO Argentina y Women in Games Argentina realizaron un experimentó en el cual tres gamers profesionales jugaron con un modulador de voz femenino para vivir en primera persona lo que sienten las mujeres cada vez que intentan jugar. El resultado fue el esperado: los jugadores bajaron notablemente su promedio de victorias y declararon como “imposible” jugar bajo esas condiciones” (https://www.adlatina.com/publicidad/preestreno-switch-voices-bbdo-argentina-women-in-games-y-la-violencia-de-genero-en-el-gaming; consultado em 05.11.2022).

Anunciante: Women in Games Argentina. Título: Switch Voices. Agência: BBDO Argentina. Direção: Christian Rosli y Joaquín Campins. Argentina, novembro 2022

Por supuesto

Joaquín Sabina. Kikelin Caricaturas.

À Bina.

“Cantad alto, oiréis que oyen otros oídos (dónde los hombres)
(¿Qué miran los poetas, poetas andaluces de ahora?)
Mirad alto, veréis que miran otros ojos (dónde los hombres)
(¿Qué sienten los poetas, poetas andaluces de ahora?)
Latid alto, sabréis que palpita otra sangre (dónde los hombres)” – Aguaviva. Poetas Andaluces. Cada Vez Más Cerca. 1970.

! Sin embargo, no ganamos nada hablando y cantando solo en inglés. ¡ Hay tanto mundo por descubrir.

Andaluz, nascido em 1949, Joaquín Sabina exilou-se em Londres nos últimos anos da Espanha de Franco, perseguido como muitos outros compositores e cantores espanhóis, portugueses, argentinos ou chilenos. Alguns foram assassinados (por exemplo, Victor Jara: ver Matar a música. Victor Jara; e O Coração da Terra. Os Direitos do Homem). A voz dos poetas e dos cantores manifesta-se particularmente incómoda aos ouvidos dos ditadores. Regressou em 1977, com a queda do regime. Tem mais de vinte álbuns editados. Selecionei três vídeos musicais.

Joan Manuel Serrat & Joaquín Sabina. Cantares/Y Nos Dieron Las Diez. Music video. Sony. 2019.
Joaquín Sabina, com Mara Barros. Y Sin Embargo Te Quiero / Y Sin Embargo. Ao vivo em  El Luna Park. Buenos Aires. 2015.
Joaquin Sabina. Con la Frente Marchita (Ao vivo). Music video. Sony. 2015.

Um contra um, todos por todos

Keith Vaughan. Cain and Abel. Tate. 1946.

O videojogo afirma-se como vanguarda das indústrias do lúdico e do audiovisual. Potente, competitivo, flexível, acelerado, certeiro e ubíquo. Como o arco de Dario (sobre o arco de Dario, rei da Pérsia, recomendo o artigo: O Espetáculo do Poder).

Não é de admirar que os anúncios a videojogos constem entre os mais impactantes das últimas décadas. HUMANKIND (Amplitude Studios) frisa a perfeição apelativa, narrativa, técnica e estética. Nada é descurado: a luz, a cor, a fotografia, o desenho, os cortes, os contrastes, o enquadramento, a profundidade, os planos, os ritmos, as sequências, o som, as referências… Qualidade, critério e criatividade. HUMANKIND recupera uma opção cada vez mais frequente: a substituição da figura humana por objetos e símbolos. Ganha em projeção e sublimação. Os objetos e os símbolos tornam-se, porventura, mais humanos do que o humano.

HUMANKIND. Amplitude Studios. Official trailer. Agosto 2021.

Retenhamos a lição: agonístico e diabólico, o universo, assevera-se exíguo para dois protagonistas; o anúncio termina, porém, com uma avalanche de multidão. Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto: o anúncio não enjeita ressonâncias bíblicas e míticas: o crepúsculo, egoísta e homicida, de Caim, e a alvorada, coletiva e mobilizadora, de Moisés. Onde não cabem dois, cabem milhões.

Fernando Gonçalves e Albertino Gonçalves

Músicas de medo, morte e pranto

Turner. Death on a Pale Horse, 1825-1830.

A vida é uma cereja
A morte um caroço
O amor uma cerejeira.
Jacques Prévert. Histoires. Folio, 1972

Para entrar na distopia, duas músicas menos conhecidas do Lou Reed, Waves of Fear, e dos Pink Floyd, Dramatic Theme.

Lou Reed. Waves of Fear. The Blue Mask. 1982.
Pink Floyd. Dramatic Theme. More. 1969.

Diablo

Não existe dia mais apropriado do que o dia dos mortos para estrear o trailer do videojogo Diablo IV. Um grotesco de alta qualidade, que produz uma sensação de estranhamento vertiginoso rumo ao inferno. Se é muito sensível, dispense! Se é apenas um pouco sensível, veja só com um olho.

Fernando e Albertino

Diablo IV – Official Announce Cinematic Trailer | “By Three They Come” | BlizzCon 2019. 01/11/2019.

A era dos videojogos

The Elder Scrolls V. Skyrim. The Dragonborne Comes. 2011.

Não posso afirmar que nada do que é imaginário me é estranho. Por exemplo, o mundo fantástico dos videojogos. O último videojogo que joguei foi o Descent (1996). Há mais de vinte anos. Esfrangalhava-me os nervos. Os videojogos constituem um mundo em franca expansão. O rendimento da indústria dos videojogos ultrapassa o rendimento conjunto das indústrias do cinema e da música (ver gráfico: consultar, também, https://metro.co.uk/2019/01/03/video-games-now-popular-music-movies-combined-8304980/?fbclid=IwAR3g-FMe4tOEZBpZQZAS_7ljb0-0IDUDBNVBHQstg3dxTeI-db6fo_8fzWE).

Gráfico: Volume de negócios das indústrias de música, cinema e videojogos.

Os videojogos configuram um “fenómeno total”. Para Marcel Mauss, um fenónemo social total é aquele que convoca toda a sociedade. Os videojogos convocam todas as artes: música, dança, cinema, pintura, escultura, literatura, coreografia, teatro, desporto, concursos, eventos… Existe, por exemplo, música nos videojogos, para os videojogos, inspirada nos videojogos e no palco dos eventos de videojogos. Tudo inspira e tudo integra o mundo dos videojogos. Muitas pessoas passam mais tempo a fantasiar no mundo virtual do que despertas no mundo real.

Confesso que, como sociólogo, me acontece estudar mais a sociologia do que a sociedade: autores, obras, técnicas, redes, correntes, polémicas, conceitos, congressos, referências, estado da arte… Uma espécie de autofagia, de “pecado infantil” (Lenine). Em criança, inventava “provérbios”: Um belo lagarto encarou com a cauda; começou a andar à roda; andou, andou, andou, até que abocanhou a cauda; mordeu, mordeu, mordeu; ficaram-lhe os dentes. A sociologia não corre este risco: tem um património tão vasto que, a meio, perdia os dentes. A propósito dos videojogos, vale-me o meu rapaz mais novo. Mostrou-me duas interpretações de Sabina Zweiacker respeitantes a músicas dos videojogos The Elder Scrolls V (2011) e Bloodborne (2015). Memorável.

Fernando Gonçalves e Albertino Gonçalves

Sabina Zweiacker. The Elder Scrolls V: Skyrim – The Dragonborn Comes. Game music with the Swedish Radio Symphony Orchestra. 2016.
Sabina Zweiacker. Bloodborne – Suite. Game music with the Swedish Radio Symphony Orchestra. 2016.

Delírio

G2A. 2019.

De regresso a Braga, reencontro o Delírio. Tem bom aspecto! Fomos amigos. O delírio mais requintado é o delírio da intelligentsia. Com ou sem laços. Com uma varinha mágica na mão, o “intelectual” delira o mundo. No essencial, nada tenho a opor ao delírio. Não gosto, porém, quando o delírio alheio salpica a minha realidade.

Delirantes e vertiginosos, os videojogos ligam mundos: o nosso e o dos outros, dentro e fora do ecrã. A publicidade não hesita em reforçar esta propensão.

Marca: G2A. Título: You loose when you overpay. Agência: Change Serviceplan. Direcção: Szymon Pawlik. Polónia, Julho 2019.

Senilidade intelectual

Ontem, fiz uma comunicação, hoje, outra, sobre “a música do inferno no imaginário medieval”. Tema insólito, indício, quem sabe, de senilidade intelectual. Ninguém acredita na existência do inferno. Ainda menos, na música do inferno. Mas o inferno existe no imaginário e na experiência do mundo. Século após século, a pegada do inferno é incomensurável.

Em jeito de ponte entre a Idade Média e os nossos dias, a comunicação culmina com o trailer do videojogo Agony (2018). O inferno teima em aquecer as nossas almas. A descida ao inferno no videojogo Agony é um tormento vertiginoso. A banda sonora condiz: arrisca desagradar. Mas, apesar das novas tecnologias, pouco se distingue das pinturas medievais. Atente-se no inferno do tríptico O Juízo Final (1467-71), de Hans Memling. O mesmo tormento, a mesma turbulência, as mesmas vertigens.

O “regime da palavra” anda esquisito. Nunca tantos falaram tanto para dizer tão pouco. Um excesso de formatação e de ladainha na Metrópolis do espírito. Uma orfandade do sentido. A ciência está muito regrada, à espera dos robots inteligentes. Nunca pensei que a ciência ingurgitasse tanta burocracia. Uma incontinência para colmatar uma avaliação que analisa as obras como melões na feira e uma perspectiva de desenvolvimento futuro que não se enxerga.

Albertino Gonçalves e Fernando Gonçalves

Agony. Videojogo. 2018.

Pac-Man, o Papa Pontos

A_Sunday_on_La_Grande_Jatte,_Georges_Seurat,_1884

Georges Seurat. Un Dimanche à La Grande Jatte. 1884.

Tenho pesadelos. Deve ser de pensar de mais. Escorregam as margens para o subconsciente. Sonho, por exemplo, que a minha proeminência abdominal é tão grande que preciso de estacas para a segurar. Outras vezes, sonho que faço parte de um processo: o processo de Kafka. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Logo, nada vale a pena. Nem a obra, nem a “governança”, nem a tripulação, nem o farol. Trata-se de um jogo de croquete à maneira da Rainha de Copas. A sabedoria exibe-se coxa, como o Perna de Pau: hipertrofia da investigação; hipotrofia do ensino. Investe-se na ciência como quem aposta no totoloto. Resultados? Encontros, papers, citações, corredores, rácios, concursos e pontos. Muitos pontos! Parece um quadro de Georges Seurat. Melhor, um Tetris, para encaixe, associado a um Pac-Man, para comer pontos. O pesadelo torna-se insuportável. Faço força para acordar. Estremunhado, oiço: “faltam pontos, faltam pontos, faltam pontos, para mudar de nível”. Esqueci-me de desligar a consola. É um alívio acordar para a realidade deste “admirável mundo novo”: Ciência Portugal 2018 – Star Trek.

Para conciliar realidades (hoje, costuma dizer-se plataformas) nada como a música. Clássica, tocada por dois virtuosos de outra época: Narciso Yepes e Andrés Segovia.

Fantasía para un Gentilhombre de J.Rodrigo. Homenaje de Narciso Yepes a Andrés Segovia. Madrid, 1987.

Andrés Segovia

Andrés Segovia at El Prado , Albéniz’s “Asturias-Leyenda”. 1967.

Escravos das Trevas, escravos da Luz

Rejection of the gift

A sabedoria das alturas de pouco serve se não descer à vida quotidiana. Os diálogos de um videojogo conseguem, por vezes, evocar figuras como, por exemplo, um Sócrates digital a relembrar que “o poder se torna mais forte quando ninguém pensa”.

Estreado ontem, o vídeo da versão Shadows of Argus do jogo World of Warcraft assume que servir a Luz não é menor escravidão do que servir as Trevas. Illidan Stormrage é uma personagem cujos passado e corpo estão marcados pela sua busca de poder das Trevas. Nesta passagem, é-lhe oferecida a hipótese de se redimir, as suas cicatrizes serão saradas, a sua antiga vida será esquecida e tornar-se-á um campeão da Luz. Ele rejeita a oferta. As cicatrizes são o que o definem, o seu destino é dele próprio.

Este pensamento não é novo, mas teima em ser raro. Pese a pós-modernidade, somos seguidores da Luz. Adverte-nos o vídeo que o mais avisado é não ser nem servo das trevas, nem servo da luz. Cada um deve desenvolver o seu carácter e assumir a responsabilidade pelo seu caminho. O nosso tamanho não se mede pelo tamanho dos deuses e dos mestres. Há quem acredite que somos grandes porque o nosso deus ou o nosso mestre são grandes. A nossa medida, a “medida do homem”, é o nosso tamanho e o nosso desafio reside em ser mestres de nós próprios. Há quem acredite que por seguir a luz vai no caminho certo. Quando muito, vai mais iluminado. Não resisto a partilhar uma anedota que costumava contar nas aulas de métodos.

De noite, um bêbado regressa a casa. Chegado à porta, dá-se conta de que perdeu a chave. Não tem outro remédio senão procurar. Passado algum tempo, aproxima-se um amigo que lhe pergunta:
– Que estás a fazer?
– Estou à procura da chave.
– E perdeste-a aí, debaixo do candeeiro?
– Não sei! Mas aqui vê-se melhor.

Tentava, com esta anedota, alertar os alunos para um vício corrente: a falta de originalidade associada à tendência para estudar os temas em voga, de modo que todos descobrem mais ou menos o mesmo e fazem muitas reuniões e publicações para partilhar o que quase todos descobriram. A investigação, normalmente financiada (as entidades financiadoras costumam ser alérgicas a originalidades), reduz-se, assim, a uma clareira super iluminada numa Amazónia de ignorância.

Este artigo foi escrito a dois. Beneficiei da inspiração e da ajuda do meu rapaz mais novo, o Fernando.

Shadows of Argus. World of Warcraft. Agosto 2017.