Fazer filhos a dormir
A marca britânica Lipton afiança que o seu chá é apaziguador (http://tendimag.com/2014/02/28/a-terapia-do-cha/). A marca indiana Indus destaca, em contrapartida, o efeito excitante do seu chá. Coisas da Commonwealth e do indirect rule. Confesso que fiquei confuso. Pus a cabeça a andar à roda e cheguei a uma conclusão: quem tomar uma ou duas chávenas de chá fica pronto para fazer filhos a dormir.
Marca: Indus. Título: Hero. Agência: Garage Films. Direção: Ashmit Kunder. Índia, Fevereiro 2014.
A Terapia do Chá
Projectado para passar na televisão durante a cerimónia dos óscares, este anúncio precede o filme da Disney “Muppets most wanted”, com estreia mundial no próximo Março. O mundo da rotina deixou de proporcionar tranquilidade e segurança. Transformou-se num caos agressivo e insano. Faça uma pausa, tome um chá, desligue e goze a vida. Os outros agradecem. Com tanto monstro em redor, até o Kermit consegue relaxar! Noam Murro é um dos grandes realizadores de anúncios. Ver, por exemplo:
http://tendimag.com/2013/04/25/parkour-a-liberdade-em-movimento/
http://tendimag.com/2013/02/13/humor-negro-e-humor-colorido/
Marca: Lipton. Título: Be More Kermit. Agência: adam&eveDDB. Direção: Noam Murro. USA, Fevereiro 2014.
O Rei da Marcha
A equipa do Centro de Estudos Comunicação e Sociedade dedicada ao estudo dos postais ilustrados (http://postaisilustrados.blogspot.pt/) prepara uma nova publicação. Mais uma oportunidade para descobertas. À cata de postais sonoros do início do século XX, deparei com um postal com música de John Philip Sousa (1854-1935): The Corcoran Cadets March, 1890 (vídeo 2). “Rei das marchas”, filho de português, john Philip Sousa é o autor da marcha nacional dos Estados-Unidos (vídeo 1). Pelos vistos, tenho um espírito torto. À procura de alhos (postais sonoros), encontro bugalhos (um compositor). Como invejo aqueles que procurando alhos e encontram alhos. Estão sempre a ensacar alhos!
Vídeo 1. John Philip Sousa. Marcha The Stars and Stripes Forever. 1897.
Vídeo 2. John Philip Sousa. Marcha The Corcoran Cadets March, 1890.
Super! Super! Supermercado
A Cristina enviou-me este vídeo desde o país dos maus ventos. É falado em alemão, língua que não compreendo. É promovido por um supermercado. No fim deste artigo, consta a tradução em inglês da letra da canção.
Não teve sorte com o orientador. Os orientadores são como os melões: avalia-se por fora, mas o que interessa é o interior. Alguns são uma versão do Fernão Capelo Gaivota: sempre a voar, cada mais alto, sem mar nem terra onde se firmar. Does anybody here remember Richard Bach? And Neil Diamond? A glória também voa e acaba por adormecer (ver http://tendimag.com/2012/09/16/da-necessidade-de-voar/).
Marca: Edeka. Título: Supergeil. Alemanha, Fevereiro 2014.
Este anúncio, bem-humorado, é para ver e para ouvir a música (recomenda-se a outros hiper e super mercados). Sobra ensejo para adivinhar os casos de intertextualidade. O anúncio dialoga com outras realidades. Por exemplo, na sequência final, a dança das meninas de preto sexuado traz à memória o vídeo musical Addicted to Love, de Robert Palmer (1985). Ou talvez não.
Robert Palmer. Addicted to Love. 1985
Super süß, super sexy, super easy, supergeil
Super Leute, super lieb, super Love, supergeil
Super Uschi, super Muschi, super Sushi, supergeil
Super heftig, super deftig, super lässig, supergeil
Super fit, super fresh, super Livestyle, supergeil
Super Power, super stark, super Markt, supergeil
Super sweet, super sexy, super easy, super-cool
Super people, super cute, super love, super-cool
Super Uschi*, super pussy**, super sushi, super-cool
Super fierce, super hearty, super easygoing, super-cool
Super fit, super fresh, super lifestyle, super-cool
Super power, super strong, supermarket, super-cool
CHORUS:
Es ist supergeil, supergeil
Richtig supergeil, supergeil
Ich finds supergeil, supergeil
Denn du bist supergeil
It is super-cool, super-cool
Absolutely super-cool, super-cool
I find it super-cool, super-cool
Because you are super-cool
Super knister, super knusper, super Snack, supergeil
Super Freunde, super spritzig, super Party, supergeil
Super Optik, super chillig, super Cookies, supergeil
Super Sonntag, super Montag, super lazy, supergeil
Super crunchy, super tasty, super crazy, supergeil
Super fruchtig, super lecker, super smooth, supergeil
Super sizzling, super crispy, super snack, super-cool
Super friends, super fizzy, super party, super-cool
Super optics, super chill, super cookies, super-cool
Super Sunday, super Monday, super lazy, super-cool***
Super crunchy, super tasty, super crazy, super-cool
Super fruity, super delicious, super smooth, super-cool
[CHORUS]
Sehr, sehr geile Sachen hier
Bio ist auch sehr, sehr geil
Sehr geile Bioprodukte, toll
Very, very cool stuff here
Organic is also very, very cool
Very cool organic products, excellent
[CHORUS]
Guck ma hier, sehr, sehr geile Fritten, super
Sehr geiler Dorsch übrigens, sehr geil
Oh hier, Klopapier, oh, das ist aber weich
Sehr, sehr geil, super
Oh check it out, very, very cool fries, super
Very cool cod, by the way, very cool
Oh look here, toilet paper, ooh, now that’s soft****
Very, very cool, super
Palas
Pelos vistos, os novos media, sociais e globais, não permitem atender ao essencial. A lógica diria que quem vê ao longe também vê ao perto. Para a Coca-Cola, a verdade é outra: o essencial está perto, mas não o vemos. Recomendam-se palas! Obrigado, Ana!
Marca: Coca-Cola. Título: Social Media Guard. Agência: Memac Ogilvy Dubai. Emirados Árabes Unidos, Fevereiro 2014.
Ganga da memória
Como em muitos casos, se não entrar, pouco perde. Se calhar, nem à brigada das calças boca de sino interessa.
Não sou triste! Mas entristeço. E, quando entristeço, apego-me a insignificâncias, flores secas entre páginas gastas.
A Ave Maria de Bach/Gounod presta-se a um arco-íris de interpretações. Recordo, por exemplo, a Ave Maria Rock, de Michael Quatro (In Collaboration With The Gods, 1975).
Precoce, excessivo, barroco, Michael Quatro granjeou um sucesso fugaz e inconsequente. Procurar a sua música na internet era pior do que procurar uma agulha no palheiro. Entretanto, tornou-se possível aceder à reprodução integral do álbum In Collaboration With The Gods.
Michael Quatro. In Collaboration With The Gods. 1975 (LP completo).
Quem teve, efectivamente, sucesso foi a irmã: Suzi Quatro. Os mais experientes da vida devem lembrar-se. Nos anos setenta, as canções da Suzi Quatro não davam descanso aos altifalantes da Avenida Central. Seleccionei duas canções: What’s it like to be loved (1977), estilo Abba, e If you can’t give me love (1978), a prenunciar as 4 Non Blondes.
Suzi Quatro. What’s it like to be loved. Aggro-Phobia.1977.
Suzi Quatro. If you can’t give me love. If you knew Suzi. 1978.
Unanumo, Laranjeira e Valentine
Há ideias com que concordamos, e logo esquecemos. Há outras com que discordamos, mas mantemos o diálogo. Um aluno Erasmus fez um trabalho sobre Miguel de Unanumo. Relembrou-me a visão deste filósofo espanhol, reitor da Universidade de Salamanca, sobre Portugal:
“Portugal é um povo triste, e é-o até quando sorri. A sua literatura, incluindo a sua literatura cómica e jocosa, é uma literatura triste. Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Desejam talvez viver, sim, mas para quê…” (Portugal Povo de Suicidas, Lisboa, Letra Livre, 2010).
Chegados aqui, o melhor é não parar:
“A paixão trá-lo à vida, e a própria paixão, consumido o seu alimento, leva-o à morte. Hoje o que lhe resta? Dentro de uns dias, em 1 de Dezembro, celebrar-se-ão as festas da restauração da sua nacionalidade, de ter sacudido a soberania dos Filipes da Espanha. No dia seguinte voltarão a falar de bancarrota e de intervenção estrangeira. Pobre Portugal!”
Escritas em 1908, estas palavras ecoam na consciência. Prefiro, mesmo assim, “a melancolia venenosa” de Manuel Laranjeira em carta endereçada em 1908 ao mesmo Miguel de Unanumo:
“Em Portugal chegou-se a este princípio de filosofia desesperada — o suicídio é um recurso nobre, é uma espécie de redenção moral. Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa (…) Às vezes, em horas de desânimo, chego a crer que esta tristeza negra nos sobe da alma aos olhos; e, então, tenho a impressão intolerável e louca de que em Portugal todos trazemos os olhos vestidos de luto por nós mesmos” (Espinho, Carta a Miguel de Unanumo, 1908).
Uma lástima que a internet não existisse na alvorada do século XX. O sentimento trágico de Unanumo seria menos trágico e a melancolia venenosa de Laranjeira menos melancólica. Esta Valentine redime a mátria portuguesa. Teriam cantado um País feliz, feliz, feliz… como agora, com o balanço dos últimos dois anos do governo da República.
I am Valentine. Acriz: Diana Nicolau. Produção: Diffuse Studios. Portugal, Fevereiro 2014.