Inteligência Artificial, Machine Learning e composição musical

Pedro Costa, doutorado em Sociologia, investigador do CECS – Centro de Estudos Comunicação e Sociedade, acaba de publicar o artigo A Inteligência Artificial e Seus Herdeiros no blogue Margens (https://tendimag.com/?p=55533). Um ensaio sobre a Inteligência Artificial, o Machine Learning e o futuro da criatividade, designadamente no que respeita à música. Pertinente, oportuno, bem escrito, fundamentado e criteriosamente ilustrado, trata-se de um texto raro, subtil e ousado. Aproveito para acrescentar quatro vídeos excelentes relativos a outras tantas músicas emblemáticas da relação entre o homem, a máquina e as emoções: The Robots (1978), dos Kraftwerk; Wellcome To The Machine (1975), dos Pink Floyd; All Is Full Of Love (1997), da Bjork; e How Does It Make You Feel (2001), dos Air.
Estou a chamar as minhas cabras

Volvidos quarenta anos, reencontrei uma amiga graças ao Tendências do Imaginário e ao Facebook. Publicou livros de poesia. Retenho o poema “Estou a chamar as minhas cabras”, humano e cósmico, um apelo e uma voz das raízes num imaginário que lembra Castro Laboreiro.
estou a chamar as minhas cabras
o dia fecha-se
um canto de pássaro já levanta as sombras
a cancela rangepesa-me o silêncio
por isso chamo as minhas cabrasos aloendros trazem -me aquele aroma
veio a coruja
e os lamentos a açoitar o ventovou chamar as minhas cabras
conto os grãos aligeiro os medos
levo-te na minha cesta
envolto no pão com passas
para oferecer àquele penedosão as águias que já lá vêm
e as colinas tombam
é tudo um segredochamarei as minhas cabras
quando a noite cantar
e trouxer consigo a lenda
dos lobos brandos e montanheirosfoge-me a voz
alongo o ouvido em quebrantoiria chamar as minhas cabras
na ventania errantee a música alisando as fragas
as luas rodopiando
os silvos cortam o ar
chamandosão as minhas cabras
dançando
os montes sulcando à procura de mimfui chamada pelas minhas cabras
a noite abre-se
a memória do mundo ecoou no tempo
e o silêncio viveé uma flor
que chama pelas minhas cabras
elas me levaramno monte me deitarei
eu e as minhas cabras(Almerinda Van Der Giezen)
Galeria de imagens: Caprinos (carregar nas figuras para as destacar).









Importância do diagnóstico da doença de Alzheimer

Repetir a mesma pergunta, uma e outra vez. Não se chama envelhecer, chama-se ficar doente. Se você ou um ente querido estiver com perda de memória, pode ser um sinal de demência. Pesquisas recentes mostram que o equívoco de que sintomas como a perda de memória são sinal de envelhecimento normal representa a maior barreira a que as pessoas procurem um diagnóstico de demência. Com as taxas de diagnóstico no nível mais baixo em cinco anos, dezenas de milhares de pessoas vivem agora com demência não diagnosticada. Isso significa que não têm acesso aos cuidados vitais e ao apoio que um diagnóstico pode comportar. Fazer um diagnóstico pode ser assustador, mas acreditamos que é melhor saber. E o mesmo acontece com 91% das pessoas afetadas pela demência. Mais de 9 em cada 10 pessoas afetadas pela demência dizem que ter realizado um diagnóstico as beneficiou. Permite-lhe receber conselhos práticos e apoio, planear o futuro, e pode até oferece uma sensação de alívio saber o que está a acontecer (Alzheimer’s Society. It’s Not Called Getting Old. 2022.
Quebra-cabeças

Há dez anos coloquei este anúncio da Drench na página do Facebook. Fantástico, em todos os sentidos. Mas não original. A PlayStqation 2 construiu uma esboço três anos antes (ver imagem). A originalidade é quase tão difícil quanto a santidade. O anúncio dispensa comentários. Convoco-o como preâmbulo ao próximo artigo: As novas máscaras.
Aula imaterial 5. Maneirismo e surrealismo 2. Humanoides
Isto não é uma aula. Uma aula, hoje, requer outros suportes. Se alguém aprender alguma coisa, é por engano.
O barroco é profundamente sensorial e naturalista, apela gozosamente para as seriações fruídas na variedade incessante do mundo físico, ao passo que o maneirismo, sob o domínio do “disegno” interiore, da Idea, se distancia da realidade física e do mundo sensório, preocupado com problemas filosófico -morais, com fantasmas interiores e com complexidades e subtilezas estilísticas; o barroco é uma arte acentuadamente realista e popular, animada de um poderoso ímpeto vital, comprazendo-se na sátira desbocada e galhofeira, dissolvendo deliberadamente a tradição poética petrarquista, ao passo que o maneirismo é uma arte de elites avessa ao sentimento “democrático” que anima o barroco, anti-realista, impregnada de um importante substrato preciosista e cortês, representado sobretudo pelo filão petrarquista; o barroco caracteriza-se pela ostentação, pelo esplendor e pela proliferação dos elementos decorativos, pelo senso da magnificência que se revela em todas as suas manifestações, tanto nas festas de corte como nas cerimónias fúnebres, contrariamente ao maneirismo, mais sóbrio e mais frio, introspectivo e cerebral, dilacerado por contradições insolúveis; o barroco tende frequentemente para o ludismo e o divertimento enquanto o maneirismo aparece conturbado por um “pathos” e uma melancolia de raízes bem¬ fundas (Vítor Aguiar e Silva, Teoria da Literatura).
Alguns traços do maneirismo ressurgem no surrealismo: a exacerbação criativa do artista, a distância face à realidade, a valorização da “subtileza estilística”…
Quando participei, em 2007, na organização de uma exposição de homenagem a Jerónimo Baía, monge poeta do Mosteiro de Tibães, interessei-me pelo maneirismo. Para esta aula de diálogo entre o maneirismo e o surrealismo, convoco três gravuristas: o alemão Wenzel Jamnitzer (1508-1585); o alemão Lorenz Stoer (1537-1621); e o italiano Giovanni Battista Braccelli (1584-1650). É uma tentação associar estes três gravuristas a alguns artistas surrealistas.
No próximo vídeo, os desenhos da obra Perspectiva Corporum Regularium (1568), de Jamnitzer, e os desenhos de M. C. Escher cotejam-se, desprendendo-se a sensação de um certo ar de família. O facto de Escher possuir uma gravura de Jamnitzer acresce como um indício factual.
As construções mentais de Lorenz Stoer, designadamente as paisagens urbanas com figuras geométricas, revelam alguma afinidade com as gravuras de Escher. Jamnitzer, Stoer e Escher são “artistas conceptuais”. Ver o vídeo Paisagens Geométricas, com gravuras da obra Geometria et Perspectiva (1567) de Lorenz Stoer.
A galeria de imagens de M. C. Escher complementa o vídeo de Stoer. Não se pretende sugerir que Escher se inspirou em Stoer. Apenas sustentar que ambos partilham determinados esquemas mentais, tais como a propensão para a geometrização da realidade, geometrização, por vezes, distorcida, inteletiva e idiossincrática.
Escher. Tower of Babel. 1928 Escher. Life and street. 1937 Escher. Cycle. 1938 Escher. Balcony. 1945 Escher. Up and down. 1947 EScher. The waterfall. 1961 Escher. Côncavo e convexo. 1955
Dos gravuristas maneiristas considerados, Braccelli é aquele que mais se aproxima do surrealismo. Distingue-se pela construção fantástica de figuras humanoides estilizadas, publicadas em Bizzarie di varie figure (1624).
É uma tentação esboçar pontes entre Braccelli, M. C. Escher e Salvador Dali. Comecemos, porém, com Giorgio di Chirico, precursor do surrealismo. Os seres solitários e melancólicos, de Giorgio di Chirico, e as figuras bizarras de Braccelli convergem, pelo menos, no seguinte aspecto: retratam humanoides, compostos por objectos, sem rosto e descarnados.
Giorgio di Chirico. Le rêve transformé. 1913 Giorgio di Chirico. Hector and Andromache. 1917 Giorgio di Chirico. The disturbing muses. 1918 Giorgio di Chirico. La commedia e la tragedia. 1926
Confrontar obras de arte descontextualizadas não é recomendável. Não obstante, ousamos suspender temporariamente a sociologia e a semiótica para dar asas à imaginação.
Braccelli p 27 M.C. Escher, Ring. 1955
Braccelli p 42 M.C. Escher. Bond of Union. 1956
Braccelli p 45 Salvador Dali. Ilustração da edição de 1946 do Don Quixote de Cervantes
Salvador Dali assume as suas afinidades e ligações. Convocou François Desprez, convoca, também, Braccelli. Deu o nome Braccelli a uma gravura e a uma peça de design (Braccelli Lamp). Assinou a escultura de homenagem a Braccelli no Château de Vascoeil (ver imagens).
Braccelli Lamp, by Salvador Dali. Conceived in the 1930’s, first production in the 1990’s Château de Vascoeuil Hommage à Braccelli par Salvador Dali Salvador Dali. ‘Braccelli’ the Warrior with a Corpse. Torero Series. 1985
Este texto aproxima-se de um exercício ou de um divertimento. Aprende-se com o divertimento? A infância é, porventura, a idade da vida em que mais se aprende, aprende-se o mundo, a brincar.
Peregrinámos um longo percurso para saber o que já se sabe: a afinidade entre o maneirismo e o surrealismo. Valeu a pena? Depende da maneira como se caminha. Pode-se ir em fila ou pelos muros. Quem descobre o descoberto desfruta do treino e do prazer de descobrir. A excelência actual aposta mais na didáctica do descoberto e menos na didáctica da descoberta.
Isto não é uma aula. É um contributo original para a sociologia e a semiótica da arte. Corre-se o risco de aprender.
Termino com um documentário sobre o surrealismo, que tem a lucidez de começar pelo dadaismo.