Archive | Março 2021

Salut d’amour

Edward Elgar by May Grafton.

Edward Elgar (1857-1934) consta entre os grandes compositores ingleses. Das suas obras, destacam-se Enigma Variations (1898–99) e Pomp and Circumstance marches (1901–07; 1930). Seguem a versão para pequena orquestra e a versão para piano de Salut d’Amour (1888).

Edward Elgar. Salut d’Amour Op 12. 1888. Ensemble des Deutschen Kammerorchesters Berlin. Violino: Daniel Hope. 2012.
Edward Elgar. Salut d’Amour Op 12. 1888. Piano: Aldo Ciccolini.

Noite estrelada

Vincent van Gogh. Starry Night.1889.

Globalização. Disseminação. Apropriação. Não há sombra que não tenha a marca do sol. A globalização lembra a noite estrelada de Van Gogh. Uma pluralidade de focos de luz, todos em movimento. Na noite estrelada, tudo emite e tudo recebe luz. O meu rapaz mais novo mostrou-me um vídeo musical de uma banda rock japonesa. O rock anglo-saxónico foi farol que ofuscou o mundo. Mas acendem-se outros focos locais. Alguns com uma dimensão global, por exemplo, o pop/rock sul-coreano.

Ningen Isu. Heartless Scat. Japão. 2019.

Estética de género

Gustav Klimt. Retrato de Adele Bloch-Bauer. 1907.

A Dove preza a valorização estética das belezas menos belas (vídeo 1). Seria equilibrado incluir, nesta equação cosmética, os homens? Não são, a priori, elegíveis? O milagre é apenas feminino? Na verdade, existe uma linha masculina de produtos Dove. Numa amostra de cinquenta anúncios Dove, uma meia dúzia contempla homens. Quais são os tópicos? A notícia da gravidez (vídeo 2), a feminização da masculinidade (vídeo 3), um pintor de mulheres (vídeo 4), momentos paternos (vídeo 5)… Não há beleza masculina alternativa? A beleza dos “feios, porcos e maus”? O valor da beleza conjuga-se, sobretudo, no feminino. A igualdade é fatalmente desigual. Acontece-me ficar confuso: todas as mulheres são belas, umas mais que outras, mas aquelas que são menos belas são as mais belas de todas. A Dove não desconhece o poder da beleza, relativiza-o.

Marca: Dove. Título: It’ on Us. Agência: LOLA Mullen Lowe Madrid. Direção: Lourens Van Rensburg. Espanha, março 2021.
Marca: Dove. Título: First Fatherhood moments. Estados-Unidos, junho 2015.
Marca: Dove. Título: Slow. Agência: Ogilvy & Mather (Brasil). Direção: Carlão Busatto. Brasil, 2013.
Marca: Dove. Título: Real Beauty Sketches. Agência: Ogilvy (São Paulo). Direção: John x Carey. Brasil, 2013.
Marca: Dove. Título: Calls for dads. Estados-Unidos, 2014.

Nascimentos por mês. A sazonalidade do sexo

“É em setembro que a vida começa a sério” (Gilbert Bécaud, vídeo musical 1). É, pelo menos, o mês em que nascem mais crianças em Portugal. Na tabela 1, os valores mais baixos aparecem carregados a vermelho; a verde, os valores mais elevados. O gráfico 1 ilustra esta distribuição.

Tabela 1. Nascimentos por ano e por mês. Portugal, de 2014 a 2019.

Fonte: INE.

De 2014 a 2019, os meses mais “férteis” são, por ordem decrescente, setembro, outubro e agosto. Os menos “férteis” situam-se entre fevereiro e junho.

Fonte: INE.

As crianças nascidas em setembro foram concebidas em dezembro. O que justifica este destaque? O reencontro natalício? O imaginário da natividade? A Senhora do Ó? A disponibilidade de tempo? A esperança associada ao Ano Novo e aos dias crescentes após o solstício de inverno? A indigência invernal? A última pseudoexplicação, a relação entre indigência e sexualidade.

Estas pseudoexplicações da proeminência de dezembro, na conceção, e setembro, no nascimento, relevam, de algum modo, do disparate. A realidade é complicada.

Os valores dos nascimentos em setembro não se afastam dos valores de agosto e outubro (ver tabela). Mas a maioria dos fatores convocados vale apenas para o mês de dezembro/setembro: reencontro natalício, imaginário da natividade, ano novo e solstício.

Eira de milho
Luar de Agosto
Quem faz um filho
Fá-lo por gosto
(Simone de Oliveira. Desfolhada. 1969.)

Gráfico 2, Nascimentos por mês e ano. Portugal. De 1980 a 2015.

Fonte: Extraído de Manuel Esteves. Setembro é o mês em que nascem mais crianças em Portugal. Porquê? Semanário. 14 de Maio de 2016. https://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/setembro_e_o_mes_em_que_nascem_mais_criancas_em_portugal_porque.

No tempo de Simone de Oliveira, o pico nos nascimentos era, provavelmente, em abril, e não em setembro, e a conceção das crianças em agosto, e não em dezembro (ver gráfico 2). Como explicar o predomínio do mês de agosto? As férias? O regresso dos emigrantes? A praia? As romarias? A exposição dos corpos? A concentração dos casamentos? A efervescência social? Não sei! Não sei! Não sei! Sabe bem um banho de ignorância documentada.

Vídeo musical 1. Gilbert Bécaud. C’est en septembre. C’est en septembre. 1978. Ao vivo: Olympia, 1988.
Vídeo musical 2. Simone de Oliveira. Desfolhada. Festival da Eurovisão. 1969.

Fatiar a vida

Mordillo,

Fatiar a vida ano após ano até oxidar o tempo. Sobram, afortunadamente, momentos. Ínfimos, infinitos, pessoais. Feliz aniversário!

Aidan Gibbons: The Piano. Música de Yann Tiersen.
Yves Montand. Les feuilles mortes. 1949 ou 1950. Ao vivo no Olympia. 1981.

Místico, demasiado místico

AlUla. Arábia Saudita.

Bruno Aveillan é um sedutor. Mago da beleza, sabe para que servem as cores e os olhos. Uma imersão na estética e no sagrado. O Tendências do Imaginário contempla uma trintena de anúncios do Bruno Aveillan. Descobri, entretanto, obra mais recente. O presente anúncio é dedicado a AlUla, povoação da Arábia Saudita, património da UNESCO, construída há mais de 2 000 anos.

Commercials can be emotional, expressing themselves via light and shadow in our daily life.
Bruno Aveillan, a high-profile commercial director in France, has made commercials for luxury brands including Cartier, Louis Vuitton and Dior. His works won numerous international awards.
With a superb sense of beauty, Bruno Aveillan is excellent at using lights, endowing each frame or picture with unique appeal.
For Bruno, the most important thing, either for a commercial or for a documentary portraying a person, is to express emotions, because emotion is the cement of communication. He uses storytelling to connect with viewers and to inject life into the brand. With his approaches, a brand is a story and an emotion, more than just a product or an image.
Bruno is also a photographer and visual artist. He launched his own photography exhibitions, the experience of which laid foundation for his career as a director. He founded a publishing house and also created a silk brand with his wife.
Follow Fashion Insiders to explore the world created by Bruno Aveillan and to enjoy the poetic pictures and the emotions expressed through them (Bruno Aveillan:The Many Magic Lights: https://www.youtube.com/watch?v=jC0hcMv2cPU).

Marca: Royal Commission for AlUla (RCU). Título: Al-‘Ula, The World’s Masterpiece. Agência: Leo Burnett. Direção: Bruno Aveillan. Arábia Saudita, janeiro 2021.

Gravidez e carreira profissional

Paula Rego. Pregnant Rabbit Telling Her Parents.1982.

Uma primeira leitura do anúncio A Career-Limiting Move separou-me os fusíveis. Nossa Senhora das Candeias! Só a repetição até à última letra acendeu a inteligência. Afinal, o significado deste stop motion é óbvio:

Anna Mantzaris directs a funny and important stop motion piece for Global Women New Zealand, in time for International Women’s Day 2021. Anna uses her signature style with humour and imperfect characters, to raise awareness of the “Motherhood Penalty” that significantly impacts women in the workplace in New Zealand. The short shows there is almost nothing a woman can do in the workplace that is more career-limiting than having a baby (http://www.passion-pictures.com/uk/animation-studios/project/global-women/).

Como pode uma mulher condenar a carreira profissional? Cortar a gravata ao patrão? Criar o caos no escritório? Surripiar uma bolacha ao patrão e regurgitá-la? Nem pensar! Fatal, mesmo, é engravidar. Talvez cortar o equivalente simbólico da gravata.

Anunciante: Global Women. Título: A Career-Limiting Move. Agência: Saatchi & Saatchi NZ. Direção Anna Mantzaris. Nova-Zelândia, março 2021.

A criança e o mundo

Charles Chaplin. The Kid. 1921.

Eles não sabem, nem sonham
Que o sonho comanda a vida
E que sempre que um homem sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos de uma criança
(António Gedeão. Pedra filosofal. Movimento Perpétuo. 1956).

Os anos sessenta e setenta abriram-se a um pensamento global romântico propenso à denúncia coletiva. A criança, “filha do universo”, resiste aos “pontapés do homem cego”. Um imaginário de angelização e demonização do mundo, com a androginia à espreita. Seguem duas canções: Child of the universe, dos Barclay James Harvest, e Child in Time, dos Deep Purple.

Barclay James Harvest. Child of the universe. Everyone Is Everybody Else. 1974.
Deep Purple. Child in time. Deep Purple in Rock. 1970.

Aniversário

Juan Miró. Dancer. 1925.

O meu rapaz mais novo faz anos. Não sei que lhe dizer. Todos fazemos anos: uns mais devagar, outros mais depressa. A música pode calar o silêncio. Canções que gosto e ele não. Por acréscimo em francês. Mas dizem o que quero dizer, sem falar.

Grégoire. Mon enfant. Le même soleil. 2010.
Grégoire. Mon repère. Le même soleil. 2010.

Desligado. Hikikomori.

Dá-me alguém e dou-te o mundo

Homem preso dentro de garrafa. Fonte – Internet

Dá-me alguém e dou-te o mundo

A palavra japonesa Hikikomori refere-se tanto a uma situação de vida como àqueles que a vivem. No Japão, mais de meio milhão de pessoas vivem neste isolamento. Desligam, refugiam-se em casa, furtando-se à pressão social. Recorde-se, aliás, que o Japão se carateriza também por uma elevada taxa de suicídio. Este fenómeno existe noutras sociedades. Não confundir com o confinamento que é uma imposição e não uma iniciativa. O confinado recorre a todos os meios de comunicação disponíveis (por exemplo, o telemóvel ou o Skype), o Hikikomori evita-os. Enfim, a condição do Hikikomori difere de situações de isolamento extremo, como o de muitos idosos. Não se foge de quem não existe

Social Isolation in Japan, Hikikomori Are Now Opening Up: NBC Left Field | On the Fringe. 2017.

Desertas são as paisagens deste vídeo musical de Yann Tiersen.

Yann Tiersen. Pell. All. 2019.