Archive | Junho 2014

A Suspensão da Espécie

CRAVINGS maternity, baby, kids.

CRAVINGS maternity, baby, kids.

Este anúncio da Durex lembra os filmes do James Bond (“Condom 007”) e dos gangsters (“Condoms Traffic”). Uma vez localizados, somos pronta e discretamente servidos. O SOS Condoms não surpreende. Foi precedido pelo pacote completo. O cliente localiza-se e recebe a contracepção mais os acessórios.
Vem a propósito a notícia recente de que existem, em Portugal, “empresas que obrigam mulheres a comprometer-se a não engravidar durante cinco anos”. Esta austeridade pode integrar a mesma galeria que os míticos direito à pernada e cintos de castidade. Abre-se e fecha-se. Virgindade, ontem, maternidade, hoje, a violência sobre as mulheres repete-se. Que fazer? Continuar a apelar aos nossos brandos costumes? As chagas de Ourique martirizam este País. Às vezes, penso se não somos mais medievais do que os medievais da Idade Média.

Marca: Durex. Título: SOS Condoms. Agência: Buzzman Middle East. Emirados Árabes Unidos, 2013.

O Gozo da Maldade

Piscar de olho do diaboEste anúncio dinamarquês é uma história sem palavras. Gosto de histórias sem palavras. São fáceis de traduzir. Esta é composta, exclusivamente, por maldades, por sinal, gratuitas. Somos assim, apreciamos maldades estúpidas, que não trazem proveito a ninguém. O nosso olhar abre-se de gozo, para logo se fechar numa piscadela ao diabo. O condutor do descapotável é mau, pelo prazer da maldade. O condutor do eléctrico é mau, pelo prazer da vingança. Pelos vistos, não há melhor promoção do que tamanho gozo na maldade.

Marca: As Oslo Sporveier. Título: Make way for the tram. Agência: New Deal. Direcção: Rof Sohlman. Noruega, 1993.

A Força

Star warsSe tens a força, poupa o fôlego. A força é uma miragem da humanidade. Pode estar dentro de ti, pode estar fora. Até se pode concentrar num lego. Por sua vez, o recurso a ícones populares é uma tentação do minimalismo. Que a força esteja contigo!

 

 

Marca: Lego. Título: Happy Birthday Lego Star Wars. Internacional, 2014.

E porque há forças e forças, Sérgio Godinho:

Macabro

Dança macabra de Clusone. 1485.

Dança macabra de Clusone. 1485.

Não gosto de dançar com cadáveres. Não é que sejam cadáveres; estão vivos. Mas, pelo sim, pelo não, já os depositaram na morgue.

Seguem duas canções dos Agua Viva (Apocalipsis, 1971). A primeira porque “me queda la palabra”, a segunda porque “los niños muertos no crecen”. Nunca imaginei, 43 anos depois, ouvi-los com os mesmos ouvidos.

Agua Viva. Me Queda la Palabra. Apocalipsis. 1971.

Agua Viva. La Niña de Hiroshima. Apocalipsis. 1971.

 

Ser ou não ser cão

O2. Be more dog.

Se não gosta da sua identidade, faça uma actualização. Este anúncio da O2 é uma delícia.

Marca: O2. Título: Be more dog. Agência: VCCP. UK, 2013.

Amai-vos uns aos outros

Freeview

Este anúncio da Freeview lembra-me a gata. Os pássaros, os ratos, as lagartixas e as moscas morrem de amores. E trá-los para casa para a família os abençoar.
Uma gata muito livre e muito sábia, que costuma dar alguns conselhos enquanto se ajeita no colo:
– Não peças ao Estado: entras num labirinto e sais num pântano.
– Se o Estado te pede um trabalho, olhos de gato e pernas de rato. O negócio, só por milagre, não resulta em ruinoso investimento.
– Quando comunicas, sabe qual é o teu público. Se local, comunica para os locais; se nacional, para os nacionais, se estrangeiro, para os estrangeiros. À partida, nenhum destes públicos vale mais que o outro. Quando muito, pode ou não ser adequado aos teus propósitos.
– Quando estudas e comunicas o local, é, normalmente, o local quem paga. Quando estudas e comunicas o nacional, é, normalmente, o nacional quem paga. Quando estudas e comunicas o estrangeiro, quem é que paga? Nenhuma destas três fontes deve secar as outras. E qual é o retorno? Não repitas estas perguntas. Serás considerado populista ou “terrorista”. Há quem gaste o dinheiro do povo e não tenha que prestar contas.
– Evita ser um eunuco linguístico. Na tua terra, na tua cultura, com a tua gente, fala a tua língua. Repara no teu blogue: escrito em Português, é acedido por 21,7% de internautas provenientes de Portugal, 37,8%, do Brasil e 40,5% de países não lusófonos. Como seria se fosse escrito em inglês? Não sei como seria, mas não seria certamente o teu blogue. Se calhar, seria o blogue de um conde andeiro qualquer.
– Não existe uma hierarquização? É velha a tendência para inclinar a escada para o lado que convém. De preferência, com a ajuda do vento. Em Portugal, há muitos cataventos.
Já agora, termino com uma brincadeira, com uma farsa: um dia virá em que os nossos nomes serão convertidos para língua estrangeira; será mais fácil dar-nos ordens!
Palavras de uma gata mimada que não exporta pássaros, nem ratos, nem lagartixas, nem moscas. Nem sequer, pêlos.


Marca: Freeview. Título: Cat and Budgie Love. Agência: Leo Burnett. Direcção: Ne-O. UK, Fevereiro 2014.

Hinos. Nada é impossível

Mineiros chilenosNada é impossível. Numa mobilização emocional, nada é de menos. Os hinos… Ai, os hinos!  A Marselhesa canta: “Soyons unis! Tout est possible; Nos vils ennemis tomberont”. Na Portuguesa, “uma nação valente e imortal” marcha contra os canhões. Tudo é realmente possível.

Marca: Banco de Chile. Título: Mineros Apoyo Selección camino ao Mundial 2014.

 

#todos tugas. Chamamento.

Calling of Saint Matthew. Contarini Chapel. The Calling of Saint Matthew. 1599–1600. Contarelli Chapel, San Luigi dei Francesi, Rome.

Caravaggio. The Calling of Saint Matthew. 1599–1600.

Este anúncio perturba-me. Ao contrário dos anúncios que apostam na claridade e no destaque das figuras, este é assumidamente lunar, com figuras indefinidas e instáveis. A luz não é solar. Serpenteada pelo fogo e pelas luzes das bicicletas, é nocturna, obstinadamente horizontal, produzida pelos actores. Não há vedetas, nem prodígios. O mundo, em construção, move-se, impreciso mas palpitante. Fecundo como o ventre ou a gruta. Herói? Quando muito, o espectador. Aura? Porventura a da marca, a Rádio Popular. A voz dirige-se, sempre, ao espectador. Mais do que invocar, convoca. Mais do que convidar, desafia. A uma libertação pessoal, nem isolada, nem arrebanhada: “descobrirás o teu caminho, não chegarás sozinho”. Trata-se de um chamamento. O anúncio não sugere qualquer compra ou avaliação, nem solicita a memória. Apela a uma mudança de atitude. O anúncio não é teu, tu és o anúncio, mais precisamente, tu és o anunciado. Abre-te, adere e segue. Como São Mateus a Jesus Cristo. No final, serão tantos os chamados como as estrelas no céu. Em suma, chamamento, ressonância e anamorfose da vontade pessoal. De qualquer modo, com este anúncio caminha-se na linha da frente da publicidade. Quem dá estes passos, não anda distraído.

Rádio Popular. #todos tugas. Portugal, Junho 2014.

 

Com um brilho nos olhos

Städtische Galerie Dresden

Städtische Galerie Dresden

Eu não gosto de fazer nada, mas não me importava de ter feito este anúncio. E sugerir a cada um dos milhões de espectadores: tu não és cinzento, mereces um Golf! E deixá-lo com um brilho nos olhos, daqueles que iluminam o ego. Este anúncio não precisava do prémio em Cannes para se impor como uma excelente peça de comunicação.

volkswagen-golf-the-painter-6001-56872

Marca: Golf. Título: La Galerie d’art. Agência: DDB. Direcção: Xavier Giannoli. França, 1999

Brutal

Old Spice Brasil

Mr. Old Spice vai ao Mundial. Com o humor habitual. Como as toupeiras turbo, cava túneis subterrâneos sem gps. Muita cor, muito som, muita agitação. A ausência de sentido estimula os sentidos. Com estas artes, os brasileiros estão expostos uma sobrecarga semiótica.

Há grotescos e grotescos. O esquema da Old Spice provoca cada vez menos estranheza. É uma réplica. O anúncio da Budweiser joga no mesmo campo, com o mesmo equipamento, mas com outro estilo. O contraste entre a rudeza dos wrestlers e a delicadeza do vestuário é um ovo de Colombo bem explorado.

Marca: Old Spice Brasil. Título: Po po po po power. Agência: Wieden + Kennedy, Portland. Brasil, Junho 2014.

Marca: Budweiser. Título: Mister pro wrestling wardrobe designer. Agência: DDB. Direcção: Tom Schiller. USA, 2002.