Chaves da vida
“Durante o ano 2015 foram diagnosticados em Portugal 990 novos casos de infeção por VIH (…) Foram notificados ao Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge 192 óbitos ocorridos em 2015, em pessoas com infeção por VIH” (Infeção VIH/SIDA: a situação em Portugal a 31 de Dezembro de 2015, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP, Nov. 2016)
Há sinais de que, na Europa, a preocupação com a prevenção da sida está a recrudescer. Ressurge, por exemplo, a publicidade de sensibilização. O anúncio francês Donnez l’Amour, da AIDES, é um exemplo. Sóbrio e elegante.
Não me ocorre doença que tenha suscitado tantos anúncios publicitários como a sida. Alguns são excelentes. Por exemplo, o Tectonique Mortelle, da Sidaction, de 2002.
Klaus Nomi morreu em 1983 vítima da sida. Cantor de culto, continua a ser homenageado. Acrescento um vídeo com a canção Keys of Life, acompanhada por imagens da performance “Klaus Nomi – Angel of Suburbia”, por Sven Henriksen, em Oslo, Noruega, em 2011. O artigo Desrazão inclui duas canções de Klaus Nomi: Total Eclipse e The Cold Song.
Anunciante: AIDES. Título: Donnez l’Amour. Agência: TBWAParis. França, Novembro 2017.
Anunciante: Sidaction. Título: Tectonique Mortelle. Agência: Euro RSCG Corporate. França, 2002.
Klaus Nomi. Keys of Life. Klaus Nomi. 1981. Imagens da performance “Klaus Nomi – Angel of Suburbia”, por Sven Henriksen, em Oslo, Noruega, 2011.
Novo conto de Natal
Do Brasil, informaram-me que estavam a pensar candidatar o Tendências do Imaginário a um prémio, na categoria versatilidade. Não sei se o blogue é versátil, mas neste artigo dialogam vários géneros mais ou menos desconectados: a literatura, a publicidade e a música (AG).
A H&M oferece-nos um conto de Natal com coração secular e cara refrescada, o suficiente para aquecer o sono antes de dormir. Uma narrativa criativa e agradável.
Marca: H&M. A Magical Holiday. Agência: Forsam & Bodenfors. Direcção: Johan Renck. Suécia, Novembro 2017.
O conto Natal, de Miguel Torga, é de outra fibra. O mendigo Garrinchas atrasa-se e não vai a tempo de consoar ao calor do forno do povo, “o santuário colectivo da fome”. Acaba por ficar a meio caminho, numa capela, junto aos céus. Para aceder ao pdf com as três páginas do conto: Miguel Torga. Natal. Novos Contos da Montanha. 1944
Acrescento a canção Big Love, dos Fleetwood Mac, interpretada neste vídeo por um dos membros: Lindsey Buckingham. Nunca é cedo para desejar bom Natal!
Desejo-vos um bom Natal deste refúgio: uma secretária, um computador, livros, aparelhagem de música, fotografias e uma janela para ver o mundo quando ergo o pensamento. É esta a fábrica do Tendências do Imaginário.
Fleetwood Mac. Big love. Tango in the night. 1987.
Humor policial
No anúncio Freeze!, a polícia neerlandesa anuncia, com franco humor, o recrutamento de pessoal. Se fosse no meu país, conhecido pelo seu excelente humor atestado em todos os rankings internacionais do riso, já se tinham demitido dois ou três ministros; e nos jornais, actualizados ao segundo, não haveria espaço para mais notícias. Representaria um relaxamento inadmissível dos valores pátrios que remontam à fundação da nacionalidade. Uma nódoa do poder num manto de cidadania impoluta.
Não exageremos! Nós também sabemos rir. Rir até não poder mais. Mesmo quando é proibido! Lembram-se dos anúncios da água Frize com o Pedro Tochas? Aquela que deus quize. Alguns até foram proibidos.
Marca: New Zealand Police. Título: Freeze!. Agência: Ogilvy & Mather. Direcção: Damian Shatford. Nova Zelândia, Novembro 2017.
Frize. Slogan.
Frize. Tou que nem posso.
Anúncio proibido da Frize.
Fé, Esperança e Tecnologia
Fé, Esperança e Tecnologia são as nossas virtudes teologais. A Tecnologia move montanhas e abre os mares. Arrasta-nos de um lado para o outro. Quero, portanto, acreditar que a Saturn ajuda a combater a doença de Alzheimer. Num anúncio de 2002, ajudava a combater vampiros.
Marca: Saturn. Título: Anna. Agência: Jung von Matt. Direcção: Alex Feil. Alemanha, Novembro 2017.
Marca: Saturn. Título: Students vs vampires. Agência: Ratfilms. Direcção: Manes Dürr. Alemanha, 2012.
A variação do mesmo
Aos emigrantes de Antuérpia
As estrelas anunciam uma quadra em que contos, cânticos, figuras e anúncios tendem a ser uma variação do mesmo. Saturados, os marcadores simbólicos natalícios cobrem quase tudo que é sentido. Ressalve-se, porém, que repetir não é, necessariamente, anular ou reverberar. A própria repetição do mesmo gera uma mesmidade distinta. Dez pessoas que se alinham, uma atrás da outra, em frente a um caixa multibanco formam uma fila, com as possibilidades e os constrangimentos que isso implica. Acrescente-se que a variação não é irmã gémea da repetição. Nada impede a variação de ser genuinamente única. Escute-se, por exemplo, Bach.
J. S. Bach. Goldberg Variations, BWV 988: I. Aria.
O anúncio polaco Talizman, da Allegro, é uma variação do mesmo. Contracenam uma criança e um velho. A fé e a ternura, tanta fé e tanta ternura, são os sentimentos nucleares da época. No entanto, o disco não está riscado. Outras pautas e outras vozes cantam o espírito de Natal. E ouvimos, encantados, o milagre, um milagre que nos apressamos a esquecer.
Marca: Allegro. Título: Talizman. Agência: Bardzo. Direcção: Jesper Ericstam. Polónia, Novembro 2017.
O empoderamento do público
Se bem me lembro, houve telenovelas cujo final era escolhido pelos telespectadores. Agora, graças às novas tecnologias, pode-se acertar, quase em tempo real e sem sair do lugar, no assassino de um thriller.
O canal de televisão France 3 propõe um jogo sentado com assistência electrónica. Parafraseando uma campanha publicitária da Citroen, “nem imaginamos o que a France 3 pode fazer por nós”. Assistimos ao “empoderamento” do público com espinafres digitais. A televisão tem a arte de fazer do espectador um actor, com telecomando em riste. Detectives caseiros passam a rivalizar em inteligência com o Sherlock Holmes (Arthur Conan Doyle), o Hercule Poirot (Agatha Christie) e o Nero Wolfe (Rex Stout). Parafraseando René Descartes (Discurso sobre o Método, 1637), as “celulazinhas cinzentas” são a coisa mais bem distribuída do mundo.
Marca: France 3 + Winamax. Título: La Forêt. Agência: Publicis Conseil. França, Novembro 2017.
Espelho de água
Andei arredado por causa do III Congresso sobre Culturas – Interfaces da Lusofonia (Universidade do Minho, 23 a 25 de Novembro de 2017). Proferi duas comunicações, uma em plenário, apresentei a reedição do livro Vertigens e moderei uma sessão sobre indústrias culturais. Como convidado. Não me lembro de me auto propor a um congresso. Foi bom! Com o desuso, temia perder-me. Mas não, os congressos são para a gente se encontrar. Com o tempo, convenci-me que consubstanciam um caso de histerese do habitus científico, um fenómeno que perdura e, eventualmente, se exacerba para além das condições que o justificaram. Afinal, os congressos têm vida. Falta saber qual. Para a espera entre comunicações, recomendo Feist (Caught A Long Wind). Gostei do Congresso. Muitas sombras e muitos reflexos num enorme espelho de água (ver imagem).
Feist. Caught A Long Wind. Metals. 2011.
Óculos de sol
Quando te sentires luminoso, tapa-te com um abat-jour, não vão os outros colocar óculos de sol.
O blogue Tendências do Imaginário ultrapassou as 600 000 visualizações. Em seis anos. É pouco: há páginas que colhem mais visualizações num único minuto. Mas, para um blogue individual, sem suporte institucional e sem publicidade, podia ser pior.
A distribuição das visualizações por países não engana: trata-se de um blogue lusófono. Três quartos das visualizações provêm do Brasil (49%) e de Portugal (28%).
Um blogue requer a atenção de todos os dias. Por vocação, tudo o que se constrói acaba por se destruir. Como a criatura do vídeo musical dos Air.
Air. How does it make you feel. 10 000Hz Legend. 2001.
Disse pena? Que pena
Vale a pena ter pena? Às vezes, é uma pena. Valorizar ou lamentar, eis a questão.
Anunciante: Canadian Down Syndrome Society. Título: Anything but sorry. Agência: FCB Canada. Canadá, Novembro 2017
Papão
Quantas vezes não me cantaram, quantas vezes não cantei, esta canção de embalar:
“Dorme menino
Que aí vem o papão
Comer meninos
Que não dormem não.”
O meu menino chama-se
Fernando Meco João
É muito lindo e brincalhão.
“O meu menino está chorando
Com medo do papão,
Sossega, meu menino,
Que não te come, não.”
Segue o anúncio Moz the Monster, com a assinatura de Michel Gondry.
Marca: John Lewis. Título: Moz the Monster. Agência: Adam&eveDDB. Produção: Partizan. Direcção: Michel Gondry. Reino Unido, Novembro 2017.