A música na publicidade

Quando a música e, eventualmente, a dança são estrelas, o resto perde brilho. São exemplo os anúncios Dairy Dancing, da Pump e Little Angels, da Hyundai. O motivo e a marca podiam mudar, o impacto e a promoção mantinham-se. Repare-se, por último, que a música produz um efeito de união: em Dairy Dancing, as pessoas sintonizam-se; em Little Angels, a música pacifica e gera comunhão dentro e fora da família.
Ninguém é normal.

A normalidade não existe. Apenas desvios à norma. Na literatura, abundam figuras de monstros que são bons e de bons que são monstros. Por exemplo, a Bela e o Monstro, de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve (1745), Quasímodo, de Victor Hugo (1831) ou Dorian Gray, de Oscar Wilde (1890). No anúncio Nobody is normal, da britânica Childline – NSPCC (Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra Crianças), todos são anormais por dentro e por fora.

A metamorfose da figura feminina galardoada (ver figura 1) lembra, os justos que me perdoem, uma deusa grega, Ártemis, ou romana, Diana, na versão dita de Éfeso. “Bolsas” cobrem-lhe o peito (ver figuras 2 a 7). Há entendidos que alvitram seios, outros ovos ou testículos de touro. Sempre atributos de fertilidade, apanágio da “mãe natureza”. Entre as imagens de Ártemis de Éfeso, retenho a escultura no jardim da Villa D’Este, um colossal palácio maneirista construído no século XVI, em Tivoli, perto de Roma. As fontes de Villa d’Este são famosas (figuras 8 a 17). Os jatos de água provenientes das “bolsas” de Diana de Éfeso não enganam. Parecem seios, uma abundância de seios! Estes esguichos não são de ovos, nem de testículos de touro. Acode-me, que os justíssimos me perdoem, a lactação de São Bernardo (ver https://tendimag.com/2012/10/26/um-abraco-a-divindade-sao-bernardo-de-claraval/).
Galeria de imagens 1: Esculturas de Ártemis/Diana de Éfeso.
03. Fonte de Diana de Éfeso. Tivoli. Villa d’Este 04. Ártemis de Éfeso. Século I. Museu Arqueológico de Éfeso 05.Ártemis de Éfeso. Roman copy of an Hellenistic original of the 2nd century BC.. Musei Capitolini 06. Ártemis de Éfeso. Hadrian’s Villa. Vatican Museums 07. Villa d’Este. Tivoli. Fonte de Diana de Éfeso. Século XVI.
Galeria de imagens 2: Fontes da Villa d’Este, em Tivoli.
08. Villa d’Este. Fonte do órgão 09. Fonte do órgão. Pormenor. Villa d’Este 10. Fonte do órgão. Pormenorl. Villa D’Este 11. Tivoli – Fontana della Rometta nei Giardini di Villa d’Este7 12. Tivoli, Villa d’Este, Fontana dell’Ovato 13. Tivoli, Villa d’Este, Fontana dell’Ovato 14. Escadario de acesso aos jardins. Villa d’Este. Tivoli 15. Fonte do dragão. Villa d’Este. Tivoli 16. As cem fontes. Villa d’Este. Tivoli 17. Fonte de Diana de Éfeso.Tivoli. Villa d’Este
Reincidência
As crianças são adoráveis! Às vezes correm riscos, às vezes, teimosos. Por imprevidência? Para chamar a atenção? Apesar do infortúnio, repetem a experiência. Os adultos não são diferentes. A atração pelo risco não tem idade. Nestes dois anúncios neozelandeses da Calci Yum, a criança atreve-se, sofre os danos e recomeça. Sem emenda. A reincidência da asneira é proverbial. Impera, por exemplo, na banda desenhada e no cinema mudo. Não resisto a desencovar uma anedota estúpida e inconveniente.
No chão da sala de aula da escola primária, um pequeno charco aparentemente de xixi. A professora pergunta, em vão, quem foi o autor. Decide recorrer à psicologia pedagógica: “Vou apagar a luz e, no escuro, o autor vai escrever o nome no quadro”. A luz apaga-se, ouvem-se passos, um líquido a cair, passos, riscos no quadro e regresso à carteira. A professora acende a luz. O pequeno charco transformou-se num charco maior. No quadro, lê-se: “mijão fantasma ataca de noite”. A tentação do desvio e da reincidência.
Nos anúncios Bars e Cats, a animação é da autoria de Daniel Greaves:
Daniel Greaves is a director and animator. His enthusiasm and curiosity has enabled him to explore and experiment in a variety of contrasting animation techniques.
With many years of experience including running his own production company, Tandem Films, from June 1986 – 2014 as Co-founder and Creative Director, he has won around 100 international awards for short films and commercials. These include an Oscar, 2 Bafta nominations and the European Cartoon D’Or.
Advertising key campaigns under Tandem includes Ribena, Marmite, British Airways, Expedia.co.uk, Tesco and Schweppes (https://www.daniel-greaves.com/bio).
Dividir o ecrã, aproximar os contrários

John Ferreira, amigo de juventude, envia-me o anúncio You can’t stop us, da Nike (vídeo 1). Um split screen impecável, com um enorme sucesso. A marca Nike e a agência Wieden + kennedy costumam rondar a perfeição. Têm um quase nada que produz um não sei quê ofuscante. Proclama-se, por exemplo, que “o anúncio da Nike une os contrários”. Nos outros anúncios congéneres são os contrários que se unem? Lembro um anúncio muito expressivo que culmina com a interposição de um braço para defesa de uma bola. Está algures no Tendências do Imaginário, mas não o encontro. Em 2007, já se faziam anúncios com split screen. É o caso do anúncio francês Double Energie, da Total (vídeo 2). Noutro domínio, o vídeo musical Go Up, de Cassius, com direcção de Alex Courtès, revela-se, porventura, mais ousado e mais criativo (vídeo 3). Nenhum destes vídeos atingirá os 58 milhões de visualizações entretanto ultrapassados pelo anúncio da Nike. Às vezes, parece que quando há fogo-de-artifício hegemónico, o resto do mundo pode apagar-se.
Alan Parker: O muro continua

Morreu o realizador de cinema Alan Parker. Associo-o ao Pink floyd – The Wall (1982). Mas realizou muito filmes tão ou mais marcantes: Bugsy Malone (1976); Midnight Express (1978); Fame (1980); Mississippi Burning (1988); The Commitments (1991); Evita (1996)… Várias canções que integraram os seus filmes foram grandes êxitos. Fame conquistou o óscar de melhor canção original. Acrescente-se Midnight Express, Unconfortably Numb ou Midnight Hour. Prefiro não me concentrar nas obras importantes de Alan Parker. Há muito quem discorra sobre assuntos importantes. Vou cingir-me a pormenores, como diria Hercule Poirot, à petites choses de rien du tout, aderindo a uma vocação da insignificância.
Alan Parker iniciou a sua carreira na publicidade. Da extensa lista de anúncios que realizou, retenho dois: o primeiro ao vinho do Porto Cockburns; o segundo aos charutos B&H Special Panatellas. Em ambos, um apurado humor britânico.
Regressando à insignificância. É mais fácil estudar um assunto importante do que um assunto insignificante. Uma autoestrada da informação contra um carreiro de cabras. A originalidade comporta riscos, por exemplo, uma maior probabilidade de errar. Mas é maior a motivação. Não se lambe tanta erva molhada. Custou mais colocar o anúncio Train do que uma série de algumas centenas de vídeos de The Wall.
O vício de viver e o canto do cisne

A distância mais curta entre a moto e o prazer não é a linha reta mas a curva! (Renard Argenté).
O direito e o retorcido, o sedentário e o nómada, o previsível e o errático, as formas que pesam e as formas que voam (Eugenio D’Ors), o conforme e o disforme, a norma e o desvio constituem oposições que alicerçam o nosso imaginário, contrapondo o clássico ao barroco. Inspiram, naturalmente, a publicidade.
Em 2007, fiz uma comunicação sobre o barroco na publicidade de automóveis (capítulo quarto do livro Vertigens. Para uma Sociologia da Perversidade, livro acessível em: https://core.ac.uk/download/pdf/229419944.pdf). Em 2009, complementei com uma comunicação sobre o barroco na publicidade em geral (pdf acessível em https://tendimag.files.wordpress.com/2020/03/albertino-gonc3a7alves.-como-nunca-ninguc3a9m-viu.-imagem-e-pensamento-2.pdf). Cada comunicação foi acompanhada por um vídeo, respetivamente, O meu carro é barroco (versão original no fim do artigo) e O origami mágico (https://tendimag.com/2020/03/13/licao-imaterial/). Gosto destes textos. São o meu canto do cisne.
O anúncio brasileiro Dia do Motociclista, da Honda Motos, tem um andar barroco:
“O que se passa na sua cabeça? Você já deve ter ouvido essa pergunta antes. Por quê escolher o vento e não o conforto do ar condicionado? Trocar uma música pelo ronco do motor. Como alguém pode ignorar o GPS e ir pela estrada mais longa? O que se passa na sua cabeça? Na verdade é que não tem como explicar o inexplicável. Faz parte da nossa natureza, de quem a gente é.”
Cavaleiro do asfalto, blouson noir, hell’s angel, a figura do motociclista, isolado ou em tribo, é um alfobre de símbolos. Correm no outro lado da rua. Abundam os anúncios com este discurso barroco. Recordo o anúncio New Road, da Citroen. Um condutor aborrece-se numa estrada plana e recta. Insatisfeito, amarrota um mapa sobre o capot. Por magia, irrompem montanhas e a estrada contorce-se. Adivinham-se quilómetros de curvas e contracurvas a subir e a descer montanhas. O condutor agradece: a emoção vence o tédio.