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Celtitude

Vaso decorativo celta. Bronze. Séc. III AC. Brno, Museu Moraviano

Trata-se de uma mensagem nascida na Bretanha que se tornou universal. Criou um imaginário celta. Fala-se desta música há séculos mas a Bretanha inventou o conceito do género, de cujo imaginário vários países se alimentam. O interceltismo é um sentimento. Os instrumentos da família da cornamusa proporcionam um laço, e a celtitude seria como que um esperanto do Atlântico. Tudo viria da península ibérica (Carlos Nuñez, “La celtitude est une sorte d’espéranto de l’Atlantique”, jornal Le Monde, 02.08.2015)

Ao norte! Ao norte! Ainda mais ao norte, que não há jeito de escapar aos roedores redentores da humanidade, preocupante ameaça de peste moral.

Junto à foz do rio Minho, “de mãos dadas com a Galiza”, ressoam resquícios reconfortantes de celtitude, uma espécie de âncora alada. Ressoam, ao longe, algumas melodias provenientes da Bretanha. Nesta amostra de canções tradicionais, interpretadas pelo “venerável” Alan Stivell, que as resgatou, e pela “jovem” Nolwenn Leroy, que as revitaliza. A velha e a nova guarda, lado a lado.

Aos remos! Aos remos, marinheiros, que o mar está crispado e os faróis ofuscados.

Alan Stivell. Son Ar Chistr. Reflets. 1970.
Nolwenn Leroy. Tri Martelod. Bretonne. 2010. Ao vivo
Alan Stivell & Nolwenn Leroy. Bro Gozh. Ao vivo no Olympia, em 2012
Alan Stivell. Brian Boru. Brian Boru. 1995. Ao vivo no “Bretagnes à Bercy”, em 1999

Ninfas

“A zona mais erótica é a imaginação” (Vivienne Westwood)

Acabei de ser entrevistado sobre “o nu na sociedade contemporânea”. A ver o que dá! Para quem tiver curiosidade, a transmissão ocorrerá no programa A Voz do Cidadão, da RTP1, sábado às 14 horas. Proporcionou-se uma breve alusão, como exemplo do erotismo pretensamente artístico no cinema dos anos setenta, ao realizador, fotógrafo e escritor David Hamilton. Filmes, tais como Laura, les ombres de l’été (1979) e Bilitis (1977), obtiveram, a seu tempo, um sucesso apreciável, sendo, inclusivamente, estimados obras de culto. A sua lente, “esfumada”, convoca, a raiar a obsessão, mulheres adolescentes, “ninfas”.

Nascido em Londres em 1933, suicidou-se, supostamente, em 2016 em Paris. Até aos últimos anos de vida, foi alvo de várias acusações de abusos sexuais. Filmes, livros e fotografias foram, aliás, proibidos em alguns países.

Autodidacta, iniciou a sua carreira de fotógrafo já depois dos 30 anos, trabalhando para revistas de moda – e vendo o seu trabalho chegar a publicações como a Vogue ou a Photo.

O facto de eleger como “objecto” da sua câmara jovens adolescentes, ninfas virginais que fotografava em poses sensuais e eróticas, sempre com um filtro brumoso e em décors que deviam algo ao imaginário hippie, entre camas e prados floridos, elevaram-no a ícone da fotografia mundial. Passou inclusivamente a falar-se de um “estilo hamiltoniano” para classificar esta estética fotográfica – que Hamilton viria também a explorar no cinema, realizando meia dúzia de filmes entre 1975 e 1983, o mais citado dos quais é Bilitis (1977).

Simultaneamente, houve quem se indignasse e o acusasse de pornografia – e países como a África do Sul, por exemplo, censuraram os seus álbuns. As suas fotografias foram muitas vezes colocadas no centro do debate sobre as fronteiras entre a arte e a pornografia. (Público. Ípsilon. “Morreu David Hamilton, o polémico fotógrafo das “ninfas””,  26 de Novembro de 2016: https://www.publico.pt/2016/11/26/culturaipsilon/noticia/morreu-david-hamilton-o-polemico-fotografo-das-ninfas-1752784)

Recordo ter assistido ao filme Bilitis, em Montparnasse, na companhia de um amigo, por sinal, jesuíta! Provavelmente, poucos terão ouvido falar de David Hamilton e ainda menos visto os seus filmes. Em contrapartida, a música do filme, composta por Francis Lai, creio ser bastante conhecida. Seguem um trailer e a banda sonora do filme Bilitis.

Bilitis (trailer). Realizador: David Hamilton. 1977
Bilitis. Música do filme, de David Hamilton, composta por Francis Lai. 1977

Inflação, poder de compra e desigualdades sociais

Evolução do poder de Compra. França, 2015 a 2022. Fonte: Xerfi Canal, 19.01.2023

O Xerfi Canal (https://www.xerficanal.com/) é uma “revista online sobre o mundo da economia, a estratégia e a gestão das empresas”. Publica diariamente um comentário temático conciso e claro, hoje, 19.01.2023, dedicado à evolução recente da relação entre a inflação, o poder de compra e os rendimentos. O foco é a França, mas estou em crer que a análise é extensível aos demais países da União Europeia, incluindo Portugal. Partilho o vídeo, em francês, seguido por uma tradução livre e algo apressada.

Alexandre Mirlicourtois. Un pouvoir d’achat en chute libre? La réalité des chiffres. Xerfi Canal. 19.01.2023

“Sondagem após sondagem, o poder de compra ocupa o primeiro lugar nas preocupações dos franceses. Isso não tem nada de surpreendente uma vez que há meses que os agregados domésticos evidenciam uma degradação clara da sua situação financeira e não aguardam nenhuma melhoria a curto prazo. Os dados do INSEE [equivalente francês do INE] comprovam-no. É verdade que o rendimento real dos franceses embora ameaçado não sofre uma quebra expressiva. Convém equacioná-lo por unidade de consumo de modo a contemplar o fato de, por um lado, se repartir por um número crescente de habitantes e, por outro, de a vida em comum permitir, graças a economias de escala, reduzir determinadas despesas tais como as do alojamento. A evolução da dimensão dos agregados domésticos possui também alguma importância.

Sob esta luz, a tendência resulta menos favorável: o poder de compra baixou 0,6% no ano passado, o que não é muito. Recuando um pouco no tempo, o poder de compra por unidade de consumo mantém-se acima do nível anterior à crise e, recuando ainda mais, o refluxo de 2022 não tem comparação com o registado entre 2011 e 2013. A estatística é, mais uma vez, posta à prova pela experiência da vida quotidiana e surge desfasada da realidade vivida por muitos cidadãos.

Para explicar este hiato, importa reconsiderar o fator atual que mais pesa sobre o rendimento: a descolagem dos preços no consumo. Trata-se de uma inflação geradora de desigualdades profundas. A progressão dos preços não é homogénea e incide, nos dois últimos anos, num núcleo principal, a energia, e num núcleo secundário, a alimentação. Por seu turno, os aumentos dos preços dos produtos manufaturados e dos serviços têm revelado maior contenção. Acontece que a exposição dos agregados domésticos, bastante elevada e muito concentrada, varia significativamente consoante o respetivo nível de vida, devido à estrutura do consumo acentuadamente diferenciada.

A fatura energética é um dos elementos inerentes ao alojamento. Para os mais desfavorecidos representa acima de 6% das suas despesas totais contra menos de 4% no topo da escala. O mesmo sucede no que respeita à despesa alimentar cujo peso diminui à medida que o nível de vida aumenta. A situação pode resumir-se da seguinte forma: a baixo nível de vida, preços altos; a nível de vida alto, preços baixos. Acresce uma amplificação conforme se seja rural ou urbano, por causa da progressão dos preços dos carburantes. Não existe, portanto, apenas um mas vários poderes de compra consoante o grau de exposição ao lote dos consumos mais inflacionistas.

Mas este não é o único fator de desigualdade. Subsiste outro mais importante associado à parte do rendimento consagrada ao consumo, logo diretamente impactada pela subida dos preços: 20% dos agregados domésticos mais modestos gastam mais de 97% dos seus rendimentos contra menos de 72% dos mais favorecidos, uma diferença de 26 pontos. Dito de outro modo, a quase integralidade do rendimento dos mais pobres é alocada às despesas quotidianas; em contrapartida, os mais favorecidos conseguem poupar cerca de 30%. O impacto é duplo. Primeiro, os franceses do topo conseguem manter o seu nível de despesas modificando a sua dosagem entre consumo e poupança; segundo, uma proporção dos seus rendimentos é parcialmente preservada pela evolução da remuneração das suas poupanças. Ocorre o contrário quando nos posicionamos no baixo da escala: quando os rendimentos não acompanham até à vírgula, ou quase, a evolução dos preços do respetivo cabaz, torna-se então necessário efetuar cortes claros nas despesas quotidianas porque não existe, ou existe muito pouca, gordura para ajustamento. Apenas um euro em cada três de despesas comprimíveis para estes; um euro em dois para os outros.

Em suma, para uma parte crescente da população rematar o fim do mês acaba por ser impossível sem recurso ao crédito renovável, também chamado crédito permanente ou revolving, modalidade de pagamento, uma espécie de reserva, geralmente associada a um cartão de crédito, cada vez mais mobilizada pelos agrupamentos domésticos para as suas compras correntes, cujas pendências estão em forte crescimento, embora partam de uma base baixa. A outra solução consiste no recurso às contas a descoberto, tendência manifesta no aumento explosivo da curva das contas correntes de débitos que já ultrapassam os 10 bilhões de euros e representam mais de 5% do conjunto dos créditos ao consumo, alcançando o nível mais alto dos últimos 20 anos. Constituem, porém, práticas onerosas que comportam um peso acrescido no orçamento dos agregados domésticos mais modestos. O sobre endividamento, que não parou de recuar desde meados dos anos 2010, corre seriamente o risco, neste contexto, de regressar em força nos próximos meses, apesar de um poder de compra, em aparência, em estado de Resistência.” (Alexandre Mirlicourtois. Un pouvoir d’achat en chute libre? La réalité des chiffres. Xerfi Canal. 19.01.2023: https://wordpress.com/post/tendimag.com/55467. Consultado em 19.01.2023.

A Ponte dos Suspiros

Ponte dos Suspiros. Veneza

Impressiona a quantidade e a diversidade de discos que adquiri em Paris. Em livros, discos e viagens gastava quase todo o meu salário do Banco Pinto & Sotto Mayor. Somando o convívio emigrante, a universidade e os amores, a pouco mais se resume o currículo entre os 16 e os 23 anos, 1976 e 1982. Resistente à plena integração, nunca resolvi plenamente o regresso a Portugal. Oscilo como o asno de Buridan, atravessado numa “ponte de suspiros”.

Em Veneza. 1978

Jovem, viajava quase sempre só, pouca bagagem, travelers cheques da American Express na carteira e destino mal definido. A ausência de companhia tem uma vantagem: abrimo-nos mais aos outros e os outros abrem-se mais a nós. Em finais de agosto de 1978, terminado o trabalho no banco, parti rumo à Jugoslávia. Veneza era ponto de paragem. Chegado, não consegui hotel. Tudo lotado. Não costumava reservar hotéis. Não sabia os dias de chegada nem de partida. Consoante se proporcionava. Por exemplo, demorara mais tempo do que previsto na Suíça. Retomo caminho rumo a Trieste. Veneza ficaria para o regresso. No comboio, conheci duas jovens. Convidaram-me a pernoitar em Portogruaro, a umas dezenas de km de Veneza. Decorria um festival jazz. Deixei-me hospedar durante quase duas semanas. Conheci Veneza como poucos. Uma das jovens, professora de biologia, foi uma excelente guia. Prossegui para a Jugoslávia, com duas semanas de atraso. Regressei a Paris no fim de outubro, tinham começado as aulas há quase um mês. Assim era naquele tempo.

Hoje, deparei com o LP Bridge of Sighs, estreado em 1974. Guitarra potente, desenvolta e expressiva, com remanescências de Jimi Hendrix, interpretada por um antigo membro dos Procol Harum: Robin Trower. Viro o disco e toca outra música, talvez apenas apreciada por alguns amigos, os nostálgicos dos anos setenta.

Ao ver o Robin Trower, com 76 anos, a tocar com tanta agilidade, apetece retomar a aprendizagem adolescente da guitarra. Tenho a Fender Stratocaster do meu filho, basta comprar uma acústica. Só preciso de um mestre. Infelizmente, o primeiro, o John, está demasiado longe, no Canadá (ver https://www.youtube.com/watch?v=xH6EaTuavJk e https://www.youtube.com/watch?v=W0qsuGpJHqI).

Robin Trower. Bridge of Sighs. Bridge of Sighs. 1974. Ao vivo: Tops of the Pops BBC, 1974.
Robin Trower. Daydream. Twice Removed from Yesterday. 1973. Ao vivo, 2013.
Robin Trower. Birdsong (Official Video). No More Worlds to Conquer. 2022

O estádio do respiro

Estou a passar uma fase em que a oralidade e a interação presencial se sobrepõem à escrita. Muitas comunicações, algumas a pedir preparação. Por exemplo, sexta, dia 18, cumpre-me a abertura da Conferência Internacional “We Must Take Action #3 O Ensino Artístico no Desenho do Futuro da Arte, na XXII Bienal Internacional de Arte de Cerveira. Não é óbvio nem dá para improvisar. Para inspiração recorro à música, também pouco óbvia. Por exemplo, da cantora e compositora francesa Camille (Dalmais).

Tive um professor, Jean-Louis Tristani, sociólogo e psicanalista, que, para além dos estádios oral e anal descobertos por Freud, inventou o estádio do respiro em que o desejo e o prazer se centram no aparelho respiratório (Le stade du respir, Paris, Éd. de Minuit, 1978). Pois a música de Camille lembra-me o estádio de respiro de Jean-Louis Tristani.

Seguem quatro canções de Camille: Home is where it hurts; Gospel with no Lord; Waves; e Ta Douleur.

Camille. Home is where it hurts. Music Hole. 2008. Ao vivo. Antenne 2.
Camille. Gospel with no Lord. Music Hole. 2008
https://www.youtube.com/watch?v=JcBDp65uNzQ
Camille. Ta Douleur. Le Fil. 2005

A Rebelião dos Gatos e a Reincarnação dos Pássaros

Back Market. Sorry Cats. 2022.

Os gatos declaram guerra às novas tecnologias de comunicação. Mas estão condenados ao insucesso. As novas tecnologias de comunicação são imortais, recicláveis. As ideias, também! Tenho uma leve suspeita de que o anúncio Sorry Cats, da Back Market, se inspira no filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock. Junto o anúncio Sorry Cats, assim como o trailer de Os Pássaros e a sequência da cabine telefónica.

Marca: Back Market. Título: Sorry Cats. Agência: Buzzman, Paris. Direção: Tom Kuntz. França, outubro 2022.
Alfred Hitchcock. Os Pássaros. 1963. Trailer.
Alfred Hitchcock. Os Pássaros. 1963. Sequência da cabine telefónica.

Albert Bartholomé, o escultor da dor sensual

01. Albert Bartholomé. Baigneuse recroquevillée. Bronze dourado.

Somos pequeninos. E tanto amamos e sofremos.

Estou a reescrever o capítulo “Mortos Interativos, para o livro A Morte na Arte, e a preparar uma conversa (“Coisas do outro mundo: esculturas tumulares e visões noturnas”) para o dia 21 de outubro, na Casa da Cultura, em Melgaço, no âmbito do programa da Noite dos Medos que culmina no sábado, 29 de outubro. Nas minhas viagens internáuticas deparei-me em vários cemitérios com obras de um mesmo escultor: Albert Bartholomé. O que me permite retomar uma prática que tenho descuidado nos últimos tempos: a apresentação de obras e autores menos conhecidos que estimo dignos de apreço e reconhecimento por parte dos amigos do Tendências do Imaginário. Assim sucedeu com artistas mais antigos, tais como Jamnitzer, Stoer, Braccelli, Bronzino, Desprez, Callot ou Corradini, e mais recentes, tais como Nussbaum, Portinari, Vigeland, Folon ou António Pedro.

Albert Bartholomé (1848-1928), francês, foi pintor até aos 39 anos (figuras 3 a 8). A morte prematura da esposa, a aristocrata Prospérie de Fleury, grávida, em 1877, altera a sua vida. Abandona a pintura, mas, a conselho de Edgar Degas, converte-se à escultura, sobretudo funerária. Numa das primeiras obras, o túmulo da esposa (figuras 9 e 10), debruça-se sobre o corpo feminino num último adeus, um instante eterno que firma uma ligação e um compromisso sofridos [contraiu um segundo matrimónio em 1901 (figura 40)].

09. Albert Bartholomé. Por Charles Giron. 1901.

Escultor conceituado, Albert Bartholomé obteve o grande prémio de escultura da Exposição Universal de 1900. Boa parte das suas esculturas são imagens de dor, nuas, de uma nudez pura e sensível, senão sensual. De certa forma, um Degas da escultura, mas com as pregas vaporosas do bailado da vida a serem substituídas pelas curvas lisas do recolhimento e do silêncio da morte.

Figuras 9 e 10. Escultura do túmulo da esposa, frente à igreja de Bouillant, perto de Crépy-en-Vallois. França.

O Monumento aos Mortos no Cemitério do Père Lachaise, inaugurado em 1899, é a sua obra mais monumental. Apelidava-a de Porta do Além. Curvados mas inconformados em vida, os seres humanos acabam por se erguer à entrada da “porta da noite eterna”. Na parte inferior, um casal jaz, inseparável, sob o olhar do “espírito da vida e da luz” (figuras 11 a 16).

Figuras 11 a 16: Albert Bartholomé. Momumento aos Mortos. Cemitério do Père Lachaise.

Notáveis são também as carpideiras (pleureuses, mournings), designadamente a Douleur do cemitério de Montmartre. Inconsoláveis e reservadas, com o corpo parcialmente coberto por um manto e a cara tapada pelas mãos, resultam alheadas e mergulhadas numa espécie de limbo. Distinguem-se, não obstante, das carpideiras habituais, vultos fechados, focados no luto e na lamentação, quase incorpóreos, que lembram “fantasmas de vivos” (figuras 17 a 21).

Figuras 17 a 21. Exemplos de carpideiras.

Todas estas esculturas parecem inscrever-se num limiar, mas as de Bertholomé situam-se menos entre dois mundos, dos vivos e dos mortos, e mais num e noutro mundos, associadas e expostas a ambos (figuras 22 a 25).

Figuras 22 a 25. Albert Bartholomé. Esculturas seminuas de lamento e dor.

Particularmente impressionantes e inspiradoras manifestam-se as esculturas com nus integrais. Mulheres com rosto oculto por véus, pelas mãos ou pela posição, maioritariamente dobradas e encolhidas, em posição de autoproteção mas vulneráveis, aproximam-se de uma posição fetal. Convocam Eros e Thanatos, numa implosão de dor (figuras 26 a 35).

Figuras 26 a 36. Albert Bartholomé. Esculturas de nus femininos.

Despojadas e expostas, contrastam com as carpideiras ocultas por mantos e véus. A escultura O Sonho (figuras 35 e 36) deita-se como um caso à parte: nua, estendida, a mulher jaz sobre uma lápide, serena, como que entregue ao destino, num despojamento e abandono absolutos e sublimes (o pormenor do colar de pérolas concorre para acentuar a nudez).

Figuras 37 a 40. Outras esculturas de Albert Bartholomé.

As esculturas de Albert Bartholomé insinuam-se como fonte de inspiração para artistas e obras posteriores. Oferecem-se como sementes que germinam em cemitérios dispersos por todo o mundo (e.g. figuras 41 a 45).

Figuras 41 a 45. Esculturas tumulares semelhantes às de Albert Bortholomé.

Este artigo proporcionou-se demasiado extenso. Menos pelo texto e mais pelas imagens. Mesmo assim, não queria terminar sem acrescentar uma música a condizer. Claude Debussy e Maurice Ravel prestam-se. Por exemplo, Clair de Lune, de Debussy. Mas para atenuar a melancolia, em vez do original, opto pela versão jazz de Kamasi Washington.

Kamasi Washington. Clair de Lune. Compositor: Claude Debussy. The Epic. 2015.

Primeiro os amigos

Jacques Brel, Léo Ferré e Georges Brassens

Existem mundos onde predominam as encostas. Os seus membros encostam-se uns aos outros formando montículos dispostos em redes de dependência pessoal. Quem não se encosta nem é encosto candidata-se ao papel de mosquito numa teia de aranha. A autonomia definha como uma quimera, um gesto raro e caro. Seguem quatro canções francesas sobre a parceria (os comparsas) e a diferença (os marginais).

George Brassens. Les copains d’abord. Les copains d’abord. 1964.
Georges Brassens. La mauvaise réputation. La mauvaise réputation. 1954.
Georges Moustaki. Le métèque. Le métèque. 1969.
Isabelle Mayereau. Difference. Isabelle Mayereau. 1978.

Anúncios de bolso

Com poucas imagens se ilustra muito. Publicidade vintage.

Anunciante: Bancos de alimento. Título: Palomas. Agência: McCann Erickson. Direção: Mario Garcia. Espanha 1999.

Para aceder ao segundo anúncio, carregar na imagem seguinte.

Anunciante: Journée Mondiale du Refus de la Misère. Título: Donnons la parlole aus pauvres. Agência: TBWA. França, 1998.

Estigma capilar

Fotografia de Robert Capa. Chartres, 18 de agosto de 1944. Logo após a libertação da cidade, raparam o cabelo a uma mulher francesa que teve um filho com um soldado alemão como sinal de humilhação

Proveniente da Alemanha, país que tendemos a associar alguma contenção e ponderação, o anúncio “Hans”, da empresa de cabeleireiros Headhunter, excede-se. Propõe uma paródia ousada, senão atrevida, de uma realidade sensível: as campanhas de consciencialização para a inclusão de crianças com deficiência. Num aspeto o anúncio não deixa de estar certo: os cabelos podem funcionar como estigma, contagiando e desvalorizando a pessoa no seu todo. Recorde-se que, no final da Segunda Grande Guerra, nos dias imediatos à libertação da França, a população rapou o cabelo aos “colaboracionistas” com o regime nazi, expondo-os em cortejos degradantes (ver Violência e Humilhação: https://tendimag.com/2016/01/14/violencia-e-humilhacao/).

Marca: Headhunter. Título: Hans. Agência: Philipp & keuntje. Direção: Laszlo Kadar. Alemanha, 2000.