Músicas surrealizadas 04
Pearl Jam: Life Wasted

A trovoada e a moleza prestam-se a um vídeo musical com fundo de pesadelo a lembrar uma “noite sem fim” abalada por um cortejo frenético de monstruosidades pouco recomendáveis a almas sensíveis. Algo duro, very hard, assim como Life Wasted, dos Pearl Jam, condimentado por meia dúzia de quadros do Max Ernst.
Imagem: Max Ernst. Noite sem fim. 1940





Músicas surrealizadas 03
Björk: Tabula Rasa, Mutual Core e Body Memory


Björk recorre com frequência a vídeos surreais que se destacam pela diversidade e pelo apuro técnico e estético. Entre os mais marcantes consta All is Full of Love, realizado por Chris Cunningham em 1999. Seguem três vídeos relativamente recentes, os dois primeiros com imagens digitais e o terceiro a partir de um espetáculo ao vivo. Todos apostam no efeito de disformidade.
Músicas surrealizadas 02
Regina Spektor. Laughing With

Não há como bater o ferro enquanto está quente. Segue o segundo vídeo da série “músicas surrealizadas”: Laughing With, do álbum Far, editado em 2009, de Regina Spektor, cantora, compositora e pianista de origem russa radicada nos Estados Unidos. Convoca, sobretudo, obras do belga René Magritte (1898-1967) e do holandês Maurits C. Escher (1898-1972).
Músicas surrealizadas 01
Rufus Wainwright. Across The Universe

Quatro vídeos musicais inspirados no surrealismo prolongaram a conversa do último sábado sobre os maneiristas: Sledgehammer (Peter Gabriel, So, 1986); How Does It Make You Feel (Air, 10 000 Hz Legend, 2001); Otherside (Red Hot Chili Peppers, Californication, 1999); Hearts A Mess (Gotye, Like Drawing Blood, 2006).
René Magritte. Golconda. 1953
Vou iniciar, em jeito de entretenimento e à semelhança da “Sociologia sem palavras”, uma série com vídeos musicais em que a presença, ou a influência, do surrealismo é notória. Chamar-lhe-ei Músicas surrealizadas. Para inaugurar: Rufus Wainwright, Across The Universe (I Am Sam, 2002).
Espantalhos


Quase não vejo televisão. Ligo-a sempre num “canal de notícias”. Não tarda alguém a misturar notícia e opinião com ares de não saber o que diz. Às vezes, até duvido da boa fé. Por exemplo, ainda ontem um telejornal apresentou de uma forma deveras insólita, parcial e perversa os resultados do concurso para médicos de medicina geral e familiar. Talvez a informação e a urgência excedam as disponibilidades de jornalistas. Alérgico a influenciadores intrusivos, desligo o televisor, razão por que, não mudando, religo fatalmente um canal de notícias. Prefiro ler alguém que não pretende pensar por mim mas fazer-me pensar. Por exemplo, o Eduardo Lourenço:

“Um pensador não é um homem que pensa, mas sim um homem que faz pensar. Um criador não é um homem que sonha, mas um homem que faz sonhar. Ser grande pensador ou grande criador é fazer pensar e sonhar uma inumerável sucessão de homens e de tempos. Esta condição original dos pensadores e dos poetas explica o mistério aparente do triunfo histórico das obras obscuras, das sinfonias incompletas, das estátuas partidas. Toda a grande obra é obscura e incompleta e essa obscuridade e imperfeição são a sombra necessária à visão do sol contínuo que lhes constitui o cerne.” (“A arte ou as estátuas partidas”, Agosto de 1954, Da Pintura. Lisboa: Gradiva, 2017, pp. 120-121).
Segue a canção “Paranoimia” dos Art of Noise. “Paranoimia” resulta da junção de “paranoia” e “insónia”: estar com medo e incapaz de dormir. Há quem ande a semear “paranoimia”, insegurança e desassossego, talvez para colher avatares do Big Brother e admiráveis mundos novos.
O vício de descobrir

Descobrir, descobrir, descobrir… Não-sei-quês e quase-nadas inesperados. Descobrir sem repouso. Dias sonhados e noites despertas, a fio, a escapar à sombra. Só ou acompanhado, mas a sair de si, desamarrar, derivar e perder-se. Distorcer ecos e ressonâncias. Rasgar o selo da perfeição. Descobrir e descobrir-se, exorbitar mesmo quando o corpo encolhe. E agradecer. Hoje, a tendência aponta para encobrir e desencobrir, desvendar, o que é diferente. Uma coisa é um rio turbulento, outra um pântano turvo. Descubra, descubra-se [salvo seja] e não hesite em abraçar o outro, manancial de surpresas, como a inquieta mas discreta guitarra de Juan José Robles. A música é um cúmplice infinito.
Desorientação
Os contrapoderes andam agitados, incisivos e imaginativos. Das pulgas fazem elefantes. Com a arte da comichão e do coçar.
Distinguem-se várias propensões, umas, por exemplo, apostadas na correção e no resgate, outras na transgressão e na renovação. Para onde oscilamos? Coexistindo, algumas tendência podem dominar as demais. A dominação torna-se hegemónica quando os dominados adotam a linguagem dos dominantes. Em que estado estamos? Enfim, poderão os contrapoderes aspirar à hegemonia?

Convido, a despropósito, ao confronto de algumas músicas de duas bandas britânicas com registos divergentes: energia, senão entusiasmo, dos Orchestral Manoeuvres In The Dark, dos anos 1980, e apelo, senão súplica, dos London Grammar, dos anos 2010.
Imagem: René Magritte. Reprodução proíbida. 1937
Afinidades entre maneiristas e surrealistas

Nas últimas décadas não publiquei os resultados da maior parte das investigações. Alguns apontamentos no blogue Tendências do Imaginário e um ou outro artigo por convite foram as exceções. Acumulei, entretanto, “legos” de conhecimento. Dando a vida voltas, entendo, agora, partilhá-los. Encetei várias conversas, montagens dos referidos legos: “Amor e morte nas esculturas funerárias”, em outubro, “Apontamentos sobre o ensino da arte” e “O olhar de Deus na cruz: o Cristo estrábico”, em novembro, “Vestir os nus: censura e destruição da arte”, em fevereiro e “A ambivalência do crime na arte”, em maio. “Antepassados do surrealismo: O Maneirismo, será a próxima, no dia 27 de maio, às 17 horas, no Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Outras se seguirão, a um ritmo, previsivelmente, mais razoável.
“Antepassados do surrealismo: o maneirismo” perspetiva-se como uma conversa que convoca as principais componentes de um percurso que acumulou e montou, décadas a fio, um conjunto apreciável de legos resultantes de uma investigação caprichosa mas persistente. Associam-se-lhe textos emblemáticos, tais como “O delírio da disformidade” (2002); “Vertigens do barroco” (2007); “Dobras e fragmentos” (2009); e “Como nunca ninguém viu” (2011). Em suma, sintetiza, identifica, motiva e expõe, em jeito de balanço a partilhar.
À maneira das obras abordadas, a conversa deseja-se mais um espetáculo do que uma lição. Inspira-se mais na arte do que na ciência. Portanto, menos espírito de missão e mais instinto de prazer, próprio e alheio. Sobrará, mais ou menos a propósito, tempo para músicas, videoclipes e anúncios publicitários. O conteúdo essencial radica, porém, numa mão cheia de apresentações que confrontam artistas, por um lado, do auge do maneirismo da segunda metade do século XVI (e.g. François Desprez, Wenzel Jamnitzer, Lorenz Stoer, Giovanni Battista Braccelli e Giuseppe Arcimboldo) e, por outro, das vanguardas da primeira metade do século XX, mormente surrealistas, proto-surrealistas e, de algum modo, associáveis (e.g. Giorgio di Chirico, Max Ernst, René Magritte, Salvador Dali, mas também Pablo Picasso, Kasimir Malevich ou Mauritis C. Escher).
Cristalizar parte substantiva de uma vida num momento é aposta arriscada. Para partilhar, convém ser mais que um. Será grato contar com a sua presença.