O Velho com um Coração de Ouro
Nas ciências sociais, quando se diz Erving Goffman diz-se Marshall McLuhan. Na música, quando se diz Leonard Cohen diz-se Neil Young. São todos canadianos. Leonard Cohen e Neil Young são dois resistentes, activos desde os anos 1950 e 1960, respectivamente. O último álbum de Leonard Cohen data de 2014 (Popular Problems); o último álbum a solo de Neil Young data de 2014 (Storystone). São músicos resistentes. Mas não são os únicos. Por exemplo, Iggy Pop acaba de lançar Post Pop Depression (2016) e David Bowie persistiu até ao fim (Black Star, 2015).
Escolher duas músicas de Neil Young é tarefa ingrata. Daí, a opção pelo óbvio: duas canções do álbum Harvest (1972), interpretadas ao vivo: uma, Old Man, em 1971, a outra, Heart of Gold, em 1985.
Neil Young. Old Man. BBC. 1971.
Neil Young. Heart of Gold. Live at Farm Aid 1985.
Malmequer
Desfolhar anúncios publicitários como quem desfolha um malmequer.
Gosto! Anúncio com humor fantástico centrado no tema da luz. A morte que precede a lâmpada Ocedel tem tanto de catastrófico como de risonho e promissor. O anúncio progride sob o signo do amor e da esperança. A figura do homem vaga-lume é luminosa.
Marca: Ocedel. Título: Firefly Man. Agência: Nitto Tokio. Japão, Dezembro 2015.
Não gosto! Anúncio bem concebido e bem realizado, centrado na interacção trágica entre o amor e a morte. Nem sequer falta o “beijo da morte”! A morte é medonha, fatal, e a vida pecadora e frágil. Após décadas de planalto, vislumbram-se montanhas de medo. O medo propaga-se nas nossas sociedades. Porventura, mais do que a liquidez, as condutas de risco e o tribalismo. Não aprecio a educação pelo medo. Já há medo quanto baste! Livrai-nos de sociedades assustadas!
Anunciante: Western Cape Government. Título: The First Kiss. Agência: Y&R Capetown. África do Sul, Março 2016.
Valsa
Sílvia Pérez Cruz actua no Theatro Circo, em Braga, esta quinta à noite. A lotação está quase esgotada. Sílvia Pérez Cruz é uma grande voz. Diria mais! É uma grande voz que sabe cantar. “Pequeño Vals Vienés” baseia-se na música que Leonard Cohen compôs (Take This Waltz, 1986) para o poema Pequeño Vals Vienés, de Federico García Lorca. Os gostos tendem a cruzar-se. São as tais afinidades electivas… Ontem. Leonard Cohen, hoje, Sílvia Pérez Cruz. Dancemos, não de lado, mas de frente.
Sílvia Pérez Cruz e Raúl Fernández Miró. Pequeño Vals Vienés. Granada. 2014.
Páscoa
Em dia tão santo, não vale pensar. O sentido brota por todo lado. Nas pedras do caminho e nos copos de vinho. Um pouco de Leonard Cohen? O meu cantor preferido para as noites de areia numa praia do Norte. Leonard Cohen marcou, ano após ano, toda uma geração. Desde 1967. A Páscoa é a festa mais social de todas as festas do ano. A consciência colectiva em estado hiperbólico. O indivíduo apaga-se. Uma folga na reflexividade.
Leonard Cohen. Famous Blue Raincoat. Songs of Love and Hate. 1971.
Leonard Cohen. If it be your will. Various Positions. 1985.
Falhas da memória

Grade de lavoura
No início dos anos setenta, havia, em Portugal, muitos adeptos do rock, mas poucos concertos de grandes bandas. Refira-se, não obstante, Manfred Mann, em 1971, em Vilar do Mouros; Procol Harum, em 1972, em Cascais; Black Sabbath, em 1973, também em Cascais; Nektar, em 1974, em Lisboa; e Genesis, em 1975, em Cascais.
Músicas como A Whiter Shade of Pale (1967), Conquistador (1967), Homburg (1968) Salty Dog (1969) e Grand Hotel (1973) justificaram a fama dos Procol Harum. A Souvenir of London, do álbum Grand Hotel (1973), acompanhou um anúncio da Torralta ou de um casino ou de uma empresa qualquer. Difícil de saber. Às vezes, em Portugal, a memória e os arquivos parecem uma grade de lavoura: uns tantos picos e muitos buracos. Alguém se lembra? De quem era o anúncio? Algum vídeo com boa qualidade? Pedir não ofende.Segue a música do anúncio que, na altura, empolgou o País.
Procol Harum. A Souvenir of London. Grand Hotel, 1973.
Ventos
A edição da Deutsche Grammophon de 1970 do Concerto de Aranjuez, de Joaquín Rodrigo, interpretado por Narciso Yepes, incluía no lado B a Fantasía para un Gentilhombre. Habituei-me a virar o disco. Neste vídeo, observa-se Narciso Yepes a tocar uma guitarra de dez cordas.

Paula Rego. Inês de Castro. 2014.
De Espanha, também vêm bons ventos. Tenho andado às voltas com a história de Inês de Castro. Não sei se é uma tragédia, mas pontificam os excessos da fraqueza do poder. De Espanha, veio Inês de Castro, na comitiva de Constança, que casou com D. Pedro. Foi a incerteza quanto às reacções de Espanha que levou D. Afonso IV a decidir a morte de Inês de Castro. A meteorologia é complicada. Nem sempre se sabe de onde sopram que ventos.
Joaquín Rodrigo. Fantasía para un Gentilhombre. Interpretação de Narciso Yepes.
Dilema castrejo
Esta escultura em baixo-relevo pertence ao Museu da Cultura Castreja, junto à Citânia de Briteiros. Encerra um dilema:
“A interpretação deste baixo-relevo não é consensual, divergindo entre um episódio de combate e uma cena sexual / Representa duas figuras humanas, parecendo a figura da direita em posição de fuga e a da esquerda em perseguição da primeira. A figura da esquerda parece atacar a figura da direita, agarrando-a pelo cabelo. Esta leva um objecto na mão (que pode ser uma arma)” (excerto da notícia do museu).
A cena retrata um assédio. Uma figura persegue a outra. Assédio bélico ou sexual? Aquela coisa entre as duas figuras é uma arma ou um falo? O sexo e a guerra, o amor e a violência, sempre se cotejaram. Afrodite, deusa do amor, foi amante de Ares, deus da guerra. Afrodite e Dionísio tiveram um filho, Priapo, deus da fertilidade, condenado por Hera a ter um órgão genital disforme. Estaremos perante um Priapo de Briteiros? Talvez não. O que parece nem sempre é.
Os ventos de baixo e as termas da frente
A nossa sociedade mantém, pesem os auto retratos sem preconceitos, alguns tabus ou, com eufemismo, algumas inconveniências. Incomodamo-nos pudica e naturalmente. Muitos tabus remetem para os órgãos, as funções e os usos do corpo. Mas os tabus, mesmo entranhados, também se abatem. Quando valores mais altos se levantam. A saúde, a qualidade de vida e o adiamento da morte constituem um ramalhete de valores supremos, quase incontestáveis, na nossa sociedade.
O desconforto gerado por estes anúncios justifica-se pelos objectivos visados. Keep Farts Funny elenca uma taxonomia ilustrada dos “ventos de baixo” (Erasmo, De civilitate morum puerilium, 1530), suscitando um riso ambivalente, misto de constrangimento, espanto e transgressão.
Semaine da l’Incontinence 2016 aborda, com humor, as termas da frente (expressão inspirada em François Rabelais). Compara, com recurso a estatísticas, a incontinência com anomalias de igual incidência, concluindo que a incontinência não é um caso à parte, é curável e não deve ser encarada como um estigma.
Para terminar, um excerto do comentário da Culturepub (França):
“A ceux qui s’étonneront du caractère très léger (ou lourd, c’est selon) de cette communication, sachez qu’en matière de maladies graves, miser sur l’humour permet souvent de dédramatiser pour mieux sensibiliser. En revanche, pour les appels aux dons, mieux vaut faire pleurer dans les chaumières” (http://www.culturepub.fr/un-guide-du-pet-pour-lutter-contre-le-cancer/).
Talvez não convença, mas dá que pensar: o mais avisado é sensibilizar com o riso e pedir com lágrimas.
Anunciante: Meredth’s Miracles Colon Cancer Foundation. Título: Keep Farts Funny. Agência: FCB Chicago. Direcção: Ben Flaherty. USA, Março 2016.
Anunciante: AFU – Association Française d’Urologie. Título: Semaine de la Continence 2016. França, Março 2016.
Sexo angelical
Mostra pouco e vê-se muito! Há tentações a que nem os anjos de pedra resistem. O anúncio Little Angel, da Cachemir, é subtil. Conta uma quase não história e incentiva o público a co-construí-la.
Marca: Cachemir. Título: Little Angel. Agência: Tapsa Y & R Madrid. Espanha, 1999.
A configuração do anúncio The Nuns, da Rubbert Cement, é semelhante, mas propõe uma história e apela menos à co-construção por parte do público. Ambos os anúncios, espanhóis, são atrevidos e ternurentos.
Marca: Rubber Cement. Título: The Nuns. Agência: Casadevall. Direcção: Eduardo MacLean. Espanha, 1992.
Sexualidades 3. O amor no além
Como são as relações sexuais após a morte? A Perrier convida-nos a espreitar o mundo das múmias. Pela mão do francês Jean-Jacques Annaud, realizador de A Guerra do Fogo (1981), O Nome da Rosa (1986), O Urso (1988) e o Amante (1991), com um Óscar (1977) e quatro Césares, incluindo o César de Melhor Filme Publicitário (1985). O anúncio As Múmias é estranho e assombroso, mas é um nada frustrante. Tanto sexo cópia do que se faz no mundo de aqui. Nenhuma originalidade. Apenas um detalhe: os protagonistas, em vez de se despir, desenrolam-se. Quanto à garrafa da Perrier, insiste em ser o termómetro do desejo. Mesmo servidos por Tutankamon,vale a pena morrer? Recorde-se, enfim, que os valores fundamentais da marca Perrier eram, na altura: “naturalité, pétillance et provocation”. Acrescente-se que o anúncio se destinava, principalmente, ao público mais jovem (entre os 25 e os 34 anos).
Carregar na imagem para aceder ao anúncio.
Marca: Perrier. Título: Les momies. Agência: Ogilvy & Mather. Direcção: Jean-Jacques Annaud. France, 2000.