Jonhy Cash

No rescaldo do artigo “Mãos de eternidade”, algumas canções de Jonhy Cash vêm a talhe de foice. Para exagerar, selecciono três:
Encapar a realidade

Quando ocorre uma efeméride, costumo recolher os anúncios alusivos. No Dia Internacional da Mulher, não fui bem sucedido. Provavelmente, por vício do olhar ou erro de lugar. Retive o poster da Time, comemorativo dos 100 anos do direito a voto das mulheres. Acompanho o meu reconhecimento com a canção Four Women (1966), da Nina Simone, num vídeo relativamente raro e antigo, que não consegui datar.
Depois do fim

Pensei colocar uma música do Rachmaninov. Passei algum tempo a decidir a obra: concerto No.2 in C minor, op.18 [Adagio sostenuto]. Passei ainda mais tempo a escolher a interpretação: Hélène Grimaud (piano), Claudio Abbado (direcção). Tive um pressentimento: já coloquei Rachmaninov no Tendências do Imaginário? Em 31 de Agosto de 2019: a mesma música e a mesma interpretação. Uma perda de tempo? Não, aprendi que sou previsível.
Hoje, tomei banho em mel. Só histórias de amor! Daquelas que terminam mas continuam. Por exemplo, o filme Love Story (Oscar em 1970). Cinquenta anos depois, ainda me comove. Segue o trailer do filme. Francis Lai, o autor, compôs cerca de sessenta músicas de filmes, tais como Un Homme et Une Femme (1966), Emmanuelle (1975) e Bilitis (1977).
Francis Lai lembra-me James Hormer, compositor de uma centena de músicas de filmes, tais como An American Tail (1986), Field of Dreams (1989), Glory (1989), Braveheart (1995) e Titanic (1997). Acrescento a música do filme Legends of the Fall (1995).
Comportar-se como uma mulher

A revista Girls, Girls, Girls Magazine publicou um excelente anúncio feminista com um discurso contundente: Be a Lady, They said (2017), com texto de Camille Rainville e interpretação de Cynthia Nixon (da série Sex and the City).
Que se pede a uma mulher? Um sacrifício eterno? A esquizofrenia do duplo vínculo? Que seja a mesma e o contrário, eventualmente tudo e nada: Be a size zero. Be a double zero. Be nothing. Be less than nothing.
Retenho dois traços do anúncio, de algum modo, ressonantes.
A primeira metade do anúncio, cerca de minuto e meio, é dedicada aos cuidados do corpo. Obsessão de quem para quem? Li algures, há muitos anos, que, no que respeita à apresentação si, o espelho das mulheres seria mais feminino do que masculino. Importaria mais a reacção de outras mulheres do que dos homens. Verdade?
A maternidade é abordada em meia dúzia de frases curtas: “um dia serás uma boa esposa (…) dá-lhe filhos / tu não queres filhos / mais tarde ou mais cedo, eles virão / tu mudarás de opinião”. Trata-se de um discurso abonatório da maternidade? O que é ser mulher? Não sei, nem em concreto, nem em definido! A maternidade é uma relação de poder? Um desejo transplantado? Uma injunção bíblica? A maternidade parece ser o nó cego da nova humanidade.
Também não sei o que é ser homem. Seria oportuno um anúncio homólogo centrado, agora, no mote “tu serás um homem, meu filho”. Talvez resultasse esclarecedor.
Be a lady, they said
By Camille Rainville
Be a lady they said. Your skirt is too short. Your shirt is too low. Your pants are too tight. Don’t show so much skin. Don’t show your thighs. Don’t show your breasts. Don’t show your midriff. Don’t show your cleavage. Don’t show your underwear. Don’t show your shoulders. Cover up. Leave something to the imagination. Dress modestly. Don’t be a temptress. Men can’t control themselves. Men have needs. You look frumpy. Loosen up. Show some skin. Look sexy. Look hot. Don’t be so provocative. You’re asking for it. Wear black. Wear heels. You’re too dressed up. You’re too dressed down. Don’t wear those sweatpants; you look like you’ve let yourself go.
Be a lady they said. Don’t be too fat. Don’t be too thin. Don’t be too large. Don’t be too small. Eat up. Slim down. Stop eating so much. Don’t eat too fast. Order a salad. Don’t eat carbs. Skip dessert. You need to lose weight. Fit into that dress. Go on a diet. Watch what you eat. Eat celery. Chew gum. Drink lots of water. You have to fit into those jeans. God, you look like a skeleton. Why don’t you just eat? You look emaciated. You look sick. Eat a burger. Men like women with some meat on their bones. Be small. Be light. Be little. Be petite. Be feminine. Be a size zero. Be a double zero. Be nothing. Be less than nothing.
Be a lady they said. Remove your body hair. Shave your legs. Shave your armpits. Shave your bikini line. Wax your face. Wax your arms. Wax your eyebrows. Get rid of your mustache. Bleach this. Bleach that. Lighten your skin. Tan your skin. Eradicate your scars. Cover your stretch marks. Tighten your abs. Plump your lips. Botox your wrinkles. Lift your face. Tuck your tummy. Thin your thighs. Tone your calves. Perk up your boobs. Look natural. Be yourself. Be genuine. Be confident. You’re trying too hard. You look overdone. Men don’t like girls who try too hard.
Be a lady they said. Wear makeup. Prime your face. Conceal your blemishes. Contour your nose. Highlight your cheekbones. Line your lids. Fill in your brows. Lengthen your lashes. Color your lips. Powder, blush, bronze, highlight. Your hair is too short. Your hair is too long. Your ends are split. Highlight your hair. Your roots are showing. Dye your hair. Not blue, that looks unnatural. You’re going grey. You look so old. Look young. Look youthful. Look ageless. Don’t get old. Women don’t get old. Old is ugly. Men don’t like ugly.
Be a lady they said. Save yourself. Be pure. Be virginal. Don’t talk about sex. Don’t flirt. Don’t be a skank. Don’t be a whore. Don’t sleep around. Don’t lose your dignity. Don’t have sex with too many men. Don’t give yourself away. Men don’t like sluts. Don’t be a prude. Don’t be so up tight. Have a little fun. Smile more. Pleasure men. Be experienced. Be sexual. Be innocent. Be dirty. Be virginal. Be sexy. Be the cool girl. Don’t be like the other girls.
Be a lady they said. Don’t talk too loud. Don’t talk too much. Don’t take up space. Don’t sit like that. Don’t stand like that. Don’t be intimidating. Why are you so miserable? Don’t be a bitch. Don’t be so bossy. Don’t be assertive. Don’t overact. Don’t be so emotional. Don’t cry. Don’t yell. Don’t swear. Be passive. Be obedient. Endure the pain. Be pleasing. Don’t complain. Let him down easy. Boost his ego. Make him fall for you. Men want what they can’t have. Don’t give yourself away. Make him work for it. Men love the chase. Fold his clothes. Cook his dinner. Keep him happy. That’s a woman’s job. You’ll make a good wife some day. Take his last name. You hyphenated your name? Crazy feminist. Give him children. You don’t want children? You will some day. You’ll change your mind.
Be a lady they said. Don’t get raped. Protect yourself. Don’t drink too much. Don’t walk alone. Don’t go out too late. Don’t dress like that. Don’t show too much. Don’t get drunk. Don’t leave your drink. Have a buddy. Walk where it is well lit. Stay in the safe neighborhoods. Tell someone where you’re going. Bring pepper spray. Buy a rape whistle. Hold your keys like a weapon. Take a self-defense course. Check your trunk. Lock your doors. Don’t go out alone. Don’t make eye contact. Don’t bat your eyelashes. Don’t look easy. Don’t attract attention. Don’t work late. Don’t crack dirty jokes. Don’t smile at strangers. Don’t go out at night. Don’t trust anyone. Don’t say yes. Don’t say no.
Just “be a lady” they said.
Morte divertida

Morrer a rir é um fim de vida que Deus se descuidou de criar. Mas, para nossa salvação, as novas tecnologias e a publicidade emendam a criação divina. Se quer morrer a rir, num hospital ou atolado em areias movediças, contacte a Quibi. Costumo designar este tipo de anúncio como de dupla contorção: o riso do diafragma e o calafrio do baixo ventre.
Billie Eilish

Adolescente, no topo de vendas, a chorar lágrimas pretas, foi o suficiente para uma birra preconceituosa com Billie Eilish. Beber lágrimas pretas era demasiado para a minha cabeça redonda. É certo que conheço apenas o videoclip When the party’s over (2018): um concentrado de alta qualidade. Sou teimoso, mas sei dar o braço a torcer. Billie Eilish lançou ontem, 13 de Fevereiro, uma nova canção, No time to die, para o próximo filme da saga 007. Uma maravilha! O preconceito cega. Voltei a ouvir When the party’s over, e gostei.
Albertino e Fernando
Sentimento

“Les sanglots longs de l’automne blessent mon coeur d’une langueur monotone” (Paul Verlaine, Chanson d’Automne, 1866).
Ando, há meio século, com o Emmanuel, de Michel Colombier, ao colo. Nenhuma versão substitui a música original (ver https://tendimag.com/2017/10/19/a-danca-da-consciencia/). Mas gosto do violoncelo bem tocado. Por que não o Emmanuel? São cordas, cordas graves, que tremem e gemem.
Chanson d’Automne (Paul Verlaine)
Les sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon cœur
D’une langueur
Monotone.
Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure;
Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
A canção do outono (Paul Verlaine; trad. Guilherme de Almeida)
Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.
E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.
E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.
Os cavalos também dançam

“O cavalo, como todos sabem, é a parte mais importante do cavaleiro” (Jean Giraudoux, Ondine, 1959, Paris, Flammarion, 2016, Scène Deuxième).
Um pingo de humor cai sempre bem, até na melancolia. O anúncio The Cool Ranch, da Doritos, é uma paródia dos westerns. Assistimos a um duelo de dança em duas mãos. Primeiro, os cowboys, em seguida, os cavalos. A música de Ennio Morricone sublinha a dramaticidade heroica do momento. Quem ganha o dorito? Um cow-boy vale o que vale o seu cavalo. O primeiro cavalo, tipo Jolly Jumper, capricha; o segundo, tipo Rantanplan, faz o que lhe apetece: nada.
Três em um

- A surpresa mora na Internet. Desesperado de encontrar um bom vídeo com a música Because The Night, de Patti Smith, percorri a lista do Google quase de fio a pavio. Deparei com este vídeo, cuja imagem consiste num extenso e desinibido cruzamento de duas citações: o soberbo anúncio Odyssey, da Levi’s (2002) e o perturbador filme The Million Dollar Hotel, de Wim Wenders (2000).
Seguem o vídeo para a música Because The Night, de Patti Smith, o trailer do filme The Million Dollar Hotel, de Wim Wenders, e o anúncio Odyssey, da Levi’s.