A Suspensão da Espécie
Este anúncio da Durex lembra os filmes do James Bond (“Condom 007”) e dos gangsters (“Condoms Traffic”). Uma vez localizados, somos pronta e discretamente servidos. O SOS Condoms não surpreende. Foi precedido pelo pacote completo. O cliente localiza-se e recebe a contracepção mais os acessórios.
Vem a propósito a notícia recente de que existem, em Portugal, “empresas que obrigam mulheres a comprometer-se a não engravidar durante cinco anos”. Esta austeridade pode integrar a mesma galeria que os míticos direito à pernada e cintos de castidade. Abre-se e fecha-se. Virgindade, ontem, maternidade, hoje, a violência sobre as mulheres repete-se. Que fazer? Continuar a apelar aos nossos brandos costumes? As chagas de Ourique martirizam este País. Às vezes, penso se não somos mais medievais do que os medievais da Idade Média.
Marca: Durex. Título: SOS Condoms. Agência: Buzzman Middle East. Emirados Árabes Unidos, 2013.
O Gozo da Maldade
Este anúncio dinamarquês é uma história sem palavras. Gosto de histórias sem palavras. São fáceis de traduzir. Esta é composta, exclusivamente, por maldades, por sinal, gratuitas. Somos assim, apreciamos maldades estúpidas, que não trazem proveito a ninguém. O nosso olhar abre-se de gozo, para logo se fechar numa piscadela ao diabo. O condutor do descapotável é mau, pelo prazer da maldade. O condutor do eléctrico é mau, pelo prazer da vingança. Pelos vistos, não há melhor promoção do que tamanho gozo na maldade.
Marca: As Oslo Sporveier. Título: Make way for the tram. Agência: New Deal. Direcção: Rof Sohlman. Noruega, 1993.
A Força
Se tens a força, poupa o fôlego. A força é uma miragem da humanidade. Pode estar dentro de ti, pode estar fora. Até se pode concentrar num lego. Por sua vez, o recurso a ícones populares é uma tentação do minimalismo. Que a força esteja contigo!
Marca: Lego. Título: Happy Birthday Lego Star Wars. Internacional, 2014.
E porque há forças e forças, Sérgio Godinho:
Macabro
Não gosto de dançar com cadáveres. Não é que sejam cadáveres; estão vivos. Mas, pelo sim, pelo não, já os depositaram na morgue.
Seguem duas canções dos Agua Viva (Apocalipsis, 1971). A primeira porque “me queda la palabra”, a segunda porque “los niños muertos no crecen”. Nunca imaginei, 43 anos depois, ouvi-los com os mesmos ouvidos.
Agua Viva. Me Queda la Palabra. Apocalipsis. 1971.
Agua Viva. La Niña de Hiroshima. Apocalipsis. 1971.
Amai-vos uns aos outros
Este anúncio da Freeview lembra-me a gata. Os pássaros, os ratos, as lagartixas e as moscas morrem de amores. E trá-los para casa para a família os abençoar.
Uma gata muito livre e muito sábia, que costuma dar alguns conselhos enquanto se ajeita no colo:
– Não peças ao Estado: entras num labirinto e sais num pântano.
– Se o Estado te pede um trabalho, olhos de gato e pernas de rato. O negócio, só por milagre, não resulta em ruinoso investimento.
– Quando comunicas, sabe qual é o teu público. Se local, comunica para os locais; se nacional, para os nacionais, se estrangeiro, para os estrangeiros. À partida, nenhum destes públicos vale mais que o outro. Quando muito, pode ou não ser adequado aos teus propósitos.
– Quando estudas e comunicas o local, é, normalmente, o local quem paga. Quando estudas e comunicas o nacional, é, normalmente, o nacional quem paga. Quando estudas e comunicas o estrangeiro, quem é que paga? Nenhuma destas três fontes deve secar as outras. E qual é o retorno? Não repitas estas perguntas. Serás considerado populista ou “terrorista”. Há quem gaste o dinheiro do povo e não tenha que prestar contas.
– Evita ser um eunuco linguístico. Na tua terra, na tua cultura, com a tua gente, fala a tua língua. Repara no teu blogue: escrito em Português, é acedido por 21,7% de internautas provenientes de Portugal, 37,8%, do Brasil e 40,5% de países não lusófonos. Como seria se fosse escrito em inglês? Não sei como seria, mas não seria certamente o teu blogue. Se calhar, seria o blogue de um conde andeiro qualquer.
– Não existe uma hierarquização? É velha a tendência para inclinar a escada para o lado que convém. De preferência, com a ajuda do vento. Em Portugal, há muitos cataventos.
Já agora, termino com uma brincadeira, com uma farsa: um dia virá em que os nossos nomes serão convertidos para língua estrangeira; será mais fácil dar-nos ordens!
Palavras de uma gata mimada que não exporta pássaros, nem ratos, nem lagartixas, nem moscas. Nem sequer, pêlos.
Marca: Freeview. Título: Cat and Budgie Love. Agência: Leo Burnett. Direcção: Ne-O. UK, Fevereiro 2014.
Hinos. Nada é impossível
Nada é impossível. Numa mobilização emocional, nada é de menos. Os hinos… Ai, os hinos! A Marselhesa canta: “Soyons unis! Tout est possible; Nos vils ennemis tomberont”. Na Portuguesa, “uma nação valente e imortal” marcha contra os canhões. Tudo é realmente possível.
Marca: Banco de Chile. Título: Mineros Apoyo Selección camino ao Mundial 2014.
#todos tugas. Chamamento.
Este anúncio perturba-me. Ao contrário dos anúncios que apostam na claridade e no destaque das figuras, este é assumidamente lunar, com figuras indefinidas e instáveis. A luz não é solar. Serpenteada pelo fogo e pelas luzes das bicicletas, é nocturna, obstinadamente horizontal, produzida pelos actores. Não há vedetas, nem prodígios. O mundo, em construção, move-se, impreciso mas palpitante. Fecundo como o ventre ou a gruta. Herói? Quando muito, o espectador. Aura? Porventura a da marca, a Rádio Popular. A voz dirige-se, sempre, ao espectador. Mais do que invocar, convoca. Mais do que convidar, desafia. A uma libertação pessoal, nem isolada, nem arrebanhada: “descobrirás o teu caminho, não chegarás sozinho”. Trata-se de um chamamento. O anúncio não sugere qualquer compra ou avaliação, nem solicita a memória. Apela a uma mudança de atitude. O anúncio não é teu, tu és o anúncio, mais precisamente, tu és o anunciado. Abre-te, adere e segue. Como São Mateus a Jesus Cristo. No final, serão tantos os chamados como as estrelas no céu. Em suma, chamamento, ressonância e anamorfose da vontade pessoal. De qualquer modo, com este anúncio caminha-se na linha da frente da publicidade. Quem dá estes passos, não anda distraído.
Rádio Popular. #todos tugas. Portugal, Junho 2014.
Com um brilho nos olhos
Eu não gosto de fazer nada, mas não me importava de ter feito este anúncio. E sugerir a cada um dos milhões de espectadores: tu não és cinzento, mereces um Golf! E deixá-lo com um brilho nos olhos, daqueles que iluminam o ego. Este anúncio não precisava do prémio em Cannes para se impor como uma excelente peça de comunicação.
Marca: Golf. Título: La Galerie d’art. Agência: DDB. Direcção: Xavier Giannoli. França, 1999
Brutal
Mr. Old Spice vai ao Mundial. Com o humor habitual. Como as toupeiras turbo, cava túneis subterrâneos sem gps. Muita cor, muito som, muita agitação. A ausência de sentido estimula os sentidos. Com estas artes, os brasileiros estão expostos uma sobrecarga semiótica.
Há grotescos e grotescos. O esquema da Old Spice provoca cada vez menos estranheza. É uma réplica. O anúncio da Budweiser joga no mesmo campo, com o mesmo equipamento, mas com outro estilo. O contraste entre a rudeza dos wrestlers e a delicadeza do vestuário é um ovo de Colombo bem explorado.
Marca: Old Spice Brasil. Título: Po po po po power. Agência: Wieden + Kennedy, Portland. Brasil, Junho 2014.
Marca: Budweiser. Título: Mister pro wrestling wardrobe designer. Agência: DDB. Direcção: Tom Schiller. USA, 2002.