O simbolismo da mala
A mala do emigrante: uma carga mínima a abarrotar de sonhos

Maria Beatriz Rocha-Trindade, Professora Catedrática na Universidade Aberta, acaba de publicar, pela Editora Alma Letra, de Viseu, um livro notável, ímpar e oportuno, com o título Em Torno da Mobilidade. Aborda os Provérbios, Expressões Idiomáticas e Frases Consagradas que proporcionam conforto e sentido aos percursos e às experiências de vida dos migrantes. Esta sabedoria popular é acompanhada e realçada por numerosas imagens criteriosamente escolhidas.
Esta recurso ao senso comum e à linguagem quotidiana como via para a apreensão e interpretação de realidades genéricas e estruturantes revela-se uma aposta original e conseguida. Resulta uma obra generosa, agradável e instrutiva, respaldada em mais de meio século de investigação.

Primeira mulher antropóloga portuguesa, Maria Beatriz desloca-se em 1965 para Paris para prosseguir um curso de doutoramento em Sociologia. Com orientação de Alain Girard, defende a tese, sobre aimigração portuguesa em França, em 1970 na Universidade Paris V – Sorbonne. Por coincidência, também fui aluno da mesma universidade e do Professor Alain Girard. Publicada em 1973 com o título Immigrés Portugais, destaca-se como o primeiro estudo de fôlego da emigração portuguesa alicerçado numa investigação empírica sistemática e aprofundada. Desde então, não se tem cansado de inovar, mas sem se desviar da problemática das migrações, culturas e identidades. Admiro a Maria Beatriz como cientista e, em particular, como pessoa. O seu exemplo de vitalidade oferece-se como um amparo nos meus momentos de descrença e esmorecimento. Conhecemo-nos em 1983 num encontro organizado na Universidade do Minho a pedido da Secretaria de Estado da Emigração: o Seminário Portugal e os Portugueses – Raízes e Horizontes.
Em pleno verão, dezenas de lusodescendentes provenientes de todo o mundo estagiaram em Braga durante várias semanas. Nasceu, nestas circunstâncias, uma amizade, daquelas que, mesmo com poucos convívios, nascem para crescer.

A mala, na mão, às costas ou pousada, representa um símbolo maior da figura do emigrante. Uma arca, “brasileira”, e uma mala de cartão, “francesa”, sobressaem no Espaço Memória e Fronteira, em Melgaço, como objetos que falam aos visitantes, frequentemente num registo que frisa a intimidade.
Imagem: Espaço Memória e Fronteira. Melgaço
Seguem o vídeo do lançamento do livro Em torno da Mobilidade, em Tavira, no dia 5 de novembro, bem como o pdf do capítulo Potencialidade Simbólica da Imagem no Quadro do Percurso Migratório (págs. 33-54), precedido pela folha de rosto, a ficha técnica e o índice do livro.
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Um AI chatbot mais especializado e mais leve: o ELM (Erasmus Language Model)
O meu rapaz mais velho, o João, não para (ver Português coordena projeto de investigação com financiamento de 10 milhões de euros). Estou em crer que por isso e para isso optou por emigrar. Professor e investigador na Universidade Erasmus de Roterdão, está na origem da criação, com Michele Murgia, de um novo “ChatGPT” mais especializado e mais leve: o ELM (Erasmus Language Model). Por cá, talvez o fado fosse diferente. Para aceder à notícia no Erasmus Magazine, carregar na seguinte imagem ou no neste link: https://www.erasmusmagazine.nl/en/2023/10/11/erasmus-has-its-own-chatgpt/.

Restaurado

Missão cumprida. À seguinte! A conversa “A Arte do Restauro: Alcance e Dilemas” (Conhecer o Mosteiro de Tibães. Curso: Restauro, Sala das Cavalariças do Mosteiro de Tibães, 14/10/2023) correu melhor do que temia atendendo à insuficiente preparação (ando a espremer os minutos). Senti-me em casa, na grata companhia da Margarida Coelho e da Aida Mata. O Mosteiro de Tibães tem sido um abrigo. A título individual ou com os cursos de sociologia da Universidade do Minho, designadamente o mestrado em Comunicação, Arte e Cultura, cujos alunos tiveram a gentileza de comparecer. Para além de várias comunicações, recordo o seminário O Trágico e o Grotesco no Mundo Contemporâneo (2005), a exposição Vertigens do Barroco: em Jerónimo Baía e na Atualidade (2007), os Encontros de Sociologia (2018 e 2019) e as aulas em contexto, anuais, sobre a Educação pelos Sentidos no Mosteiro. Regresso, portanto, como quem nunca se despediu, feliz pelo reencontro, à vontade e satisfação que são, à partida, meio caminho andado para cativar o público, que não deixou cadeiras vazias.

Cumpria-me abrir dispondo de uma hora. Sem cuidar, excedi-me. Quando perguntei pelo tempo de que dispunha, afinal, já o tinha ultrapassado. Soy muy raro, como dizem os espanhóis: palrador em público, calado em privado. Afortunadamente, a audiência não aparentou acusar o abuso. O estilo ajudou. Descontraído e despretensioso, a namorar por vezes a confidência. Com uma enxurrada de diapositivos à mistura (38 imagens de pinturas e esculturas), atraentes e surpreendentes. Conquistam cada vez maior protagonismo. Intervalam a soporífera monotonia da oralidade. Aprendi como docente com os alunos que a concentração e a atenção pedem momentos de distração e descompressão.
Acrescem como amortecedores da massagem a arte e o motivo da comunicação. Com a idade, fui degenerando. A aposentação e o afastamento da universidade agravaram a tendência. Dispenso cada vez mais o coro das generalidades e das grandes teorias. Prefiro o concreto e o particular: o caso. Conto historinhas, de preferência extraídas da minha própria experiência. Partilho assim testemunhos únicos. Promovo, efetivamente, partilha, originalidade e imprevisibilidade.

O teórico e o nomotético emergem do concreto e do particular, com uma espessura quase corporal. Nas antípodas do modelo da aula académica, salto, saboreando, de assunto em assunto. E divirto-me, sobrepondo o prazer ao saber. Inspiro-me mais no Perrault e no La Fontaine do que no Descartes ou no Kant. Encadeio episódios que sugerem, quando muito, uma ou outra elação proverbial.
Assumir que o discurso voa baixo, que não se pretende teórico, não implica que a teoria esteja ausente. Semelhante quimera não é possível! “Está no sangue”. Se existe algo que a universidade inculca são teorias. Exposto uma vida, quase meio século, não há modo de escapar ao veneno. Por outro lado, proporciona-me imenso gozo sentir os pequenos pormenores, palavras soltas, a beliscar ou a fazer cócegas às teorias.

Ainda de ressaca, este memorando de escrita automática, amaneirado quanto baste, já vai demasiado longo. Estou cansado. Proponho-me publicar uma ou outra historinha da conversa sobre o restauro. Por enquanto, não disponho de tempo. Sexta, volto a ter espetáculo. Em Melgaço, no Serão dos Medos, de que sou o animador. Aguardam-me duas conferências e uma conversa coletiva “socioterapêutica” em torno das premonições e dos prenúncios de morte. De motivo em motivo, sem repetir, vou(-me) entretendo.
Estou a ouvir a banda sonora do filme Into The Wild, de 2007. Mas, não obstante me embalar a voz escorreita do Eddie Vedder, opto pela irreverência do Klaus Nomi. Seguem três canções inéditas no Tendências do Imaginário que já contempla uma dezena deste contratenor excecional que, precocemente falecido em 1983, foi uma das primeiras vítimas conhecidas da SIDA: Lighting Strikes; Wasting My Time; e Simple Man.
Conhecer o Mosteiro de Tibães. Curso: A Recuperação
É já amanhã!

Vai uma aula? Versão alargada do vídeo Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo

À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
E valentes remadores! …
À barca, à barca segura,
Barca bem guarnecida,
À barca, à barca da vida!
(Gil Vicente)
Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo é o meu vídeo mais extenso e, porventura, predileto. Também é aquele a que mais me entreguei. Cristaliza anos de estudo e investigação. Não está perfeito, mas dou por encerrado o capítulo. Cada novo retoque implica horas de renderização. Esta versão aumentada inclui, no início, a curta-metragem Destino, idealizada por Salvador Dalí e Walt Disney, e, no fim, a apresentação Maniera: A Arte do Artista, entretanto produzida. Trata-se da minha rosa mais recente. Com pétalas, folhas e espinhos. Não é uma mercadoria mas possui o seu valor, e está ao alcance de todos e de ninguém em particular.
Incorporei este vídeo com a qualidade que o WordPress permitiu. Parece-me mais conseguida a visualização disponível no seguinte link da Clipchamp: https://clipchamp.com/watch/DmbfFtHuPz8. A versão reduzida, apenas com a conversa e respetivas apresentações, está acessível em HD no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=1LM9SLzHzIA&t=18s.
Antepassados do surrealismo: o maneirismo (vídeo da conversa)
Após quatro meses de esforços e contratempos, o vídeo com a conversa Os antepassados do surrealismo: os maneiristas está disponível na Internet. Exigiu tanta dedicação que se tornou numa das minhas rosas. Não ouso convidar a assistir às quase duas horas. Quando muito, um breve relance, de preferência a uma das seis apresentações incorporadas. Sei que todos andam ocupados a cuidar de outros jardins.
O vídeo ganha em ser visualizado em alta resolução (1980p).
A universidade sofreu uma viragem no crepúsculo do segundo milénio. Os novos modos e as novas metas dos circuitos académicos não condizem nem com a minha formação nem com a minha vocação. Entre outros aspetos, incomoda-me ter que pedir, senão pagar, a estranhos para publicar. Nesses termos, perdi o interesse em publicar. Continuei a escrever mas relatórios de investigação/ação ou por convite, sem esquecer os apontamentos no blogue Tendências do Imaginário, um monstro híbrido de cultura e lazer, criado em 2011.
Não deixei, contudo, de investigar. Pelo contrário. Gosto de comunicar e ensinar, mas prefiro descobrir e aprender. A vida é um bom mestre. Ensinou-me, entretanto, que sou mortal. Tomei consciência de que boa parte dos conhecimentos que fui amealhando, dispersos em discos digitais, arriscam desparecer comigo. Pequeno ou grande, trata-se de um desperdício.
Capacitei-me da responsabilidade de cuidar da partilha. Optei, quase exclusivamente, por duas vias (alternativas aos blogues Tendências do Imaginário e Margens): a publicação de livros e a comunicação oral. Os livros são obras de Santa Engrácia. As comunicações costumo não as repetir, nem sequer as apresentações de livros. Em suma, grande vontade mas parcos os meios: para cada assunto, uma única comunicação, num dado local e data, perante um público reduzido. A passagem de testemunho reduz-se, portanto, a um momento pouco participado.
Posso não aderir a todas as mudanças, mas não me estimo retrógrado. Procuro aproveitar as novas tecnologias, designadamente, de informação e comunicação, que proporcionam um arremedo de solução para o afunilamento da partilha: filmar as conversas e disponibilizá-las na Internet. Assim sucedeu com as conversas O Olhar de Deus na Cruz: o Cristo Estrábico (29-11-2022) e Vestir os Nus: Censura e Destruição da Arte (18-02-2023), embora com insuficiente qualidade. Com um pouco mais de profissionalismo, resultou mais cuidado o registo desta última conversa.
Crime e Arte

A religião do crime envenena tanto quanto a da virtude
Laure Conan (1845 – 1924)
Nos últimos dias, desapareci praticamente das redes sociais. Estou a preparar duas comunicações: uma para o Seminário Crime e Arte, no dia 15 e 16 de maio, terça, no Auditório Nobre da Escola de Direito da Universidade do Minho, intitulada “A ambivalência do crime na arte”, com duração prevista de 20 minutos, a outra, que mais me (pre)ocupa, no dia 27 de maio, sábado, no Auditório do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, intitulada “Os antepassados do surrealismo: o maneirismo”, que ultrapassará os 60 minutos. Absorve-me a construção dos elementos audiovisuais: em consonância com o tema, vai relevar mais de um espetáculo do que de uma conversa, mais parente da arte do que da ciência. Prevê o visionamento de seis apresentações com fundo musical, bem como de videoclips, anúncios e publicações originais dos séculos XVI e XVII.
Anexo o cartaz do III Seminário Crime e Arte, Aproveito o ensejo e o intervalo para acrescentar o vídeo musical da canção “Bonnie and Clyde”, de Serge Gainsbourg e Brigitte Bardot (1968).

Calhaus Rolados

Nem sempre podes ter o que queres (The Rolling Stones)
Na semana passada, subi a Castro Laboreiro para participar num seminário do curso de doutoramento em Ciências da Educação da Universidade de Vigo, por ocasião do XXXIV Encontro Galego-Português de Educadores/as pela Paz. À medida que me aproximo daquelas sentinelas graníticas, montes enigmáticos revestidos por enormes “calhaus rolados”, vou-me encolhendo, entre o petrificado e o deslumbrado, até me fazer minúsculo, me tornar miúdo. Não me revejo como uma criatura das alturas, de fragas, cascatas, urzes e garranos, mas das terras baixas, de prados, remansos, vinhas e bovinos. E os “calhaus rolados” lembram-me, literalmente, os Rolling Stones. Seguem quatro oldies: Paint it, Black ( 1966); She’s a Rainbow (1967); You Can’t Always Get What You Want (1969); e Wild Horses (1971).
Ésquilo, o abutre e a tartaruga


Ando absorvido, acelerado e fragmentado. Excessivo na recuperação do tempo perdido, sinto-me a ultrapassar o ponto previsto pelo princípio de Peter. Quinta, 15, entrevista aos Porto Canal sobre os Farrangalheiros de Castro Laboreiro; sábado, 18, a conferência “Vestir os Nus”, no Museu D. Diogo de Sousa; ontem, 24, arguição da dissertação, excelente, de Sílvio Messias dedicada à figura do palhaço; hoje e amanhã, últimos retoques no capítulo “Castro Laboreiro: Acessibilidade e migrações até aos anos 1930”; na próxima semana, duas atividades previstas no âmbito do Fórum Cidadania: Pela Erradicação da Pobreza (BRAGA) de que sou membro; na quinta, 2 de março, gravação de entrevista sobre o nu na sociedade atual para o programa da A Voz do Cidadão, da RTP, a emitir sábado, 4 de março, às 14 horas; no sábado, de manhã, às 10 horas, aula “A arte do restauro: Alcance e dilemas”, no mosteiro de Tibães (ver programa anexo).

Mais tartarugas me vão cair, certamente, na cabeça. Poucas folgas para o Tendências do Imaginário e o Margens. A agenda lembra demasiado o ritmo e as variações de algumas composições espanholas. Sem a formosura das intérpretes Ana Vidovic e Alexandra Whittingham. Não me resta outra solução senão abrandar e fazer escolhas. Como se costuma dizer, já não tenho estofo nem pedalada para tanto.
A propósito da “queda de tartarugas na careca”, Jean-Martin Rabot, uma autêntica enciclopédia dos óbitos de celebridades, relata este derradeiro episódio de Ésquilo, completamente calvo, na ilha da Sicília.
Algumas aves quando pretendem quebrar um objeto duro, agarram-no, sobem alto e deixam-no cair. Um abutre pegou uma tartaruga e lançou-a contra o que lhe pareceu uma pedra a brilhar no solo. Era a cabeça de Ésquilo que caiu fulminado.
