Cinzas

Fumar, a submissão cega ao feitiço do tabaco, é o meu lado feio. Leva a fazer e dizer disparates. Numa sociedade regida pelo princípio da razão e pela ética da responsabilidade, fumar representa uma espécie de colapso no processo civilizacional. Insinua-se como o mais anticartesiano dos argumentos, a demonstração de que o bom senso não é, afinal, a coisa mais bem distribuída. Não há Luzes que resistam. Trata-se da atividade mais massiva, inútil e sem sentido de toda a história da humanidade. Nunca tanta gente perdeu ao mesmo tempo o juízo. Fumar só faz mal. Ao próprio, ao outro, a todos. A autodestruição elevada a biliões de praticantes. Haverá desgraça ou frustração maiores do que a impotência face à iminência do suicídio defumado de um em cada quatro concidadãos? Um enorme e cavado buraco na roda preventiva da sensibilização e da socialização.
Absconsos, os fumadores obstinam-se a adiar a conversão. Absconsos e desbussolados, os fumadores obstinam-se, narinas contra o vento, a adiar a conversão. Não enxergam o óbvio? A salvação hodierna passa mais pelos corpos do que pelas almas. Impõe-se o cuidado disciplinado de si. A sociedade atual é tão pós-industriais, informacional ou pós-moderna quanto medicalizada. Atentar contra a saúde é um crime digno de denúncia e opróbio militantes. Não há, porém, quem desencante um testo suscetível de abafar esta baforada de sociopatas.

Os espelhos da morte e os transi medievais e modernos confrontam-nos com o destino, com a sementeira no “quintal junto à igreja”. “In the Yard, Behind the Church”, dos Eels, propicia-se a ressoar como música de fundodo próximo cigarro. Vanitas ou memento mori de uma redução a cinzas.
Não é? Em plena época carnavalesca, após um sábado de contenção, uma rabugice em jeito de folia chocalheira. Antes que quarta chegue depois da terça.
In the Yard, Behind the Church
In the yard, behind the church where
Butterflies and blackbirds search for
A safe place to rest the night away
We will go down to the brook and
Sit upon the overlook then
Forget about the troubles of the day
We will walk among the graves of
Men long dead with presidents’ names and
Listen to the water flow softly by
I will kiss you on the lips now
And as the sky grows dark we’ll strip down
And let the water wash away all lies
In the yard, behind the church where
Butterflies and blackbirds perch on
Grey stones as the garden’s growing dim
We will lay down on the ground and
Put our cheeks against the dirt down
Where it no longer matters
Where you’ve been
Eels