Archive | Junho 2022

Mais um dia, mais um ano

“Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés.

Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá- las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso” (Walter Benjamin, Teses sobre o conceito da história, 1940, tese 9).

Galeria: Devolução de grifo à natureza em Castro Laboreiro em março de 2022.

A exemplo do anjo de Paul Klee (figura 1), continuo a avançar com os olhos postos no passado. Mas, que me lembre, nunca antes abracei as ruínas com tanta ternura nem o futuro com tanta abertura. E, à semelhança do grifo devolvido à natureza em Castro Laboreiro (figuras 2 a 4), sinto-me cada vez mais devolvido à sociedade. Como um tronco de que irrompem portas e janelas (Figura 5). Não me lembro de receber tantos mimos e parabéns eletrónicos. A todos estou grato por este momento de confraternização.

Anabela Garelha e Salda Silva. Reutiliz’Art. Lamas de Mouro.

Top of the pops com rugas 5. Michel Colombier, Vangelis e Francis Lai

Insisto em recordar e publicar músicas, agora, instrumentais. Paisagens sonoras dos anos sessenta e setenta especialmente apropriadas para ouvir depois da penitência da fisioterapia.

Michel Colombier. Wings (Emmanuel). 1971.
Vangelis. La petite fille de la mer. L’apocalypse des animaux .1973.
Francis Lai. Générique (de “Bilitis”). 1977.

Top of the pops com rugas 4. The Rolling Stones, Supertramp e Pavlov’s Dog

The Rolling Stones. Angie. Goats Head Soup. 1973.
Supertramp. Hide in your shell. Crime of the century. 1974. Ao vivo em Paris, 1979.
Pavlov’s dogs. Julia. Pampered Menial. 1975.

Tops of the pops com rugas 3. Led Zeppelin, Deep Purple e The Doors

Georges Moustaki canta: “nunca estou só, com a minha solidão (je ne suis jamais seul avec ma solitude). Eu digo: nunca estou só, com os meus fantasmas sonoros”.

The Doors. Riders on the storm. L.A. Woman. 1971.
Deep Purple. Sweet Child in Time. Deep Purple in Rock. 1970.
The Doors. Riders on the storm. L.A. Woman. 1971.

Tops of the tops com rugas 2. The Beatles, Procol Harum e The Moody Blues

Continuo a dar-me música. Até aos cinquenta e treze.

The Beatles. Yesterday. Help. 1965.
Procol Harum. A whiter shade of pale. Procol Harum. 1967.
The Moody Blues. Nights in White Satin. Days of Future Passed. 1967.

Outros tempos. Top of the pops com rugas 1

Louis Armstrong

Estou a iniciar uma série de entrevistas a pessoas de idade centradas em determinados períodos da sua vida adulta. “Não te vai ser fácil, comenta uma amiga, a memória está-lhes sempre a fugir para a infância e a juventude”. Revisitei, “como quem se despede”, as entrevistas que promovi com pessoas maiores. Na verdade, o prazer da conversa tende a desviar-se para os tempos remotos estimados mais felizes. Agora, com quase cinquenta e treze, creio que me está a acontecer o mesmo. A memória teima em saltar as últimas décadas e a demorar-se na meninice e na adolescência. Até ao aniversário, vou regalar-me com melodias “daqueles tempos”, uma espécie de “tops of the pops” com rugas.

Aretha Franklin. A Natural Woman. Lady Soul. 1968.
Louis Armstrong. What A Wonderful World. 1967.
Nina Simone. I put a spell on you. I put a spell on you. 1965.

E se tentássemos…

Federación Mexicana de Sordos. Tik Tok Teachers. 2022.

De 20 a 24 de junho decorreu em Cannes o maior festival internacional de publicidade. A agência DDB México conquistou um Leão de Ouro, correspondente ao primeiro lugar na categoria Creative Data Grand Prix, com o anúncio Data Tienda, e um Leão de Bronze, com o anúncio Tik Tok Teachers, na categoria Social & Influencers.

No anúncio Data Tienda, a We Capital diagnostica um problema de exclusão social na sociedade mexicana: as mulheres que não recorrem ao crédito registado (através de cartões de crédito ou de instituições financeiras) não têm acesso a empréstimos devido à falta de historial. Não obstante, possuem uma longa prática de recurso ao crédito mas fora do circuito bancário. Compram a fiado com pagamento regular, por exemplo, a lojistas. A We Capital criou uma base de dados que contempla estas “operações financeiras” até ao presente ignoradas.

“A We Capital venceu o Creative Data Grand Prix deste ano com “Data Tienda”, um anúncio sobre inclusão financeira que visa ajudar as mulheres mexicanas a aceder ao crédito. É um caso de um novo pensamento para resolver velhos problemas.
A grande maioria das mulheres no México (83%) não tem histórico de crédito, o que afasta oportunidades de iniciar negócios ou obter independência financeira por meio de pedidos de empréstimos. As mulheres não possuem cartões de crédito tradicionais ou outros registros, mas recorrem a empréstimos em lojas locais.
Criado com a DDB México, o anúncio apresenta uma iniciativa da We Capital. A empresa internacional de investimentos lançou o Data Tienda, um centro de informações financeiras, que recolhe informações de crédito de milhões de mulheres mexicanas através das contas de lojistas locais” (Rafael Canton e Jess Zafarris, An Ad About Giving Women in Mexico Access to Credit Wins Creative Data Grand Prix: https://www.adweek.com/agencies/data-tienda-wecapital-creative-data-grand-prix-cannes-2022/#. Acedido em 28/06/2022).

Anunciante: We Capital. Título: Data Tienda. Agência: DDB Mexico. México, junho 2022.

O anúncio Tienda aborda uma desigualdade de acesso a bens e serviços, o crédito, decorrente de uma exclusão de acesso à comunicação e à informação. A exclusão da informação é decisiva numa nova era histórica que Alain Touraine (La Société post-industrielle, 1969) e Daniel Bell (The Coming of Post Industrial Society, 1973) classificaram, há meio século, como uma “sociedade da informação”.

De exclusão social trata também o anúncio Tik Tok Teachers. Existe um excessivo desconhecimento das línguas gestuais, um défice de literacia no que respeita à comunicação entre surdos e ouvintes na sociedade atual. Federación Mexicana de Sordos decidiu aproveitar as potencialidades da plataforma Tik Tok para promover um extenso dicionário de língua gestual criado e animado pelos próprios utilizadores (acima de ” 3.4 milhões de professores ao vivo” em poucos dias).

“Enseñar lengua de señas a la población mexicana en general es la mejor forma de incluir a más de 8 millones de sordos en la sociedad, pero con solo 10 profesores en todo el país, es una tarea casi imposible. / Por eso el día nacional del sordo, lanzamos: TikTok Teachers. Un reto totalmente orgánico con el que pasamos de 10 profesores a 3.4 millones de profesores en vivo, nos convertimos en tendencia durante 4 días y creamos el primer diccionario de lengua de señas en TikTok que reúne en un solo hashtag las 1.300 palabras que conforman el diccionario original” (Tik Tok Teachers: https://www.youtube.com/watch?v=BoGrmumvouU&t=5s. Acedido em 28/06/2022).

Anunciante: Federación Mexicana de Sordos.Título: Tik Tok Teachers. Agência: DDB Mexico. México, junho 2022.

“Não temos petróleo, mas temos ideias” foi o slogan adotado em França no rescaldo da crise petrolífera de 1973. Uma ideia consistiu na introdução da mudança anual da hora com o objetivo de baixar o consumo de energia. Mão é apenas por causa do petróleo que fazem falta ideias. Revelam-se, também, decisivas para promover a inclusão social. Afortunadamente, existem muitas. Algumas tornaram-se célebres, como os “Restaurantes do Coração”, criados pelo ator cómico Coluche em França em 1985. Hoje, os “Restos du Coeur” congregam, no país, 11 delegações regionais e perto de 2 000 centros de atividades.

Sem ideias criativas, as boas intenções, e respetivos dispositivos e recursos, correm o risco de redundar em insucesso e desperdício. Para uma intervenção de inclusão social consequente, importa:

  • Conhecer
  •                os promotores e suas motivações
  •                as populações alvo, as suas condições e estilos de vida;
  •                o que está em jogo, os falsos pretextos e as perversidades;
  •                as dificuldades e os obstáculos previsíveis;
  • Envolver
  •                apostar em pontes, plataformas e parcerias;
  •                trabalhar menos para (os excluídos) e mais com (eles);
  •                aproveitar as dinâmicas existentes, sobretudo endógenas.
  • Potenciar
  •                oportunidades;
  •                vontades;
  •                a inovação e a criatividade;
  •                os recursos, mormente os media e as novas tecnologias.

Para intervir, não basta querer, convém conhecer, envolver e potenciar. E evitar soluções palacianas e a tentação de “levar a corte à aldeia”. Importa, por último, sondar, sinalizar e disseminar as iniciativas exemplares, de modo a replicá-las e inspirar outras afins. E se tentássemos… incluir.

P.S. Não esquecer a avaliação, a partilha e a disseminação, caso se justifique.

A deserção do amor. The Kills II

Egon Schiele, Autoportrait en gilet, le coude droit levé, 1914

” La mort est plus aisée à supporter sans y penser, que la pensée de la mort sans péril” / É mais fácil suportar a morte sem pensar nela do que o pensamento da morte sem perigo” (Blaise Pascal, Pensamentos: Artigo XXI – Miséria do Homem: III).

  • Batem forte, fortemente,
  • Como quem pede por mim.
  • Será vida? Será morte?
  • A vida é, certamente
  • mas a morte também bate assim.
  • (A partir de Augusto Gil)

Seguem algumas pancadas eletrizantes dos Kills: Love Is A Deserter (2005); Future Starts Slow (2011); e Doing It To Death (2016).

The Kills. Love Is A Deserter. No Wow. 2005.
The Kills. Future Starts Slow. Blood Pressures. 2011.
The Kills. Doing it to death. Ash & Ice. 2016.

No limite: The Kills I

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“A morte não é acontecimento da vida. Não se vive a morte. / Se por eternidade não se entender a duração infinita do tempo mas a atemporalidade, vive eternamente quem vive no presente. / Nossa vida está privada de fim como nosso campo visual, de limite” (Ludwig Wittgenstein. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968, p. 127).

Mudar de música ajuda a mudar de atitude. Tive São João em casa. Quatro em cada cinco jovens admitiram não ter ouvido falar dos The Kills. Este e o próximo posts ser-lhes-ão dedicados. Seguem, por enquanto, duas versões mais despojadas e mais raras, com menos punch e batida do que o duo nos habituou.

The Kills. The Last Goodbye. Blood Pressures. 2011. Live David Letterman chat show, 2012.
The Kills. Wait. Keep on Your Mean Side. 2003. ‘Echo Home – Non-Electric EP’ released 2017.

Estética da receção. Uma instalação

O valor de uma obra depende dos usos e das interpretações que suscita. A empregada enriqueceu esta escultura contemporânea com um uso inesperado. De algum modo, uma espécie de instalação.

Escultura de Fernando Nobre ressignificada.